Determinação do Conanda divide opiniões

Órgão afirma que publicidade infantil é inaceitável, enquanto para agências publicitárias o veto configura censura

A Resolução 163 do Conse­lho Nacional do Direito da Criança e do Ado­lescente (Conanda), que tornou abusivo o direcionamento de publicidade e comunicação mer­cadológica ao público infantil, divide opiniões da sociedade. Aprovado por setores ligados à defesa da criança e do adolescen­te e alvo de críticas de agências e veículos publicitários, a ação encontra divergência de opiniões.

Em grande medida, a Resolu­ção do Conselho ancora-se no artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, que considera abu­siva a publicidade que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança. Segundo a professora Maria Abigail de Souza, do Instituto de Psicologia (IP) da USP, as crianças estão mais suscetíveis às pressões externas porque são imaturas e ainda não conseguem se proteger de tantos estímulos a que são submetidas. Assim armazenam as mensagens recebidas sem muito filtro, nem crítica. “Pode-se instalar desde muito cedo na criança um espírito consumista sem qualquer crítica sobre o que ela deve ou pode ad­quirir. Isto pode levar a compul­sões de compras, mesmo sem que lhe seja necessário, apenas para responder aos apelos sedutores do estímulo ao consumo”, completa. Dados da Associação Dietética Norte American Borzekowiski/Robinson revelaram que bastam 30 segundos para uma propagan­da influenciar uma criança.

“A publicidade dirigida ao pú­blico infantil se utiliza da vulne­rabilidade da criança para vender determinado produto ou serviço. Ela não reconhece a criança como indivíduo em desenvolvimento e, assim, mais vulnerável e carente de proteção e cuidado”, é o que afirma o advogado membro do Conanda, Pedro Hartung. Para ele, é função do Estado equilibrar a relação entre mercado, ativi­dade publicitária e entre pais e responsáveis, sendo necessário redirecionar a publicidade infan­til para o público adulto, que é o responsável por fazer a mediação dessa mensagem com a criança. “É inadmissível aceitar que uma publicidade seja dirigida para um público que não é nem o verdadei­ro responsável por fazer a compra, então por que se aceitar isso? Por que a criança é vista como alvo dessa publicidade? A criança é vista como promotora de venda dentro da família e isso é injusto e antiético”, encerra.

Para o assessor jurídico da As­sociação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP), Paulo Gomes de Oliveira Filho, a crian­ça é obviamente deficiente em termos de entendimento. No entanto, a solução não é proibir a publicidade infantil, mas deixar a regulamentação do mercado a cargo do Código Ético do Con­selho Nacional de Autorregula­mentação Publicitária (Conar). “Com base nesse princípio é que a autorregulamentação publici­tária do Conar já estabelece de forma extremamente detalhada como é realizada a propaganda direcionada ao público infantil. Ele é muito mais restritivo do que todas as disposições legais juntas. (…) O intuito da ABAP é lembrar que a criança não pode ser excluída de informações, mas deve ser preservada de uma forma abusiva das informações que são passadas a ela. Isso é o que nós rejeitamos”, explica.

Hartung discorda da eficiência da autorregulamentação do Co­nar, uma vez que é uma regulação feita pelo próprio mercado. “O Conar não possui o que nós cha­mamos de poder de polícia, que é capacidade que só o Estado possui de aplicar uma devida sanção. A única coisa que o Conar pode fazer é recomendar uma sustação do comercial ou uma alteração da peça publicitária”.

O modelo de autorregulamen­tação misto, ou seja, por orga­nismos do Estado e do mercado, segue uma tendência mundial. A fiscalização ensejada pela Re­solução 163 do Conanda fica sob responsabilidade do próprio sistema de proteção e defesa do consumidor, isto é, Procons, Ministério da Justiça, Ministério Público e Defensoria.

A publicidade infantil não é uma preocupação exclusiva brasileira. Suécia e Noruega pro­íbem o direcionamento da publi­cidade ao público infantil, assim como a província de Quebec no Canadá. Países como Alemanha, Noruega, Irlanda, Dinamarca, Holanda e Portugal apresentam uma série de restrições quanto à publicidade infantil, possuindo regulações específicas.

Para Filho, a proibição da pu­blicidade infantil “seria censura total e extrema burrice, porque entender que a criança até os 12 anos de idade não existe na so­ciedade é negar o óbvio”. Já para Hartung a proibição não pode ser considerada censura porque não está ligada à liberdade de expres­são e sim à atividade econômica. “A intenção da publicidade não é propagar um pensamento, nada mais do que isso, ela tem apenas o interesse de vender”, diz

Pesquisa realizada pela In­terscience de 2003 revela que as crianças participam do processo decisório de 80% das compras do­mésticas. O analista de sistemas Samuel Corrêa Bueno, pai de duas filhas, uma de 5 anos e outra de 8, sentiu na pele o que a pesquisa aponta. Samuel conta que, quan­do a família foi trocar de carro as crianças gostariam que a família comprasse um determinado mo­delo de carro cuja propaganda é veiculada no canal infantil que elas assistem. “São escolhas que somos nós [pais] que precisamos decidir e a criança não consegue pesar prós e contras”, disse.

“Os pais podem substituir a atenção que deveriam dar aos filhos com presentes materiais”, avalia a psicóloga Maria Abigail. Segundo a professora do IP, os responsáveis, por não consegui­rem dar algo de si aos filhos, seja sob forma de atenção ou cuidado, buscam compensar com objetos concretos. Para o assessor jurídi­co da ABAP, Paulo Filho, cabe à família frear o apelo consumista das crianças: “O pai e a mãe têm que ter o poder de decisão de compra, não é só porque a criança pede que nós devemos comprar, é questão de orientação”, explica.

No entanto, para o advogado membro do instituto Alana, Pe­dro Hartung, apesar de os pais possuírem papel importante na mediação dessa relação do consumo com seus filhos ou tutelados, “o que acontece é que é uma briga desigual entre uma indústria bilionária que tenta convencer e persuadir as crianças para um ato de consumo e para os pais que acabam se tornando os verdadeiros vilões, ficam com a responsabilidade de dizer um não a cada instante”.

Para a professora Maria Abigail de Souza, publicidades que são direcionadas às crianças influenciam compulsão por compras.