O que é extensão e qual seu peso hoje na USP?

Idealmente, as universidades públicas devem operar relacionando ensino, pesquisa e extensão, de forma igualitária. Na USP, o pilar da extensão tem sua definição e peso constantemente questionados por quem a pratica. Professores e alunos discutem o modelo vigente.

Para cumprir o papel que o artigo 207 da Constituição Federal de 1988 prescreve, as universidades públicas devem atender igualmente a três preceitos: ensino, pesquisa e extensão. Na USP, o ensino e a pesquisa se encontram constantemente sob as atenções da sociedade, como no último ranking da QS University, que a coloca em primeiro lugar dentre as instituições latino-americanas. A extensão, por outro lado, acaba afastada das discussões.

O peso atual na USP

“A Universidade de São Paulo tem uma tradição em pesquisa”, afirma Paulo Diaz Rocha, doutor em biologia e funcionário da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP), projeto de extensão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão (PRCEU). Para ele, essa não é uma ação negativa, porém peca pelo excesso em ciências que não têm necessariamente uma aplicabilidade. “Vejo como uma falha, porque se aprende muito com extensão, inclusive por ser um ensino fora da sala de aula, em contato com a realidade”.
Esse contato teve impacto enorme na vida de Tomás Marques, que fez Marketing na EACH e agora está na pós-graduação. Marques participou da criação, em 2007, do Laboratório de Extensão (Labex), que caracteriza como “um grupo de estudantes que se entendem como protagonistas de suas ações, e acreditam num modelo diferente de universidade”. A experiência, segundo ele, foi “de longe” a coisa mais importante que fez em sua graduação. “Nós somos culturalmente ensinados a desvalorizar o que está fora da universidade”, critica, quando em sua experiência o mundo de fora da academia se mostrou tão cheio de conhecimento quanto o que os professores apresentavam. “Comecei a enxergar a sala de aula com outros olhos, a me entender como um sujeito e um ser pensante”, conta. Foi na extensão que ele percebeu seu dever como cidadão universitário, em adição ao sentimento meritocrático de direito que o calouro tem ao entrar na universidade.

Definindo o termo

Um problema central que envolve a extensão universitária é definir onde ela começa e onde termina. Segundo a professora Deisy Ventura, que participa do projeto Educar Para o Mundo, do IRI, “mais do que promover iniciativas pontuais de integração da universidade com a sociedade, a extensão universitária é, ou deveria ser, a interface de produção de novos saberes”. Saberes estes “conectados com o real, um real que é multi e transdisciplinar, incerto e complexo”.

O Pró-Reitor de Extensão da USP, José Ricardo Ayres, tem uma definição parecida. “A extensão é um espaço de trocas mais imediatas entre a sociedade e a universidade. Na verdade todos os aspectos da atividade acadêmica o são – a pesquisa, a graduação, a pós-graduação. Em todos eles a sociedade investe recursos de diversas ordens para que retornem a ela produtos científicos, tecnológicos, profissionais, educadores e pesquisadores segundo suas necessidades. No entanto, na área da extensão esta comunicação é mais imediata.”, diz o Pró-Reitor.

Para alguns estudantes que praticam a extensão, no entanto, falta comunicação. Tomás Marques acredita que a concepção da USP ainda é muito atrasada. “O que se pratica muito na USP é colocar em extensão o que não se encaixa em ensino e pesquisa”, aponta. Esse hábito, explica Deisy, “revela uma incompreensão bem mais profunda do eventual descompromisso com as demandas sociais ou o possível hermetismo em relação aos saberes não-acadêmicos”.

