Entidades exigem mudança no formato eleitoral, mas divergem sobre modelo

Na última reunião do Conselho Universitário, realizada no dia 1° de outubro, foi definido o processo eleitoral que será utilizado para a escolha do próximo reitor da universidade. Como consequência da decisão, considerada anti-democrática por boa parte da comunidade USP, houve a ocupação da reitoria pelos estudantes e a convocação de assembleias para instauração de greve geral. Sobre o assunto, representantes das entidades representativas de diferentes segmentos — Marcela Carbone, do Diretório Central dos Estudantes (DCE), os membros da Associação dos Pós-Graduandos (APG) Luiz Gustavo Soares e Fernanda Salgueiro, o presidente da Adusp, Ciro Correia, e o membro do Sintusp Magno de Carvalho — da universidade opinam sobre a atual gestão da reitoria, as propostas eleitorais e o que esperam para o futuro da universidade em democracia

ADUSP

Para a Associação dos Docentes da USP, a promessa de diálogo, tantas vezes proclamada pelo Reitor, não vingou no mandato de João Grandino Rodas. A análise é do presidente da instituição, Ciro Correia. Como exemplo dessa diferença de disposição ao diálogo entre o Reitor e a Adusp, o presidente cita a criação da Comissão da Verdade da USP. “Depois de ‘enrolar’ por meses seus interlocutores, dando aparente aval à proposta formulada pelo Fórum, o reitor lançou da noite para o dia sua CV-USP, gerando enorme indignação dos que sofreram essa rasteira”. Uma exceção foi a Ação do Gatilho, que, para Correia, “resultou num acordo importante” para as condições salariais dos professores.
As críticas não são só à gestão do reitor, mas também ao próprio processo que o elegeu. “Passou da hora de mudar o sistema atual. Ele é oligárquico e perpetua no comando da universidade dirigentes que não assumem compromissos programáticos. A Universidade precisa de uma completa reforma na sua estrutura de poder, pois a eleição de reitor(a) é apenas uma espécie de coroação do sistema atual”. Ciro Correia considera que a alegação de que o estudante não pode votar por ser “transitório” é “descabida, de um modo que chega a ser bisonho” e que estudantes e funcionários seriam subrepresentados.
Sobre as decisões tomadas no dia 1º de outubro, Ciro Correia diz que as mudanças aprovadas significam um “tímido avanço”. No entanto, “os membros do CO desperdiçaram o momento propício para ir além, uma vez que o colégio constituído pela Assembleia Universitária sequer contempla o previsto na LDB de 1996 de que a proporção de docentes seja de 70% neste tipo de colégio”. Além disso, “os funcionários técnico-administrativos continuam com participação sub-representada, inferior à 5%, nesta ‘Assembleia’”.
O presidente da entidade também ressalta o fato de não ter sido definido um critério de proporcionalidade que permitisse definir a chapa “eleita”, atribuindo à consulta caráter apenas indicativo, o que contraria uma demanda com forte respaldo na comunidade universitária.
Ciro Correia diz que a Adusp, tendo-se em vista as decisões tomadas no dia primeiro de outubro, “continuará na luta por avanços que venham a tornar efetivamente democrática a USP, o que significa mudar radicalmente a estrutura de poder e o modo de escolha de reitor(a) e demais cargos de direção e administração”.

DCE

O Diretório Central dos Estudantes não esconde sua oposição completa à gestão Rodas. Em sua avaliação, o reitor aprofundou a privatização da universidade e iniciou o processo de introdução da Polícia Militar dentro do campus como forma de criminalizar os movimentos sociais dentro da Universidade.
Para a estudante Marcela Carbone, representante da entidade, “o que dá legitimidade para que o reitor desfira tantos ataques é a estrutura de poder absolutamente antidemocrática da USP”.
A proposta de João Grandino Rodas de consulta à comunidade acadêmica na escolha do reitor, na visão do DCE, não supre as necessidades democráticas da instituição. Para eles, a decisão foi baseada nas manifestações que ocorreram por todo o país em junho. “Rodas sabia que essa pulsão poderia chegar à USP, e com medo da ofensiva dos estudantes, que desde o início do ano já sinalizam o desejo por eleições diretas, anunciou que iria ‘democratizar’ a universidade”.
Para a entidade, a forma de participação proposta não é suficiente, por se tratar apenas de uma consulta, sem valor efetivo. Na visão do DCE, a permanência da lista tríplice de candidatos, encaminhadas ao governador do estado, continua não garantindo a democracia eleitoral. “Todas as decisões importantes da USP, que influenciam nossa vida, nossos espaços e nossos estudos, são tomadas por pouquíssimas pessoas de acordo com interesses que, muitas vezes, vão na contramão de uma universidade mais pública e de qualidade”, ressalta a representante.
Marcela reforça a posição da entidade de lutar pela democratização das eleições na universidade e também por outras reivindicações do DCE, a serem repassadas ao próximo reitor. “A pauta de democratização da USP já foi aprovada em Congressos, Assembleias, Conselhos de Centros Acadêmicos e ratificada por Plebiscito Oficial dos estudantes. Nós estamos e fortalecidos por junho e queremos lutar até o fim por diretas, com eleições paritárias e pelo fim da lista tríplice. Posso afirmar que toda a comunidade votará para o próximo reitor se confiarmos na força das nossas mobilizações.”

