Docentes divergem sobre mobilização estudantil

Alunos de diversas faculdades da USP estão em greve há mais de um mês, exigindo que as eleições para reitor a serem realizadas no dia 19 de dezembro sejam diretas. O corpo docente da Universidade, por sua vez, se divide em relação ao movimento estudantil, como exemplificado por duas cartas abertas divulgadas em sites e grupos de e-mails nas últimas semanas.
O primeiro documento foi assinado por 117 professores da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) e critica a “imposição forçada da greve ao conjunto da Faculdade”, posta em prática por meio de “métodos de coerção inaceitáveis e inapropriados ao convívio universitário”. “Também não se pode deixar de alertar para os efeitos deletérios que tal situação impõe ao processo educacional e à pesquisa”, acrescenta o texto.
A carta aberta procura deixar claro que os signatários se manifestam “não contra a greve estudantil, e sim contra métodos de ação como ‘cadeiraços’, barricadas e piquetes, que impedem o livre acesso às salas de aula e o diálogo entre professores e estudantes”. Apesar disso, os professores chamam de “excepcionalmente grave” o fato de ter se tornado “tão banal a interrupção forçada de um trabalho universitário sério e precioso”.
O documento foi bastante criticado por alunos na internet, como no site do Jornal da USP Livre!, que acredita que os 117 professores que assinaram essa carta sejam contra a mobilização estudantil. “Para os professores, os estudantes podem protestar, podem questionar a estrutura de poder, mas não podem decidir coletivamente por realizar um cadeiraço ou piquete, justamente para impedir que os professores fura-greves atuem”, diz o texto online da publicação. Os professores procurados pelo Jornal do Campus não responderam até o fechamento da edição ou não quiseram comentar o assunto.

Apoio
Em resposta à primeira carta, um segundo documento foi elaborado, inicialmente por professores da FFLCH favoráveis à greve estudantil, mas que obteve suporte de alunos e docentes de outras unidades ou mesmo de fora da USP. Assinado até agora por mais de 160 pessoas, o texto exalta o “momento excepcional” vivido pela Faculdade.
“Diante desta grande oportunidade, impõe-se uma ação clara e decidida por parte dos que querem de fato superar o estado de coisas que a crise tornou inviável”, explica a carta. “O que não se pode é desviar a atenção por considerações externas que o paralisem ou retardem, nem por julgamentos de tipo moralizante que acabam servindo aos interesses políticos conservadores”. Os signatários defendem que a greve que começou entre os estudantes se estenda a todas as áreas da Universidade e declaram seu “apoio irrestrito ao corpo discente mobilizado, deixando de lado diferenças, nesse momento secundárias”.
O professor Osvaldo Coggiola, da FFLCH, caracteriza o momento atual como uma crise na USP, a mais grave dos últimos trinta anos. De acordo com ele, a diferença é que agora não é “uma vez mais um movimento estudantil, uma vez mais truculência estudantil não representativa”. “Desta vez, ‘uma vez menos’, o juiz não concedeu a reintegração [de posse da Reitoria]; ‘uma vez menos’ a Reitoria teve que nomear uma comissão de negociação”, afirmou. “Vamos falar disso com os estudantes. Vamos ser professores, não só entre as quatro paredes, mas em toda parte: é o que nos pedem os estudantes”.
O professor Jorge Luiz Souto Maior, da Faculdade de Direito, também escreveu uma carta criticando o posicionamento contrário de alguns professores à greve discente. “Que a greve causa transtornos ninguém há de negar. Que a greve quebra a normalidade, também é fato. E, por consequência, que haja resistência à greve, sobretudo daqueles que, direta ou indiretamente, são atingidos por ela, é compreensível”, escreveu. “Agora, que professores ligados às ciências sociais e humanas se reúnam para organizar um Manifesto contra a greve, aí temos uma novidade que vale a pena examinar”.
Souto Maior ressalta que valores que permeiam a sociedade atual são resultado de greves e mobilizações sociais, como o trabalhismo, o feminismo e as lutas contra o racismo. Ele afirma ainda que é preciso lembrar que a luta na USP “não começou ontem e não tem sido nada fácil”. “Apresenta-se, no mínimo, como valor bastante mesquinho a vontade de manter a ‘normalidade’”, conclui o professor.