Sistema de saúde demanda ação a curto prazo

Programa procura solucionar falta de médicos em regiões afastadas mas gera divergências entre governo e os profissionais

O recente debate sobre como suprir a falta de médicos no sistema público de saúde trouxe à tona um problema há muito conhecido pelo governo. O programa Mais Médicos do Governo Federal – que pretende levar médicos, brasileiros ou estrangeiros, para regiões onde há falta desses profissionais, além de investimentos de infraestrutura em unidades de saúde e hospitais – não foi a primeira medida lançada pelo governo para tentar resolver o problema.

Infográfico: Filipe Delia

No último ano, o Governo Federal lançou o Programa de Valorização da Atenção Básica (Provab), no qual são contratados médicos recém formados para trabalhar nas cidades mais afastadas, com a vantagem de receber um bônus de 10% nas provas de residência médica. Entretanto, das 7193 vagas abertas, apenas 1640 foram preenchidas.

Uma das principais justificativas para isso está, segundo os médicos, na falta de infraestrutura das regiões mais afastadas, o que causaria o pouco interesse em trabalhar nesses locais. Há ainda outros problemas além dos estruturais: Gutemberg Bernardino, médico inscrito no Provab,  ressalta que uma grande falha de ambos os programas é que nenhum deles estabelece vínculo trabalhista com o médico “Imagina que uma médica que aderir ao Mais Médicos, se vier grávida, não vai ter sua licença-maternidade remunerada para amamentar em casa? Como pode isso?”. Além disso, segundo o médico, o pagamento das bolsas costuma atrasar, prejudicando os profissionais.

Segundo o Doutor em Ciência Politica da USP, Fabricio Vasselai, por se tratar de uma questão emergencial “buscar mais médicos é algo de maior impacto imediato do que obras de infra-estrutura que levam anos para serem planejadas e construídas.”, e nesse sentido o programa é prioritário.

infográfico: Filipe Delia

Vasselai diz ainda que o Mais Médicos aborda um problema urgente, e abrange medidas mais a curto do que a longo prazo. Para ele, melhorar a distribuição de médicos no país, assim como melhorar a infraestrutura, são questões indispensáveis.

A melhora a longo prazo necessitaria um maior número de médicos formados, uma vez que a quantidade de vagas abertas anualmente pelo SUS é maior do que o número de novos médicos. “Leva anos para construir mais faculdades e mais uma década adicional para formar a primeira turma. Não sei se importar médicos temporários é boa saída, mas eu me pergunto: a saída é pedir para os habitantes das cidades com postos de saúde sem médico, mesmo com vagas abertas, esperarem 20 anos para ter médico lá?”, diz Vasselai.

A polêmica em torno do Programa Mais Médicos gerou um antagonismo entre o Governo Federal e o Conselho Federal de Medicina (CFM).  Isso se traduziu na iniciativa do CFM e mais três entidades médicas de abandonar, no mês passado, as comissões e grupos de trabalho do Governo dos quais participavam alegando que este estaria agindo de forma autoritária.

O conflito entre os órgãos é oriundo principalmente do que diz respeito à vinda dos médicos estrangeiros e às mudanças no curso de medicina nas universidades. Neste último ponto, a proposta original previa que o curso passaria a durar oito, e não mais seis anos, porém dada a repercussão negativa, o Governo voltou atrás e propôs que a residência médica passasse a ser obrigatória, cabendo a todas as especialidades um ano básico de serviço nas áreas de urgência e emergência do SUS.

Para Laura Camargo Macruz Feuerwerker, médica e professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP/USP), a nova medida é coerente e ajudaria a suprir uma lacuna existente hoje nos cursos de medicina. “A especialização progressiva trouxe uma fragmentação muito grande. Os alunos não passam muito tempo estudando nenhuma área”, afirma. Essa é, segundo a professora, uma característica negativa da medicina em todo o Brasil. Os médicos se especializam muito cedo e tem dificuldade em lidar com problemas ligados a áreas diversas à sua.

Estrangeiros

Os primeiros estrangeiros foram selecionados no último dia 10, após o fim do processo seletivo entre os brasileiros, já que a oferta entre os profissionais formados no país representou apenas 6% da demanda. A ideia era que os profissionais brasileiros tivessem prioridade.

A questão dos estrangeiros gerou polêmica principalmente porque os inscritos no Programa Mais Médicos serão dispensados do exame de revalidação do diploma, exigido hoje para aqueles com formação estrangeira que queiram trabalhar no Brasil. Segundo as entidades médicas, esses candidatos teriam uma formação muito diversa da que é oferecida aqui e dificuldade em lidar com algumas das patologias comuns no Brasil, além da questão do idioma e da criação de vínculo com o paciente. O Revalida, no entanto, já sofria críticas antes da medida, devido a sua grande dificuldade, pode ser considerado uma forma de reservar o mercado para brasileiros.

Laura Feuerwerker defende que é importante que os países escolhidos tenham alguma compatibilidade com as necessidades do SUS. Cuba, Portugal e Espanha são conhecidos justamente por possuírem um atendimento primário desenvolvido, mas a Bolívia possui muitos cursos de qualidade duvidosa. “Não deve ser uma escolha aleatória”, afirma.