Auxiliar de limpeza acusado de furto é agredido em festa da Poli

Durante a festa CAM Rodeo Festival , realizada pelo Centro Acadêmico Mecânica e Mecatrônica (CAM) da Escola Politécnica no dia 3 de maio, um dos contratados para realizar o serviço de limpeza foi agredido por seguranças do evento. O funcionário foi acusado de roubar uma bolsa que continha três celulares e R$ 180,00.

José Silva*, chefe da equipe de limpeza na qual estava trabalhando João Alves*, o acusado de furto, relata que ao chegarem na festa foi solicitado que seu pessoal ajudasse também nas barracas de bebidas. Silva se prontificou a ajudar enquanto o resto da equipe continuou trabalhando com a limpeza. “Fiquei servindo bebidas enquanto o resto do pessoal trabalhava recolhendo latinhas. Deixamos nossas bolsas amontoadas ao pé de uma árvore, sem nenhum segurança por perto, porque só tínhamos levado o material que compramos com nosso dinheiro”.

Por volta das quatro e meia da manhã, Silva foi chamado por um dos seguranças. “Foi quando eu vi o João com o olho roxo, com a boca cheia de sangue e as costelas machucadas. Perguntei o que tinha acontecido e me disseram que ele tinha roubado alguém. Eu perguntava como o João tinha ficado  aquele jeito e os seguranças desconversavam, repetindo que ele tinha roubado. Daí me contaram a história do roubo”.

De acordo com os seguranças, atesta Silva, por volta das três horas da manhã Alves estava saindo da festa com sua bolsa. Desconfiados do funcionário, que deixava o local antes do final da festa, os seguranças o abordaram e revistaram, encontrando com Alves a bolsa roubada, sem os celulares e o dinheiro. “O que não entendi foi por que não me chamaram na hora, juntamente com o chefe dos seguranças e com os organizadores da festa para averiguarmos o que tinha acontecido. João foi acusado de roubo às 3h e eu, que era o responsável por ele, só fiquei sabendo às 4h30 e ainda o encontrei todo machucado”.

Antes de Silva ser avisado, os seguranças já haviam acionado a polícia. Ao chegar na delegacia todos foram dispensados e Alves ficou detido. “Voltamos para a festa para terminar nosso serviço”, conta. A equipe foi instruída a se retirar e teve que abandonar todo o material de limpeza que trouxera. Segundo o Centro Acadêmico de História (Cahis), João ficou preso durante dias até que alguns centros acadêmicos da FFLCH pagassem sua fiança.

Osvaldo do Nascimento* trabalha vendendo cerveja em festas da USP, estava presente no evento e revela que viu João sendo conduzido pelos seguranças para um corredor vazio. “Vi os homens levando [João] para atrás do prédio. Encheram ele de porrada. Se ele roubou alguma coisa mesmo eu não sei, mas isso não se faz”.

Membros do CAM alegam que estão averiguando o acontecido. “O que a gente ficou sabendo é que teve uma pessoa que foi roubada na festa e foi procurar o pessoal da segurança, que a gente contrata para o evento. Eles acharam alguém que batia com a descrição feita pela pessoa roubada e a encaminharam para a delegacia, porque ela estava com a bolsa da vítima. Sabemos que a bolsa foi devolvida e que o boletim de ocorrência foi feito”, diz Renato Jácomo. Marcus Pavani, também membro do CAM, explica que o serviço de segurança da festa é terceirizado: “Contratamos 137 seguranças. Solicitamos uma quantidade de seguranças para a empresa e eles nos mandam as pessoas, não as conhecemos”. Renato afirma que a entidade repudia qualquer tipo de agressão e preconceito.

Para o Cahis, o acontecimento é claramente um caso de racismo, já que João Alves é negro e morador da comunidade São Remo. “Segundo os relatos, não existe comprovação nenhuma de que ele tenha de fato roubado a bolsa. Mas, para além disso, nada justifica a agressão que sofreu. Consideramos que isso ocorreu pois ele é negro, e o racismo continua bastante forte, criminalizando e oprimindo negros dentro e fora da Universidade”. O Caell (Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários “Oswald de Andrade”) afirma a mesma posição: “Existe um lado dessa história que não possui voz e justamente por conhecer o funcionamento da justiça no país, é preciso cuidar até para que, mesmo no caso de eventualmente ser culpado, ele não receba uma punição desmedida”.

O boletim de ocorrência foi registrado e o caso está sendo investigado. João Alves, que trabalha como limpador de vidros no Centro Tecnológico da Marinha do Brasil em São Paulo, dentro da USP, prefere não se pronunciar enquanto o processo estiver em andamento.

*Nomes fictícios para preservar a identidade das fontes