Sugestão de reitor levanta debate sobre democracia

Ofício publicado pelo Reitor mobilizou professores e estudantes a debater modelo de votação de cargos executivos na Universidade de São Paulo

O reitor João Grandino Rodas enviou no dia 9 de julho um ofício endereçado à direção das unidades, aos órgãos da faculdade e à sociedade paulista. A data do documento faz referência à Revolução Constitucionalista de 1932 e foi usada “não por acaso”, segundo o documento, para a proposta de “participação efetiva dos uspianos na escolha de seus dirigentes”. A data de 20 de setembro foi estabelecida como prazo para receber manifestações de  diferentes setores que compõem a Universidade de São Paulo, para posterior apreciação em 1º de outubro pelo Conselho Universitário.

O atual sistema

Luiz Nunes Oliveira representa os professores titulares no Conselho Universitário e descreve o atual modelo de eleição para Reitor, em dois turnos. No primeiro, a Assembleia Universitária (composta pelo Conselho Universitário, Conselhos Centrais e Congregações das Unidades) vota em professores titulares. Desses, escolhem-se oito, e, no segundo turno, em que só Conselhos votam, é elaborada uma lista tríplice. O governador de São Paulo escolhe o Reitor.

Parte da comunidade universitária adota posição conservadora ao apreciar propostas de mudança, especialmente para cargos decisórios, segundo Nunes. Para ele, na prática, o primeiro turno não tem valor. “O segundo turno é composto por poucas pessoas e é ele que decide. A eleição se torna um tanto viciada. O candidato pode ser bom, mas se não for ligado às administrações centrais, dificilmente será cotado ou aceito”.

“Antes tarde do que nunca”

As propostas que Nunes apresenta foram elaboradas por seu antecessor no cargo de representante dos professores titulares: o professor Renato Janine Ribeiro. Suas ideias foram longamente debatidas pelo Conselho Universitário, mas algo pessoal ao professor titular de ética e filosofia política é a sugestão de como votar as propostas: da menor ampliação do conjunto de eleitores até a maior.

A sugestão de Janine Ribeiro segue dois pontos centrais. O primeiro seria eliminar o segundo turno atual, já que, para o professor, este “coloca a eleição nas mãos do Reitor, que desde 1989 sempre fez o seu sucessor, exceto da vez em que o Reitor renunciou e daquela em que o Governador interveio”. O segundo seria ampliar o colégio de eleitores, “se possível indo até a inclusão dos conselhos departamentais”.

Janine Ribeiro diz que havia defendido a proposta de eleições mais participativas antes do ofício. “Defendi no Conselho a mudança na eleição do Reitor e o prof. Grandino me incumbiu de relatar o assunto. Mas me aposentei em agosto de 2011, quando não tive resposta da Reitoria à pergunta se ela pretendia colocar o assunto em votação. Estava maduro desde então para, pelo menos, a supressão do atual segundo turno, que, por ser pequeno, é onde a Reitoria e as Pró-Reitorias decidem a votação em favor do candidato oficial. Mas o Reitor, que ainda me convidou para falar numa reunião do Conselho em 2012, decidiu não colocar o tema na pauta, até que, recentemente, mudou de ideia”. No documento, Rodas cita as reuniões do Conselho Universitário “no dia 9 de novembro de 2010 e no dia 26 de junho de 2012”, aludidas pelo professor. Mas diz que “já intuía nesse sentido [participação de uspianos na escolha de dirigentes], em 2009, quando redigiu o item intitulado ‘Estrutura de poder/eleições’”.

Ilustração de Mariane Roccelo

Comparações

O Diretório Central dos Estudantes, porém, vê o ofício com mais ceticismo. Apesar de reconhecer que “as eleições diretas para reitor são pauta histórica do movimento social da universidade e, pela primeira vez, foi ouvida pela reitoria”, Paula Kaufmann, diretora do DCE, ressalta o passado da gestão. “Conhecemos o Rodas e o histórico que a gestão dele tem. Democracia em nada combina com a truculência que o convênio com a PM trouxe para a USP e com o golpe dado por ele na Comissão da Verdade. Por isso, o DCE acredita que nada ainda está ganho”.

Paula afirma que as propostas apresentadas no CO seguem sendo insuficientes e antidemocráticas, dando peso desproporcional aos professores titulares. “Nossa proposta é que a escolha do reitor seja feita de maneira direta, ou seja, todos votam, dando peso igual a professores, funcionários e estudantes, sem lista tríplice”.

Apesar das diferenças que os separam, professores e estudantes concordam que o ofício vem da necessidade por maior participação nas eleições da USP. Enquanto o DCE afirma que “acredita que as declarações do reitor refletem que a necessidade de uma Universidade mais democrática existe e é urgente”, Janine Ribeiro considera essencial “retirar o excesso de poderes que está na Reitoria ao mesmo tempo que se preserve e aumente a qualidade da USP”, sem cedê-los a partidos, o que mataria a qualidade na pesquisa e a formação de recursos humanos, o que a Universidade deve ao povo. “A universidade não é um povo. O povo é muito mais complexo e rico do que a universidade, um hospital ou o Ministério Público. E a escolha dos dirigentes desses órgãos deve atender ao fato de que as grandes finalidades que eles visam são fixadas pelo povo, no caso, o povo paulista”.