Sozinha, redução da maioridade não soluciona

De acordo com especialistas, investimentos em políticas públicas primárias são fundamentais para resolver a questão dos menores infratores

Foi encaminhada neste mês, pelo governador Geraldo Alckmin, a proposta de aumentar o tempo máximo de internação de 3 para 8 anos para os menores que cometem crimes. A proposta foi feita após o assassinato do estudante da Faculdade Casper Líbero, Victor Hugo Deppman, o que movimentou a opinião pública a respeito da redução da maioridade penal. Em pesquisa recente realizada pelo Ibope, 93% dos paulistanos manifestaram-se a favor da diminuição.

Para Ariel de Castro Alves, especialista em Políticas de Segurança Pública, que já foi membro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e faz parte do Movimento Nacional de Direitos Humanos, é preocupante que legislações sejam impulsionadas pela emoção e pela revolta. “Cabe ao Congresso Nacional criar uma Comissão Especial formada por especialistas na área da infância e juventude para realizar essa revisão sobre o tempo de internação. Entendo, pessoalmente, ser uma discussão pertinente, mas deve ser multidisciplinar”, diz o especialista. Entretanto, ele faz a ressalva de que os 8 anos propostos podem ser considerados inconstitucionais, pois a Constituição Federal prevê a “brevidade” da medida de internação.

Já para Thales Cezar de Oliveira, promotor de justiça e professor universitário, a proposta definitivamente não é uma boa opção: “É feita por pessoas que não conhecem a Fundação Casa a fundo”. Ele argumenta que hoje há cerca de 9 mil adolescentes internados na fundação com medidas de até 3 anos, que ficam de 6 meses a um ano e meio no local. Com a pena máxima de 8 anos, o tempo de permanência na Fundação aumentaria para três anos, o que em 5 anos geraria uma população de 27 mil adolescentes internados. “Isso vai transformá-la num novo sistema prisional”, diz.

Diferentes opiniões

Thales posiciona-se a favor da redução da maioridade penal para os 16 anos. Ele acredita que esta não é a solução para o problema da violência, mas defende que é uma ação emergencial necessária para que se possa desenvolver uma reestruturação da sociedade através do investimento em políticas públicas primárias. De acordo com ele, é com 16 anos que os menores começam a cometer crimes mais graves como estupros, latrocínios e homicídios. Ele percebe, em seus atendimentos no Fórum, que eswwses menores têm consciência do ato que praticaram e da proteção que o ECA lhes dá. “A primeira coisa que eles falam é aquela frase célebre: Sou de menor”, comenta.

Essa posição é corroborada pelo também promotor Cláudio da Silva Leiria, que comentou a aprovação da população pela redução: “O principal motivo pelo qual a sociedade apoia a redução da maioridade penal é porque está cansada de ser vítima de ilícitos praticados por adolescentes, os quais se escudam na debilidade e frouxidão da legislação menorista”. Cláudio também destacou a mudança dos jovens de 16 a 18 anos nas últimas décadas, o que justificaria a alteração da lei: “O jovem de hoje tem acesso à informação, a direitos e a contatos sociais como nunca se viu na história da humanidade. Não se pode mais sustentar, portanto, que não tenha condições de responder penalmente por seus atos”, comentou o promotor, acrescentando que as condições de vida não podem servir como desculpa para esses jovens. “É certo que o meio influencia, mas não podemos ter a visão determinista de que será o meio, sempre e de forma absoluta, que moldará o caráter e a vontade do indivíduo”, afirma.

No sentido oposto, Ariel acredita que a redução da maioridade penal só geraria o aumento da violência. Ele aponta que a reincidência no Sistema Prisional Brasileiro, conforme dados oficiais do Ministério da Justiça, é de 60% e que no sistema de internação de adolescentes ela é estimada em 30%. Além disso, na Fundação Casa de São Paulo, os índices são, atualmente, 13,5%.

Análise de dados da Fundação Casa

Ariel deixa claro que o índice de reincidência da Fundação Casa não leva em conta os jovens que completam 18 e vão para as cadeias pela pratica de novos crimes, o que é um dos argumentos do promotor Thales para questionar estes dados, acrescentando que também não são computados na estatística os adolescentes que não reincidem porque morrem durante o cumprimento das medidas de meio aberto.

Esse não é o único dado que chama a atenção entre os números da Fundação Casa. A descentralização dos internos é outra medida tomada nos últimos anos, concentrando os jovens nas unidades do Interior e do Litoral. Para Roberto Silva, ex-interno da Febem e professor da Faculdade de Educação da USP, essa medida pode trazer problemas ao levar adolescentes para longe de suas famílias e busca melhorar os índices de violência na capital. “Isso influencia no preço dos seguros dos carros, na arquitetura das casas, na indústria da segurança, causa um impacto econômico. São Paulo é uma das cidades mais caras do país e boa parte desse sobrepreço é por causa da sensação de violência”.

Roberto também destacou o papel da imprensa na formação dessa imagem violenta por explorar casos isolados e não demonstrar o panorama geral desses jovens. “A grande mídia deveria divulgar também que a taxa de homicídios e latrocínios é insignificante e que o trabalho através de medidas socioeducativas vem sendo efetivo e está diminuindo a reincidência”, afirmou o pedagogo.

Ressocialização dos menores infratores

Ariel acredita que se o Estatuto da Criança e do Adolescente fosse cumprido, sequer haveria adolescentes infratores. Além disso, ele lembra que os adolescentes são responsabilizados, não com penas, mas com medidas sócio-educativas. “Eles não ficam impunes, vão cumprir penalidades que visam mais a ressocialização e a reeducação do que a punição. Ao invés de mudar a lei, temos que cumpri-la!”, conta.

Thales discorda da eficiência da legislação dizendo que o ECA tem punições condizentes, quando se fala de furto, por exemplo, mas não em casos como os de homicídio ou estupro, para estes crimes, o promotor afirma: “Não têm penas condizentes com o mal causado para a sociedade. Mata-se uma pessoa com a consciência de que se vai passar 6 meses numa Fundação Casa.”

Para o promotor Cláudio, medidas do governo para garantir os direitos desses jovens seriam eficientes na redução da criminalidade, mas apenas a longo prazo. “Não ignoro que uma parcela da delinquência juvenil seja causada por falta de políticas públicas na área da infância e da juventude. Só que a sociedade não pode esperar décadas até que sejam implementadas as políticas que o pais necessita”, afirma o promotor, que completa: “Nesse intervalo – de muitas décadas – a sociedade pacata e ordeira precisa de proteção contra os menores delinquentes.”Thales concorda que a melhor prevenção é através do investimento do Poder Público nas áreas de educação, saúde e moradia, e acrescenta o investimento na profissionalização destes jovens”.

dados do último boletim estatístico da Fundação Casa. Atualizado em abril de 2013. Infográfico: Marcelo Marchetti e Luiza Guerra
dados do último boletim estatístico da Fundação Casa. Atualizado em abril de 2013. Infográfico: Marcelo Marchetti e Luiza Guerra