Cortes atingem programas de graduação

Aluno convidado para apresentar artigo no exterior recorre a doações para viajar: “Me senti desvalorizado”, afirmou

E m função do déficit de R$ 1 bilhão deixado pela gestão passada, a reitoria anunciou cortes no orçamento da Universidade. A proposta orçamentária da USP, aprovada pela Comissão de Orçamento e Patrimônio em 18 de fevereiro deste ano, prevê ainda a utilização de um adicional de R$ 575 milhões em recursos provenientes das reservas financeiras da instituição.

A contenção de despesas atinge verbas que fomentam a produção da Universidade. Muitos projetos da graduação estão com seus editais suspensos, como o Programa de Tutoria Científico-Acadêmica, o Programa de Apoio à Internacionalização da Graduação (Pró-Int), o Programa de Manutenção e Reequipamento de Laboratórios Didáticos (Pró-Lab) e o Programa de Apoio à Realização e Participação em Eventos Voltados à Graduação (Pró-Eve), todos parte da política de valorização do ensino de graduação. Não serão interrompidas as bolsas do Programa Ensinar com Pesquisa (PEP) e do Programa de Estímulo ao Ensino de Graduação (PEEG), ambos destinados a estudantes de graduação de todos os cursos da USP.

Douglas Ribeiro, aluno de Lazer e Turismo da EACH, teve seu artigo A percepção dos moradores de Paraisópolis e Heliópolis em São Paulo sobre o que se chama Turismo na Favela aprovado para o congresso “Destination Slum! 2.0”, na Universidade de Potsdam, Alemanha, mas não foi contemplado com a verba da Pró-Int, que destina recursos para a participação de estudantes e docentes em eventos ou atividades acadêmicas no exterior. O aluno, que também é morador de Paraisópolis, conta que após realizar o pedido do subsídio, foi informado que a verba estava suspensa. “Me senti moralmente desrespeitado e desvalorizado. Mais uma vez, fui vítima do ‘apartheid educacional’ que nosso país vive”, diz.

Sem o apoio financeiro da universidade, Douglas ganhou as passagens de uma amiga. Para cobrir gastos pessoais, como alimentação e estadia, surgiu a ideia de fazer uma ‘vaquinha virtual’ e há um perfil na internet para contribuir com seu projeto por meio de doações, que já atingiram o valor de R$ 3 mil.

De acordo com o professor Otaviano Helene, do Instituto de Física, o custo de um aluno na universidade pública é mais barato do que o de um aluno no curso equivalente do setor privado. “Proporcionar uma boa formação para o aluno é um investimento que a sociedade faz. Quando ele estiver no mundo do trabalho irá aumentar o PIB e acelerar a economia. O retorno dado para a sociedade é muito maior do que o dinheiro gasto na formação”, diz.

Helene afirma que a recuperação da Universidade deve ser feita com base em um projeto acadêmico sério que leve em conta as características das unidades, priorize áreas com maior impacto social e que não negligencie ensino, pesquisa e extensão.

Segundo o professor, a partir dos anos 2000 a USP passou por um crescimento financeiro que, ao invés de ser utilizado para uma reestruturação adequada da Universidade, foi guardado em caixa. “Por haver dinheiro guardado, passou-se a gastar de forma inapropriada, principalmente durante a última gestão”, afirma. “Gastaram em prêmios, compra de imóveis no exterior e em bairros sofisticados, etc. Esse erro não pode ser cometido novamente”, finaliza.

Bolsas de intercâmbio

Procurada, a Reitoria não se manifestou a respeito da disponibilização das bolsas de mérito acadêmico e empreendedorismo para o segundo semestre de 2014. Já a Comissão Executiva do Programa de Bolsas de Intercâmbio Internacional para os Alunos de Graduação da USP informou que não há previsão para edital. A Comissão de Cooperação Internacional (CCInt) da FFLCH disse que o oferecimento é incerto e a Comissão de Relações Internacionais (CRInt) da ECA também afirmou não haver previsão de bolsa, embora o programa não tenha sido cancelado. “É de interesse da USP a internacionalização, mas por causa dos cortes de gastos não sabemos quais serão as prioridades. Há a questão da EACH que no momento é urgente”, disse Isa dos Anjos, responsável pelo setor de mobilidade.

