Cinco dias de festa, música e reconstrução

Textos e fotos: Luiz Felipe Guimarães, Gabriel Grilo, Luiza Guerra e Marcelo Marchetti.
Público acompanha show da banda Guido durante reconstrução do CANiL_
Público acompanha show da banda Guido durante reconstrução do CANiL_

O Festival do Cão – uma odisséia pelos espaços, realizado na semana dos dias 3 a 7 de junho, contou com a participação da comunidade universitária e foi organizado por livre iniciativa de estudantes de diferentes faculdades. O evento foi pensado como homenagem ao aniversário de 7 anos do CANiL_ e reação à demolição do seu espaço físico.

O festival teve sua abertura na segunda-feira com apresentação da cantora Anna Dulce ao meio-dia, no espaço Ágora, localizado em frente ao restaurante central da USP. Na terça feira à noite, a programação contou com a roda de choro “Chora Rodas”, no palco do Lago, próximo ao prédio da Geologia. O local recebeu decoração especial para a ocasião, com tochas e luzes. Felipe Marcel, estudante de Ciências Sociais presente no evento, comentou sobre a importância de iniciativas como essa: “acho que a cultura é um dos fatores mais importantes nesse ambiente universitário, por isso os eventos que incentivam isso são fundamentais”.

As atividades de quarta-feira aconteceram na FFLCH. Além de uma intervenção teatral pela manhã, no prédio da Letras, foram exibidos curtas metragens durante o Cine Debate, realizado as 18h no Espaço Verde, no prédio de Filosofia e Ciências Sociais. Foram projetados vídeos sobre a ocupação de espaços estudantis e as manifestações contra a repressão da reitoria em momentos da história recente da USP. Produzidos por alunos da universidade, retratavam a tomada do CANiL_ pelos estudantes em 2006, a luta pelo espaço do porão da FFLCH em 2007 e vídeos sobre as manifestações de 2009 e 2011.

“Para quem é de fora pode parecer um ‘mimimi’ dos estudantes, mas mesmo eu que acompanhei a greve de 2011 estou surpreso pelas imagens que vi”, afirmou Mário*, aluno da FAU presente na atividade. Carlos*, um dos organizadores do evento, aprovou o resultado da iniciativa: “alguns dos vídeos que foram exibidos estavam perdidos e conseguimos resgatar. Não tínhamos muita expectativa de público, mas gostei do numero de pessoas que vieram.”

O Barra_Cão, uma das atividades do Festival, ocupou a área dos antigos barracões demolidos, próxima à antiga vivência da FEA, durante a tarde de quinta-feira. Entre escombros, lama e fitas coloridas, fizeram uma programação típica brasileira, com futebol e churrasco. A parte musical da tarde foi aberta por Wilson do Cavaquinho. O cantor e compositor contou que sempre teve carência de oportunidades e ressaltou a necessidade de um maior diálogo. “Já passou da hora de estudantes, funcionários da USP e a reitoria conversarem a mesma ‘linguagem’, com o objetivo de construir uma coisa positiva”.

Reconstrução
A estrutura geodésica após montagem
A estrutura geodésica após montagem

A reconstrução do CANiL_, vista pelos organizadores como a atividade mais importante da semana, abriu a noite de quinta-feira, na Prainha da ECA. Com a geodésica (estrutura arquitetônica de aço) montada durante a tarde, estudantes de diversas faculdades trabalharam em conjunto durante toda a noite, cavando e preparando o cimento para a construção de um piso de concreto de aproximadamente cinco metros de diâmetro. “Foi um trabalho coletivo, em que se revezaram cerca de 100 pessoas”, disse um dos organizadores. Viaturas da PPUSP acompanharam a obra à distância, estacionadas próximas ao local. Geraldo* , um aluno da Poli que observava a construção, se declarou contrário aos métodos utilizados. “Quando eu era membro do centro acadêmico da Poli, construíamos várias coisas de forma legal. Não entendo por que não podem dialogar com a Reitoria”

Alunos preparam espaço a ser cimentado
Alunos preparam espaço a ser cimentado

Para acompanhar as obras, foram realizadas apresentações musicais no local, com bandas, maracatu e uma pista de discotecagem. O primeiro show foi da banda Guido, presente também na edição do ano passado, seguido do Maracatu Coro de Carcarás, que fez uma apresentação com cantos, maquiagem e uso de fogos de artifício.

Outra atração da noite foi a Banda do CANiL_.Zé, baterista do grupo, que ingressou na USP em 2004, disse que acompanhou toda a história do espaço: “vi o CANiL_ nascer, viver e morrer, vi fases de muito movimento, havia reuniões semanalmente, organizavam oficinas e até um manifesto. Hoje vimos um monte de gente nova que captou o espírito do espaço”. O evento prosseguiu com o grupo 3 Cruzeiros, seguido por Mel Azul. Jimi Hendrix Cover finalizou as apresentações da noite.

O festival se encerrou na sexta feira, com mais apresentações musicais na Prainha. Diferente de quinta-feira, não havia viaturas da PPUSP acompanhando as atividades, que contaram com menor público. Os shows foram até as 6 da manhã, com o festival sendo encerrado com a banda carioca Dorgas.

* Nomes fictícios

Especialista defende incentivo a atividades culturais

A cultura é um direito garantido pela Constituição brasileira, em seu artigo 215, que, além disso, declara o compromisso do Estado em incentivar e valorizar as manifestações culturais. Atualmente na USP, existem casos de união entre grupos e associações estudantis para fomentar esse tipo de atividade e o exemplo mais recente é o Festival do Cão, que contou com a colaboração de estudantes de diferentes cursos da USP.

Para Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira, professora do Departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA, essa união é positiva: “inúmeras experiências ao redor do mundo demonstram como indivíduos têm tecido redes coletivas de ação e intervenção nas cidades”.

Em seu artigo “Ação e experimentação: o caso da Fundação Casa Grande”, na publicação “Políticas Culturais em Revista”, a professora fala sobre a importância da cultura: “Nesses tempos de diversidade, aproximações, dinamismo e intercâmbios, é a cultura que pode funcionar como força aglutinadora a permitir que indivíduos construam projetos coletivos”. Lúcia ainda destaca que é fundamental a sociedade estar presente na organização de tais projetos. “As políticas culturais de proximidade com participação ativa da sociedade civil são a forma possível para pensar essas políticas hoje”, completou.

A professora também comentou a interação das esferas de indivíduos, associações, instituições privadas e o poder público, destacando a importância de se manter a autonomia da iniciativa. “Autogestão e cogestão são idéias essenciais para pensar a relação entre essas esferas. A manutenção da autonomia de projetos surgidos para responder aos desejos e necessidades de um determinado grupo, não pode ser ameaçada pela parceria com agentes diversos”, disse.