APG

A Associação de Pós-Graduandos da USP, segundo um dos membros de sua gestão, Luiz Gustavo Soares, “vem de um processo de reconstituição que é decorrente da mobilização contra medidas autoritárias por parte da reitoria”. “Entre elas, uma que nos incomodou bastante foi a reforma do regimento da pós-graduação, que se deu num processo que começou no fim de 2011 e foi até o começo desse ano”, afirmou. Soares ainda disse que “isso despertou, a consciência nos pós- graduandos, da
necessidade de articular uma entidade que tenha continuidade nessa luta”. “E isso se expressou bastante no nome da gestão, que é ‘política contra a barbárie’, porque nós entendemos que é preciso reforçar os laços de democracia no cotidiano contra esse tipo de medida autoritária, feita em bastidores e sem diálogo algum com os envolvidos”, completou.
Fernanda Salgueiro, também membro da APG, disse que “essa falta de diálogo é um problema que se reflete em toda a comunidade USP”. “Na verdade a APG é só mais uma entidade que está pedindo um diálogo real entre a reitoria e a comunidade”, completou. Ela ainda cita as instâncias como um possível local de diálogo, mas diz que “o modelo de representatividade das categorias apresenta distorções”. “Por exemplo, no CO, 90% das pessoas que votam são professores, mas esses são apenas os titulares, que representam 10% dos professores”, afirmou.
“Então, além de já ser uma distorção ter uma categoria que representa 90% dos votos quando você tem mais duas outras, essa própria categoria ainda está lá representada de maneira distorcida, pois os titulares são minoria”, concluiu.
Quanto às propostas eleitorais, Soares afirma que “nós não temos garantias de que o próximo processo será democrático”. “O desafio de democratizar a USP continuará, principalmente se a gente não conseguir aprovar uma proposta eleitoral diferente da dos diretores”. Essa proposta, segundo Salgueiro, “contraria a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que prevê uma divisão dos pesos na votação da escolha para reitor, e não numa consulta após a indicação da lista tríplice”.
Sobre a próxima eleição, Soares afirmou que “A luta por democratização da universidade e por outros pontos importantes, como cotas, movimentos sociais e comissão da verdade, vai continuar”. “E, enquanto entidade, a APG quer que a USP torne institucional um debate muito mais profundo sobre as condições de trabalho do pós-graduando”, concluiu.

SINTUSP

O Sindicato dos Trabalhadores da USP mantém posição contrária à gestão Rodas e manifesta apoio às manifestações dos estudantes. Segundo o representante Magno de Carvalho, a democratização das eleições para reitor significaria “a mudança de um estatuto que é o mais retrógrado, conservador e de direita de todas as universidades do Brasil. Ele possui itens que são da época da ditadura militar, como os que criminalizam o movimento estudantil, por exemplo”.
Compartilhando a opinião manifestada pelo DCE, Magno acredita que o reitor João Grandino Rodas aproveitou a onda de manifestações em junho para anunciar uma medida democrática de consulta para a eleição na universidade. “Vários veículos ligaram para nós perguntando se o reitor agora estava adotando a bandeira do Sintusp. A decisão tomada no dia 1º de outubro nos provou o contrário, que já estávamos esperando. A cada momento ele demonstra ser um dos reitores mais autoritários desde a época da ditadura”.
Apesar de não estar declaradamente em greve, o Sintusp manifesta total apoio à manifestação dos estudantes. “A greve dos funcionários sempre é preparada durante bastante tempo antes de finalmente eclodir”, completa o representante. A Assembleia Geral dos funcionários do dia 3 de outubro aprovou indicativo de greve, mas a posição ainda deverá ser discutida no dia 10.
Quanto à gestão do próximo reitor, o Sintusp acredita que tudo depende do processo como o dirigente será escolhido. De acordo com Magno, a entidade aposta na discussão do programa de cada candidato segundo as reivindicações da comunidade USP. “Os candidatos que analisamos até hoje não mostram nenhuma diferença em relação ao Rodas.Todos representam a postura autoritária e elitista da universidade: os princípios e objetivos são iguais, bem como a ignorância das exigências das entidades”.
De acordo com a entidade, a luta pelas eleições diretas é para alterar o perfil elitista que o reitor da universidade assume há anos. “Estou aqui há 36 anos como funcionário da universidade e não vejo mudanças entre os reitores, da maneira como estão colocados. Na essência são todos iguais. É necessária a mudança”.

Ilustração por Mariane Roccelo