Carolina Verlengia, aluna do quinto semestre de ciências sociais da FFLCH, conta com o oferecimento das bolsas para realizar intercâmbio. A estudante se preparou durante 2013 para concorrer às vagas e afirmou estar preocupada, pois o edital da FFLCH, que nas últimas edições saiu como ‘edital de intercâmbio com e sem bolsa de estudos’, nesse semestre foi aberto apenas como ‘edital de intercâmbio sem bolsa de estudos’.

Carolina conta ter escolhido a USP pelo incentivo e oportunidades de intercâmbio oferecidas aos alunos. A estudante acredita que as bolsas são, para muitos, a única possibilidade de viajar e que vários alunos desistirão do intercâmbio caso elas não sejam oferecidas. “Realizar um intercâmbio é muito importante, pois a vivência acadêmica no exterior possibilita uma formação mais ampla e nos permite conhecer outras abordagens sobre as problemáticas que já tratamos aqui. Na área das ciências sociais, em especial, diferentes perspectivas sobre um mesmo problema colaboram muito para o desenvolvimento de um pesquisador de qualidade”, diz.

O incentivo

No ano de 2013, 2,7 mil alunos realizaram intercâmbio por meio de convênios da Universidade e do programa federal Ciências Sem Fronteiras e 1,7 mil estudantes estrangeiros foram recebidos.

De acordo com os dados da Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional, as áreas que mais atraem alunos de fora são as humanidades, enquanto os cursos que mais enviam alunos para o exterior são os de exatas. “Os números de intercâmbio crescem a cada ano, mas ainda são pequenos se comparados ao tamanho da USP”, disse Claudio Possani, responsável pela diretoria de mobilidade.

Com cerca de 600 universidades conveniadas, o destino mais procurado pelos alunos é a França.  Para auxiliar o custeio das viagens, em dezembro de 2011 foi criado o Programa de Bolsas de Intercâmbio Internacional, que contempla os alunos com as bolsas de mérito acadêmico e empreendedorismo. Até o fim desse semestre, o programa terá oferecido 1,1 mil bolsas.

De acordo com Possani, o intercâmbio não deve deixar de ser incentivado pela Universidade pois, além de ser fundamental para a formação do aluno, é importante para a instituição. “No início havia a ideia de que o intercâmbio era uma maneira de premiar os melhores alunos, o que não deixava de ser verdade. Mas hoje, com a globalização, é imprescindível para uma boa formação a vivência no exterior. Não é supérfulo e não é só o estudante o beneficiado”.

Segundo Possani, os intercâmbios permitem que redes de conexões sejam feitas, pois criam um fluxo de comunicação entre os professores e as universidades e divulgam o nome da USP internacionalmente, além de possibilitarem a troca de pesquisas e o retorno de um aluno plural e crítico que, ao entrar no mercado de trabalho, levará a bagagem recebida para a  sociedade.

Cultura e extensão

De acordo com suas diretrizes de ação, a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU) atua como um canal aberto de interlocução com a sociedade e na complementação de ações de ensino e pesquisa em todas as áreas, firmando-se como um elemento de aglutinação do conjunto da Universidade.

São muitos os projetos ligados às áreas de cultura e extensão desenvolvidos por docentes, funcionários e alunos da USP. O Redigir é um exemplo de projeto de extensão que oferece cursos gratuitos de comunicação e língua portuguesa à comunidade, financiado pela PRCEU. De acordo com Sophia Neitzert, membro do projeto, o Redigir é de extrema importância acadêmica e social, pois propicia o atendimento de jovens e adultos que estudaram na rede pública de ensino e que passam por dificuldades de comunicação e expressão.

Sobre a verba concedida pela PRCEU, Sophia conta que o subsídio é o principal amparo financeiro vindo da USP. “Cadastrei nosso pedido de verba, mas só saberemos o real efeito dos cortes após a reunião [de análise de projetos que solicitam recursos]”, explica. Cristiane Malischesqui Reina, funcionária da Comissão de Cultura e Extensão da FFLCH, afirma que a PRCEU ainda está dentro do prazo de resposta e que a reunião deve acontecer no dia 10 de abril. A Pró-Reitoria informou que a reunião está no calendário, mas que não há certeza sobre a  sua ocorrência.