USP propõe bônus para pretos, pardos e indígenas

Especialistas criticam aspectos da proposta, como o benefício de 5% para esse grupo e a criação de um curso pré-vestibular oferecido pela Universidade

A Pró-Reitoria de Graduação encaminhou neste mês às unidades da USP uma proposta que prevê bônus de 5% na nota do vestibular para estudantes da rede pública que se declaram pretos, pardos ou indígenas. Os benefícios acumulados podem chegar a 25% se os alunos participarem do Programa de Avaliação Seriada da USP (Pasusp).

A proposta também inclui um aumento do bônus para os demais estudantes de escolas públicas, um aperfeiçoamento do programa Embaixadores da USP e um aumento no número de locais de aplicação de provas da Fuvest. Apesar dos avanços, o prazo para alcançar as metas foi alterado do ano de 2016 para 2018.

A iniciativa rejeita o Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista (Pimesp), proposto pelo governador Geraldo Alckmin, que previa a criação de um curso intermediário e semipresencial de dois anos para estudantes do ensino médio público. Além disso, também sugere a criação de um cursinho pré-vestibular oferecido pela USP, em que os beneficiados receberiam uma bolsa no valor de R$ 300.

A porcentagem do bônus, entretanto, é contestada pela professora Rosangela Malachias, do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro (Neinb) da USP. Para ela, o número não se refere ao contingente populacional de negros do estado de São Paulo, mas supera o número de indígenas. “Quem foram os responsáveis pelo estudo que deu origem a esta proposta? São eles especialistas no tema ou estão interessados em prorrogar ainda mais a democratização da universidade para o acesso de alunos da escola pública?”, questiona. Para ela, a USP precisa se abrir para a população que paga os impostos e o debate deve ser divulgado. “A população precisa saber como e por que porcentagens e critérios de inclusão foram definidos”.

A opinião é compartilhada pelo professor Alessandro Soares da Silva, do curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH. Segundo ele, o projeto não foi discutido com a comunidade. “Nós ficamos sabemos da proposta pela imprensa, a comunidade universitária não foi consultada e a decisão foi imposta de cima para baixo. Não temos uma universidade realmente democrática ou inclusiva. Essa medida é paliativa, vai ajudar algumas pessoas, mas não garante condições iguais para alunos de classes sociais diferentes”, afirma.

Silva defende que a USP adote uma política de cotas mais radical, nos moldes do governo federal, que pretende reservar 50% das vagas para estudantes de escolas públicas. “O sistema de cotas funciona bem quando engloba reserva de vagas. É preciso pensar que a população negra sustentou o Brasil por mais de 400 anos, mas sempre se manteve à margem da sociedade. O bônus é uma medida importante, mas ainda é muito rasa e conservadora”, diz.

Ainda assim, o professor reconhece os avanços do bônus e do cursinho propostos em relação ao modelo estadual. “O Pimesp é um desrespeito ao cidadão e não garante as vagas, já que a decisão vem das unidades”, aponta. No entanto, ele contesta o valor de R$ 300 oferecido como bolsa para os estudantes do cursinho. “O cursinho será benéfico para moradores das proximidades da USP. Para estudantes que vem de longe, é improvável que esse valor seja útil. Falta muito para a universidade chegar a uma política estrutural efetiva”, completa.

Ao contrário dos defensores das cotas, há aqueles que acreditam que ações afirmativas têm impacto negativo no nível da universidade. A direção da faculdade de Medicina, por exemplo, foi contrária ao Pimesp por acreditar que as cotas diminuiriam a qualidade dos alunos selecionados. Já para a professora Rosangela, “o sistema de cotas mudará significativamente o perfil do alunato dos cursos considerados elitistas, o que contribuirá para aumentar a diversidade étnica e cultural da universidade”.

Na opinião da cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida, diretora do Instituto de Relações Internacionais, o impacto desse bônus só poderá ser avaliado adequadamente daqui a alguns anos. “A medida é, sem dúvida, um passo histórico em nossa universidade, que é muito branca. Estamos começando a mudar essa situação”, destaca a pesquisadora.

A pró-reitora de graduação, Telma Zorn, não quis se manifestar a respeito. Segundo ela, as posições das unidades serão consolidadas e discutidas nos Conselhos de Graduação, para em seguida ir ao Conselho Universitário.