Rígido, Ciências Moleculares tem acesso restrito

Professor do curso afirma ser uma graduação que busca um rendimento maior dos alunos e tem regras diferentes da universidade

Todos os anos, os alunos que mais se destacaram na última prova da Fuvest recebem uma carta com um convite: prestar um novo processo seletivo para entrar no curso de Ciências Moleculares. Apesar de existir há 23 anos na universidade, a graduação não aparece na lista de cursos do manual da Fuvest como mais um curso de admissão feita pelo vestibular.
Resultado da colaboração de cinco institutos da USP, abrange as áreas de biologia, química, física e matemática. São 25 vagas e o número de alunos formados não foi informado pela secretaria do curso. A forma de ingresso e interdisciplinaridade não são suas únicas particularidades. Qualquer reprovação é motivo para desligamento.

Fabio Armando Tal é representante do Instituto de Matemática e Estatística na Comissão Diretora e professor do Curso de Ciências Moleculares. Foi aluno da quinta turma de CM, fez seu doutorado no IME e seu pós-doutorado na Universidade de Nova Iorque. Questionado sobre o propósito do CCM, Tal diz: “Existia um consenso de que na USP não havia um curso que formasse pessoas ‘interdisciplinares’. Você poderia formar físicos, biólogos, mas se quisesse fazer algo na interface das duas não existia nenhum curso que permitisse. Essa divisão estanque em matemática, física, biologia é fictícia. Nos temas reais não há como falar ‘isso é física’ ou ‘isso é química’ especificamente, há coisas na interface e você precisa de pessoas que saibam os dois assuntos e possam conversar entre si. Porque se não, você pega um físico e um biólogo, os dois gostariam de trabalhar num problema juntos mas não conseguem se entender.”

Método de ingresso
O professor argumentou que a avaliação feita “não é bem uma prova, é um processo seletivo. Todo mundo pode se inscrever, qualquer pessoa que entrou na Universidade”. Em seguida, explicou que “o processo consiste em uma prova de conhecimento gerais, em princípio coisas que você deveria saber do colegial, uma dinâmica de grupo onde todos os candidatos se reúnem e são propostos problemas teóricos, e uma entrevista. Todos têm que passar pelo processo seletivo, ninguém é pré-selecionado. Pessoas são avisadas que elas podem fazer o curso, nós tentamos fazer a divulgação mais ampla possível. Temos cartazes espalhados por toda a universidade, temos a página na Internet e eventualmente buscamos a mídia para fazer divulgações. Hoje o curso é mais conhecido.

Felipe Santos, estudante da Faculdade de Direito, fez a prova e discorda de Tal: “Não passei da primeira fase. É uma prova com questões discursivas impossíveis de serem respondidas. A impressão que passa é que eles querem selecionar aqueles que decoraram a exceção à regra e as notas de rodapé dos livros. Todas as perguntas abordavam casos muito específicos. Isso não avalia o conhecimento de ninguém. E me parece contraditório à proposta do curso”.

Para ele, “a verdade é que o curso é pouco divulgado. Apenas quem é considerado brilhante é convidado pelos responsáveis pela graduação. Os mais bem colocados na Fuvest recebem uma carta-convite para participar do processo seletivo. Todos os outros precisam ficar atentos a poucos cartazes mal espalhados pelo campus. Isso já restringe o universo da concorrência. Se o curso fosse aberto pela Fuvest seria mais democrático. Todos entrariam na competição em pé de igualdade, pois a divulgação do curso seria a mesma para todos. Além disso, nesse caso, quem quisesse prestar Ciências Moleculares não precisaria mais ‘roubar’ a vaga de outra graduação para posteriormente tentar fazer o curso”. Em sua opinião, o curso chega a ser elitista: “Atualmente, apenas quem estudou nos melhores colégios e cursinhos do país consegue passar. Em uma época em que o governo e a própria USP discutem medidas inclusivas e afirmativas, como a adoção de cotas e do Pasusp, a forma de seleção desse curso vai na contramão da história. Afinal, o segundo vestibular para o Ciências Moleculares segue regras próprias.”

Sobre o uso da Fuvest no ingresso o professor membro da Comissão Diretora discorda: “Acho que é um curso muito específico. É uma graduação que de certa forma busca um rendimento maior dos alunos e tem regras específicas para isso. As regras gerais da universidade não são essas, nelas você tem direito a maior tempo de graduação, reprovações. Quando você entra no CCM, sua vaga fica reservada e se em algum momento sair, volta para o seu curso normal. O CM é um curso que exige muito mais dos alunos, mas você não perde seus direitos. O investimento dos professores é grande e por isso esperamos que os alunos respondam de acordo”. Para ele, “nem todo mundo que quer entrar consegue. Nós buscamos pessoas que tenham um certo perfil de cientista, que busquem aprender ciência de maneira geral. Nós tentamos fazer uma seleção pois temos um número restrito de vagas.”

Privilégio rigoroso
Guilherme Luis da Silva diz que entrou na USP com a intenção de fazer Ciências Moleculares. “Assim que abriram as inscrições, prestei a prova e acabei passando”, disse o estudante.Ele foi jubilado depois de reprovar em duas matérias. Questionado sobre a possibilidade de voltar a seu curso de origem disse que não foi possível: “Acabei prestando Fuvest de novo e passei em Ciências da Computação, no IME, porque tive contato com a área durante o curso e me identifiquei.”

Silva diz que o “curso não deixa margem pra deslizes ao longo da graduação”. E reclama: “Deixei o CM um semestre depois porque fui jubilado. Tive problemas de todos os tipos e reprovei em duas disciplinas – o suficiente para te jubilarem. Durante o curso, não é aceita nenhuma reprovação, quem dirá duas.” Fabio Tal justifica: “os alunos de CM costumam ser muito bons, mas não perto do mito que é um ‘curso de gênios’. São alunos interessados em ciência. Recebemos vários candidatos que seriam excelentes em uma área, mas não têm interdisciplinaridade, e para eles o curso não faz sentido. Sim, é um curso que tem um grau de exigência muito alto, mas não excepcional. Vê-se nos resultados, acho que mais de 50% de quem se formou há 10 anos é doutor.”

Silva pondera: “Não entendo muito o porquê disso. O que me incomoda é que nem sempre essa busca pelo bom desempenho dos alunos é acompanhada por uma preocupação didática satisfatória. Apesar da maior parte dos professores serem muito bons em suas áreas, alguns não têm aptidão para o ensino.” Tal discorda: “Eu acho que esse curso é, de certo modo, um privilégio extra. Você mantém sua vaga normalmente. Por isso cobramos dos alunos que se dediquem de verdade. É um curso que une cinco institutos diferentes para dar aula a um grupo de alunos. Você tem que fazer sua parte, senão volta para o seu lugar.”

Ilustração: Fábio Cavaton