Para especialistas, protestos mostram desconfiança na política

As passeatas que ocorreram no país no último mês, reivindicando a revogação do aumento da tarifa do transporte, cresceram após receber o apoio de grande parte da mídia e da população. Assim, passaram a incluir outras demandas, como o fim da corrupção e melhorias em áreas como saúde e educação. Grandes movimentações populares não aconteciam no país desde o movimento estudantil intitulado “Caras pintadas”, que tinha como objetivo o impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo, em 1992.

Não é simples entender porque exatamente agora esses movimentos tomaram força. Para José Álvaro Moisés, diretor científico do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP e professor da FFLCH, “é difícil falar dos protestos de uma maneira objetiva porque eles conjugaram vários fatores ao mesmo tempo, desde o risco da inflação até as inúmeras denúncias sobre corrupção”. Segundo ele, há uma opinião pública mais exigente, que cobra critério dos governantes.

Segundo Elizabeth Balbachevsky, professora do Departamento de Ciência Política da FFLCH, as manifestações têm evidenciado um lado novo da população. “Elas mostram uma faceta ainda pouco conhecida, que é a capacidade da opinião pública de reagir à crescente fragilização das instituições de representação e impor limites ao comportamento apático das lideranças políticas”.

Crise democrática

Para o professor Moisés, “estamos enfrentando um grande mal estar com a democracia brasileira, o que não significa que não temos democracia e nem que não houve avanços significativos desde que a democracia se estabeleceu”. Ele acredita que isso tem a ver com os modos de funcionamento do sistema democrático e as mudanças no modo de agir da sociedade.  “Os contingentes que ingressaram na educação e no mercado de trabalho estão, em um certo sentido, demandando mais do funcionamento do sistema”.

Para Elizabeth, a onda de protestos sinaliza um descontentamento latente com as instituições políticas. Os movimentos sociais foram enfraquecidos e as alianças políticas tem sido realizadas desconsiderando o passado histórico dos partidos. “As manifestações representam um desgaste profundo dos partidos e do sistema de representação. As estratégias de cooptação e de construção de maiorias governativas foram levadas longe demais e acabaram por desgastar o próprio tecido de conexão entre essas instâncias e a população como um todo”.

Pesquisas de cultura política já vinham mostrando o descontentamento da população com os partidos políticos, como garante o professor Moisés. “Nas pesquisas que eu venho conduzindo, desde meados dos anos 80, todos os indicadores são de uma apreciação muito negativa dos partidos politicos. Há um nivel de desconfiança muito alto, as pessoas não se sentem representadas”. Segundo ele, as pesquisas apontam que a população julga que a maioria dos partidos age em prol de seus próprios membros e não da população em geral.

Diversidade de pautas

Primeiramente motivados pela revogação da tarifa dos transportes, os protestos começaram a apresentar diversas demandas. Na visão de Elizabeth, a questão da tarifa teria sido o ponto inicial da insatisfação, mas questão da violência policial, por exemplo, pode ter funcionado como um catalisador.

É importante avaliar até que ponto essa diversidade de demandas prejudicou a força do movimento. “A questão é saber se os governos foram capazes de reconhecer a mensagem. Dependendo da qualidade da resposta, a decepção pode alimentar a possibilidade de que a experiência se repita no futuro”, explica.

Moisés também acredita que a geração da maioria dos participantes influenciou nessa questão. “Essas pessoas nasceram na democracia e como a democracia faz uma série de promessas, elas estão cobrando isso”. O professor vê essa ação positivamente. “Ressalto ainda o componente novo da interconectividade. A comunicação entre os manifestantes e a difusão de suas reivindicações foram realizadas de maneira muito ágil”.

Ação policial

Em São Paulo, no dia 13 de junho, houve uma das mais fortes repressões policiais da série de protestos pelo país. Um dos fatos mais simbólicos de violência foi quando Giuliana Vallone, repórter do jornal Folha de S.Paulo, recebeu um tiro de borracha no olho. Na manifestação seguinte, a quantidade de pessoas que foi a rua cresceu de forma substancial.

Leandro Batista, professor de propaganda ideológica da ECA, acredita que a repercussão da violência na internet contribuiu para o fato. “Deve ser considerado que uma resposta à violência sofrida na primeira manifestação alimentou ainda mais a discussão nas mídias sociais e uma resposta precisava ser dada”. Segundo ele, um fator que explicaria o aumento da participação na manifestação seguinte seria o fato de as pessoas se sentirem confortáveis, já que “seu ponto de vista era dominante e, portanto, mais confortável de ser defendido”.

Para Elizabeth, é necesário lembrar que a polícia é um instrumento do Estado. “Ela foi um instrumento da vontade política das autoridades, atuou quando foi chamada e respondeu aos parâmetros colocados pelas autoridades: reprimiu quando foi ordenado que o fizesse e se omitiu quando assim foi exigido”. Segundo ela, toda a responsabilidade das ações policiais recaem sobre os governantes.

Em sua opinião, a revogação da tarifa em diversas cidades foi uma resposta estratégica, porém fraca. Além dessa conquista, a onda de manifestações pode deixar outro legado. “O principal avanço é sinalizar qual o limite de tolerância da cidadania . Daqui pra frente políticos e governos vão ter mais cuidado com seus atos e palavras”.