A própria organização da USP, que coloca a extensão ao lado de cultura em uma só Pró-Reitoria, é alvo de críticas. “Eventos culturais abertos são da Universidade pra sociedade, mas não há um caminho inverso. A sociedade é mero telespectador”, pondera Marques. Ele defende que a extensão se concretize, de alguma forma, como um caminho de diálogo entre o conhecimento científico e o popular. “Dialogar significa que ambas as partes saiam entendidas, que ambas levem alguma coisa disso”, afirma. A filosofia é a mesma que a implantada na ITCP. “Queremos romper essa ideia do apenas cultural e assistencial, e criar essa relação dialógica, freiriana [do educador Paulo Freire], contribuindo para o desenvolvimento local” conta Paulo Rocha.

Extensão e cultura

O Pró-Reitor admite que o compartilhamento de uma mesma Pró-Reitoria entre cultura e extensão pode causar desníveis de visibilidade, mas deixa claro que isso não se reflete nos investimentos garantidos a cada uma das partes. “Poderíamos dizer que há um privilégio do pilar cultura, se considerarmos que a maior parte das atividades culturais promovidas pela USP são produzidas por órgãos ligados à Pró-Reitoria. Já a maioria das atividades extensionistas, mesmo quando apoiadas pela PRCEU, parte das próprias Unidades de Ensino e Pesquisa. Por outro lado, se considerarmos o atendimento às demandas por apoio e recursos, vindas de todos os órgãos e unidades, aí não há privilégios. Todos são avaliados quanto a seus méritos e relevância em suas respectivas áreas e naturezas, recebendo as boas propostas, sejam de cultura ou extensão, todo o apoio possível.”

A polêmica das bolsas

Uma das formas de apoio encontradas pela Universidade é a de dar uma bolsa para os estudantes que participarem de um projeto de extensão. O que pode ir contra a ideia de que a extensão seria um retorno do aluno à sociedade, uma vez que esta já financia seus estudos. “Na minha concepção, se você está numa universidade pública, a sociedade está pagando para você estar aqui. Além de estar aprendendo algum conteúdo, você devia estar fazendo algum trabalho para a sociedade, o seu bairro, a sua comunidade”, comenta Tomás. Seu ideal é de que o trabalho seja voluntário. Ainda assim, ele reconhece os benefícios da bolsa.

Para Lorena Pássaro, estudante de Terapia Ocupacional e bolsista pela PRCEU na rede Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação (SACI) da USP, a bolsa não deturpa o conceito de extensão, e pode ser benéfica para os estudantes com dificuldades financeiras. “Estudar de graça é um investimento que todo cidadão deve ter, por direito, realizando serviço pra sociedade ou não, até porque quando eu me formar, estarei pagando pelo ensino que recebi. É importante o retorno de capital, pois aproveito o dinheiro pra investir na minha carreira como profissional.”

Essa visão é compartilhada com a Pró-Reitoria. “As bolsas são componente fundamental da política de permanência que a USP vem aprimorando ao longo dos anos. Os candidatos a bolsas do Aprender com Cultura e Extensão passam por uma avaliação socioeconômica do COSEAS e ter maior necessidade de apoio financeiro é critério privilegiado para a concessão de bolsas, embora não seja o único. E sabemos o quanto é fundamental essa bolsa para que os alunos de condições socioeconômicas mais frágeis possam se dedicar à sua formação universitária, situação que tenderá a se tornar tão mais relevante quanto mais conseguirmos fazer avançar os programas de inclusão social e racial na USP”, afirma José Ricardo Ayres.

Uma troca

Seja de dentro para fora ou vice-versa – de preferência, os dois -, é consenso que a extensão exerce um importante papel social. “A universidade tem que entender que fora dos muros existe um conhecimento. Existe uma população que tem outra linguagem. E essa população tem que entender que na universidade existe um espaço para eles, onde a linguagem também é diferente. Temos que discutir os caminhos para essas linguagens convergirem”, diz Marques.

O peso dado para a extensão está relacionado à própria compreensão sobre a função da USP, articula Deisy. “Uma universidade realmente importante para a sociedade e para o Estado teria na extensão o pilar mais importante do tripé”, defende a professora.