Condenação não impede asilo, dizem docentes

Especialistas afirmam que refúgio e asilo político devem ter como objetivo, primeiramente, a proteção da integridade física das pessoas que os recebem 

A demissão do Ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, por conta de seu envolvimento na operação que trouxe o senador boliviano Roger Pinto Molina ao Brasil colocou em destaque a política externa brasileira com relação à concessão de asilo político. Para Deisy Ventura e André de Carvalho Ramos, docentes da USP, esse caso traz à tona delimitações legislativas e conflitos entre governo e oposição.

Molina é acusado, na Bolívia, de crimes como corrupção, desmatamento e venda de bens do Estado. Ele já foi condenado a um ano de prisão em seu país. No entanto, estava exilado na embaixada brasileira desde junho do ano passado, e entrou em território brasileiro no dia 25 de agosto desse ano. Ele alega sofrer “perseguição política” por ser da oposição ao governo de Evo Morales.

Sem ainda ter recebido salvo-conduto ao país, ele foi trazido de La Paz até Corumbá por um carro oficial brasileiro. De lá, seguiu para Brasília no avião particular do senador Ricardo Ferraço, do PMDB do Espírito Santo, o que causou um conflito diplomático entre Bolívia e Brasil.

Experiências
Essa não é a primeira vez que a política brasileira de fornecer asilo gerou controvérsia. Alfredo Stroessner, militar que governou o Paraguai por mais de 35 anos ao longo do século XX, recebeu, do governo de José Sarney, asilo político no Brasil em 1989, pois se entendia que, naquele momento de redemocratização, permanecer em território paraguaio poria em risco sua integridade física. No entanto, quando o Paraguai exigiu sua extradição em 2000, o Brasil se negou a responder.

O italiano Cesare Battisti, ex-membro do grupo de extrema esquerda “Proletários Armados pelo Comunismo”, recebeu em 2010 o status de refugiado político no Brasil, após decisão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva de rejeitar seu pedido de extradição para a Itália.

Assim como o caso recente do senador boliviano, essa atitude foi amplamente discutida pela mídia. Para Deisy Ventura, professora do Instituto de Relações Internacionais da USP, ocorrências como essas acabam se tornando “campos importantes de controvérsia” entre o governo e a oposição.

Por que fornecer?
Deisy também enfatiza que não se deve confundir refúgio com asilo político. “O refúgio é um direito da pessoa, e o asilo é uma liberalidade do Estado”. Pessoas deslocadas de seus países de origem por conta de fundados temores de sofrer perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, podem solicitar refúgio político em outro território segundo a Declaração de Genebra de 1951, da qual o Brasil é signatário. Trata-se, portanto, de uma instituição que visa garantir a existência de um direito humano fundamental.

O asilo político tem caráter mais diplomático. É frequentemente concedido a indivíduos que respondem a processos e já foram condenados por crimes comuns. Nesses casos, eles podem se asilar no território de outro país, de onde não podem ser retirados por aqueles que os buscam a não ser por meio da violação da soberania do país que dá o respectivo asilo.

O docente da faculdade de Direito do Largo São Francisco, André de Carvalho Ramos, complementa a definição de Deisy Ventura. “O asilo político consiste no conjunto de regras que protege o estrangeiro perseguido por motivos políticos e que, por isso, não pode permanecer ou retornar ao território do Estado de sua nacionalidade”. No Brasil, o asilo político foi introduzido no texto constitucional pelo artigo 4º da Constituição de 1988, no qual consta que a “concessão de asilo político” é um dos princípios das relações internacionais do país.

Condições
Tanto Cesare Battisti quanto o senador Molina foram acusados de crimes em seus países. Para André Ramos, porém, isso não é impedimento para a concessão do asilo. “Não é incomum, na prática internacional, casos de indivíduos acusados de crimes comuns acolhidos por Estados que consideram que há elementos que comprovam perseguição odiosa camuflada por um rito de processo criminal ordinário”, explica.

Sobre a ação do embaixador Eduardo Saboia, que coordenou a viagem de Roger Pinto até o Brasil, o docente da Faculdade de Direito a considera um caso excepcional. “Ela só pode ser justificada – e foi – pelo caráter humanitário e o risco à integridade física e psíquica do indivíduo, pois o direito à integridade física e psíquica é parte integrante da norma imperativa do Direito Internacional”.

Extradição
Ainda que uma pessoa consiga asilo ou refúgio em outro país, é possível que a nação da qual ela saiu exija sua extradição, para que ela possa ser julgada ou cumprir pena em seu território. Entre os rumorosos casos de extradição, está o de Edward Snowden, ex-agente norteamericano da CIA que revelou o esquema de espionagem do governo dos Estados Unidos e conseguiu asilo político na Rússia.

Embora o presidente Barack Obama tenha enviado solicitações ao Equador e a Bolívia de que Snowden fosse extraditado caso chegasse a seus territórios, ele não solicitou à Rússia que enviasse o ex-agente de volta a seu território. A professora Deisy especula que a atual negociação entre Estados Unidos e Rússia sobre uma possível ação armada na Síria dificultaria a discussão desse assunto.

Um outro caso de asilo político que envolveu os estadunidenses foi o de Julian Assange, o fundador do site Wikileaks. Perseguido após revelar documentos secretos que envolviam as guerras do Afeganistão e do Iraque, ele conseguiu asilo diplomático na embaixada equatoriana em Londres. O Reino Unido tinha ordem de extraditá-lo para a Suécia, país de onde perdeu a cidadania. Já que a embaixada equatoriana não é considerada um território inglês, ele não pode ser retirado de lá.

Por outro lado, os Estados Unidos abrigam atualmente alguns criminosos latinoamericanos e ignoram repetidas solicitações de sua extradição. Luis Posada Carriles, cidadão venezuelano nascido em Cuba, é procurado por esses dois países por ser acusado de explodir um avião de passageiros cubano, causando a morte de 76 pessoas. Ele atualmente reside nos Estados Unidos.

A Argentina solicita também a deportação de Roberto Bravo, tenente responsável pelo “Massacre de Trelew”, no qual foram assassinados 16 presos políticos. O ex-presidente boliviano Gonzalo Sánchez de Lozada, que reprimiu violentamente revoltas populares durante sua presidência entre 2002 e 2003, resultando na morte de ao menos 50 civis, enfrenta pedidos de extradição há quase dez anos. Ambos estão também asilados em território norteamericano.

Infográfico: Redação