A paquera está de luto

Quando decidiu se aposentar, no início deste ano, o professor Ailton Amélio da Silva deixou mais do que disciplinas, projetos de pesquisa e uma placa com seu nome na porta de uma sala do Instituto de Psicologia. Centenas de estudantes e de casais formados graças a suas aulas amanheceram órfãos ao ver que, pela primeira vez em 15 anos, a optativa do pesquisador não tinha aberto vagas.

Oferecida no segundo semestre desde 1998, “Relacionamento Amoroso: Teoria e Pesquisa” era uma das disciplinas mais concorridas da universidade. Todos os anos, alunos tímidos que buscavam namoradas, interessados em se tornar o novo Don Juan da balada, aficionados em psicologia evolutiva e curiosos de todas as unidades se digladiavam para conseguir uma das vagas da disciplina.

As aulas não são ministradas desde o início do ano

“O curso era aberto a qualquer pessoa. Tinha hétero, homo, poliamorosos, polisexuais. E politécnicos também”, diz Ailton. Tamanho sucesso vinha dos tópicos abordados nas aulas. Enquanto grande parte das matérias da USP tratam de questões abstratas, técnicas e acadêmicas, a de relacionamentos amorosos abordava questões relacionadas à escolha de parceiro, técnicas de flerte, sexo, estabilidade do relacionamento e timidez.

“É o universo do aluno que tem 18 ou 19 anos. Em uma aula sobre relacionamentos, eles não queriam ouvir sobre casamento e separação. Tive que direcionar o programa para o flerte e o namoro.”

Para isso, Ailton exibia cenas de novelas e séries de TV como “Two and a Half Men”. “Os alunos também faziam vídeos de flerte na vida real. Eles pediam autorização para quem foi filmado e depois analisavam a cena em sala de aula, comentavam os detalhes, analisavam a linguagem corporal.”

Mas se engana quem acredita que o curso era um tutorial para conseguir o parceiro mais bonito da festa. “Relacionamento Amoroso: Teoria e Pesquisa” buscava reflexões sobre o tema e tinha leituras obrigatórias que variavam do campo da psicologia ao da sociologia, discussão de textos e parte prática. “Era bastante rígido. Tinha um lado acadêmico bem chato. Os alunos não podiam chegar atrasados, teve gente que até reprovou”, diz.

O interesse de Ailton pela área começou quando ainda era um jovem tímido. Anos mais tarde, já psicólogo, começou a se especializar e hoje é um dos maiores especialistas sobre relacionamentos e timidez. Diariamente, em seu consultório, atende pacientes com problemas para encontrar namorados, crises no casamento e casos de traição.

Foi exatamente esses casos que o pesquisador tratou na USP no fim dos anos 1990. O aluno saiu para a balada e não teve coragem de falar com a menina mais bonita? Quando finalmente tomou coragem, começou a gaguejar? Seu namorado te traiu? O relacionamento já não anda tão bem quanto antes? Todas esses problemas eram tratados no Ceta – Centro de Estudos da Timidez e do Amor.

“O projeto durou três anos. Eram meus alunos de mestrado que atendiam. A ideia era fazer o atendimento clínico das pessoas da universidade e também da comunidade. Ajudá-las a acabar com um problema. Bem diferente da proposta da optativa, que era acadêmica, teórica, reflexiva.”

Foi por causa dessa vida acadêmica que Ailton decidiu se aposentar. “Um professor como eu não tem muito espaço na USP. Por minha interdisciplinaridade e relação com a prática, acabei não escrevendo muitos artigos nem fui carreirista. Enquanto me preocupava em ter contato com pacientes, colegas subiam na carreira de docente fazendo trabalhos puramente teóricos. Sem jamais atender a nenhum cliente. Eu me sinto um pouco injustiçado. Foi um dos motivos para eu me aposentar.”

Ailton, porém, não abandonou a universidade. Sem planos de voltar às salas de aula, ele trocou os sapatos e o flerte pelos tênis de corrida. “Vou diariamente à Cidade Universitária. Mas apenas para caminhar e fazer exercício.” A paquera está de luto.