Cursinho da USP reaviva debate sobre inclusão

Projeto “piloto”, aprovado em junho, busca ampliar presença dos alunos da rede pública na universidade, porém não altera a estrutura do problema

Nos dias 8 e 9 de agosto, ocorreram as matrículas para o PPVUSP (Programa Pré-Vestibular da USP). Puderam efetuar matrícula os 1000 alunos não-ingressantes melhores colocados na Fuvest do ano passado que participaram do PASUSP (Programa de Avaliação Seriada da USP) e manifestaram interesse em ingressar no cursinho. O objetivo da iniciativa é aumentar o número de alunos da rede pública de ensino nos cursos da USP.

Nessa primeira edição, considerada piloto pelos organizadores, o curso terá duração de cerca de três meses e meio, mas a intenção, já no próximo ano, é de que o tempo total de aulas seja de dez meses.

Aos alunos, o “cursinho da USP” oferecerá aulas, ministradas pelos alunos de licenciatura de diversas áreas, orientados por um professor coordenador e um pós-graduando, conforme afirma Mauro Bertotti, professor do Instituto de Química da USP e um dos organizadores do programa.  Além disso, receberão uma ajuda de custo no valor de R$ 300,00, acesso ao bandejão e à gratuidade do bilhete de ônibus da USP.

De acordo com Sonia Vanzella Castellar, professora da Faculdade de Educação da USP e responsável pela parte pedagógica do projeto, o foco é “trabalhar com os conceitos e temas que são mais demandados pela Fuvest, pela Unicamp e pela Unesp e também um pouco com questões do tipo ENEM, que são mais interdisciplinares, pra ver interpretação de texto”.

De acordo com a organização do curso, as aulas serão oferecidas em três locais: no campus Butantã, de manhã, de tarde e à noite; na Faculdade de Saúde Pública, de tarde e à noite, e na EACH, no período vespertino. Esses três lugares foram selecionados para dar aos alunos mais opções de locais para estudar.

No entanto, segundo Bertotti, a seleção esteve sujeita também à disponibilidade de salas em cada unidade. A EACH, por exemplo, já vinha enfrentando problemas de espaço, motivo pelo qual as aulas nessa unidade só ocorrerão no período da tarde.

Por enquanto, nenhum campus do interior oferecerá o curso. “Ter no interior é importante, só que esse ano a gente não tem ‘perna’ para isso” afirma Sonia. Conforme argumenta Bertotti, “São Carlos é uma área de exatas, não tem humanas e biológicas”. Por esse motivo, será mais difícil encontrar professores para todas as disciplinas.

Impasses no acesso

A iniciativa da Pró-Reitoria de Graduação surge para complementar o Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público (Pimesp), que pretende garantir que metade das vagas em instituições paulistas de ensino superior público sejam destinadas a alunos que cursaram o ensino médio na rede pública.  Destas, 35% seriam reservadas a pretos, pardos e indígenas. Wilson Mesquita de Almeida, pós-doutorando da Faculdade de Educação da USP, vê nesse programa uma reação do governo Alckmin às medidas inclusivas propostas pela presidente Dilma para as universidades federais em 2012. “A Dilma fez a lei de cotas, e tem eleição em 2014, então o governo do Estado ficou pressionado a fazer alguma coisa também”.

Essa ação de inclusão é também uma espécie de remodelagem do Pró-Universitário, programa de 2004 da Secretaria do Estado da Educação em parceria com a USP, que selecionava 5000 alunos do terceiro ano do ensino médio público e lhes oferecia aulas preparatórias para o vestibular da Fuvest. Nesse início, o material didático do PPVUSP será baseado nas apostilas desse programa mais antigo, pois, como comenta Bertotti, “as coisas aconteceram muito em cima da hora, porque tinha que discutir o Inclusp (Programa de Inclusão Social da USP) no primeiro semestre e ele [PPVUSP] só foi aprovado no comecinho de julho pelo CO (Conselho Universitário), então a gente começou as atividades dele agora e não teve muito tempo pra preparar as coisas”.  Ele completa dizendo que, no ano que vem “a ideia é iniciar desde o começo do ano e com material preparado agora no segundo semestre”

Dificuldade de acesso

Na década de 80, 56% dos alunos vinham de escolas do Estado. Atualmente, são 28,5%, mesmo com os diversos programas de inclusão. Segundo Almeida, essa queda acentuada tem várias razões. “A informação é o primeiro nível de disputa”, afirma. Muitas vezes, os alunos da rede pública sequer sabem o que é a USP e não têm conhecimento das políticas de inclusão oferecidas.

A falta de orientação é outro entrave ao acesso. Por mais que o aluno esteja informado, ele raramente coloca a USP como uma possibilidade para seu futuro. “Ele sente que a USP ‘não é lugar pra ele’”, argumenta Almeida. Segundo ele, há uma “violência simbólica” na sociedade que o afasta da universidade pública. Essa violência é intensificada nas regiões mais periféricas, nas quais o acesso à informação é mais difícil e os professores nem sempre são adequadamente qualificados.

Além disso, o vestibular cobra conteúdos bastante avançados que os alunos da rede pública frequentemente, por conta de greves ou falta de professores, não chegam a estudar a fundo. A prova exige também uma técnica que os estudantes dessas instituições não tiveram tanta oportunidade de desenvolver, por exemplo, através de simulados, quanto alunos de colégios particulares.

Como resultado desse cenário, essas iniciativas não conseguem contemplar a parcela dos estudantes que mais necessita dessa ajuda.

Segundo Almeida, para diminuir o fosso entre o ensino público médio e superior, o principal ponto é melhorar a qualidade das escolas públicas, através de investimentos em infraestrutura e da valorização do professor. As iniciativas de inclusão também são válidas, mas precisam ser articuladas em uma política integrada para atender melhor às demandas da sociedade. Apesar de não ser essencialmente uma função da Universidade ajudar no acesso ao ensino superior público, como a melhora do ensino básico é um processo demorado, iniciativas do gênero podem ser importantes.