Marilena Chauí compartilha momentos de sua história

Uma das maiores intelectuais do país, segue com o sonho de um Brasil cada vez mais justo. (Foto: Luiza Guerra)

No momento em que jovens de todo o país saem às ruas para exigirem seus direitos, destacamos um nome dentro do contexto acadêmico da USP que tem ampla experiência no assunto, Marilena Chauí.

Uma das filósofas mais respeitadas do Brasil – e há quem diga do mundo – é atualmente professora titular do Departamento de Filosofia da USP. Também é membro fundador da Comissão Teotônio Vilela de Defesa de Direitos, além de ter sido Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo de 1989 a 1992, durante o governo de Luiza Erundina.

Embora tenha nascido na grande São Paulo, ainda bem pequena mudou-se para a singela Pindorama, no interior do estado. Foi lá onde estabeleceu suas primeiras e definitivas amizades. Por isso, quando a questionam sua origem, sempre responde que veio de Pindorama.

Na cidadezinha, cresceu em uma casa repleta de livros, desde romances e poesia até sociologia, história e crítica social. Com mãe professora e pai jornalista, seria difícil escapar dos encantos das ciências humanas. “Julguei que a filosofia abarcaria todas as outras disciplinas que eu desejava cursar e por isso me decidi por ela”.

Sua escolha também teve influência das aulas de filosofia do professor João Villalobos, no Colégio Estadual Presidente Roosevelt. “Fiquei fascinada com a descoberta de que o pensamento podia pensar sobre si mesmo e que a linguagem podia falar sobre si mesma, ou seja, fiquei maravilhada com o trabalho da reflexão e da crítica”, conta.

Marilena, então, seguiu para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Rua Maria Antônia, onde vivenciou períodos de grande tensão. Foram os tempos da ditadura no Brasil e assim como seus colegas, teria que buscar, de alguma forma, uma mudança nessa situação.

“Vivíamos sob o terror de Estado: éramos vigiados nas ruas, em casa e nas salas de aula por agentes de segurança disfarçados de estudantes; todo dia, colegas e alunos desapareciam sem explicação e a gente não sabia se tinham ido para o exílio, se estavam presos ou se tinham sido mortos”, recorda.

Além disso, Marilena lembra que havia delação interna por parte de professores, estudantes e funcionários de extrema direita. Então tiveram que desenvolver alguma forma de sobrevivência. Ela, junto a outros contemporâneos, passou a promover cursos e seminários, que contavam com a presença de professores estrangeiros que se solidarizavam com a situação, como Jean Pierre Vernant, François Châtelet e Michel Foucault, que passaram a fazer visitas regulares ao país.

Outra de suas lembranças da época é datada de 1976, durante um grande congresso nacional. Trata-se de um comentário tecido pelo historiador Arno Mayer, que deixa claro em que situação os acadêmicos estavam submetidos. “Os brasileiros debatem questões econômicas, sociais, políticas e se entendem, mas falam uma linguagem que ninguém entende, só eles!”. De fato, haviam desenvolvido um sistema próprio de linguagem cifrada, sem perceberem e que somente eles mesmos entendiam.

“Paro por aqui porque eu teria mil histórias para contar… Você sabe, vendo, nestes dias, as manifestações dos jovens pelo país, eu me perguntei se eles têm noção das lutas, das vidas e do sangue que foram necessários para isso. Eu fiquei me perguntando se eles avaliam o preço que pagamos por essa liberdade e que ela é o que temos de mais precioso”. Bem, caso essas novas gerações não saibam, Marilena, fica registrada aqui uma pequena parte da sua história de luta pela democracia.