Falta de chuvas não é o único problema

Poluição dos rios e vazamentos também contribuíram para a maior crise hídrica dos útimos 84 anos, diz professor

O volume de água do sistema Cantareira atingiu, na última quarta-feira, 8,4% de sua capacidade total. Mesmo com o cenário de crise, a Sabesp informa que a cidade de São Paulo não está passando por racionamento de água. “Não há restrição no consumo de água em nenhum dos 365 municípios atendidos pela Companhia”, diz a assessoria da Sabesp. Mas não é isso que moradores de algumas regiões da cidade relataram. Vichtor Ruas Fabiano, escritor e morador de Pirituba, relata que há cerca de um mês a água só está disponível das 8 às 22 horas. Fora desse período, diz, não há água, apenas a armazenada na caixa de casa. Ainda segundo o escritor, não houve nenhuma comunicação formal da Sabesp de que o fornecimento de água seria interrompido.

Em Pirituba, não há água das 22h às 8h, afirma morador. (Foto: Gabriela Silva)
Em Pirituba, não há água das 22h às 8h, afirma morador. (Foto: Gabriela Silva)

Segundo a Sabesp, essa é a “maior crise hídrica dos últimos 84 anos”, mas para José Carlos Mierzwa, engenheiro hidráulico e professor da Poli/USP, a melhora na qualidade de vida dos moradores da cidade de São Paulo fez o consumo de água crescer. Contudo, a capacidade dos reservatórios não mudou, fato que contribuiu para a escassez desse recurso na região. “Isso, de certa forma, não foi previsto nos planos de quem trabalha com gestão de recursos hídricos”, afirma.

De acordo com o professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, Augusto Pereira Filho, se falta um ano de chuva, a Região Metropolitana de São Paulo entra em uma crise severa. “Na Cantareira, a água armazenada só dá para, aproximadamente, um ano, então, se este for desfavorável no volume de chuvas, entramos em uma situação como essa, que vai se repetir no futuro”.

Os problemas com o abastecimento de água em São Paulo começaram no final da década de 1990. Mierzwa aponta que em 2000 era comum ter o rodízio de água na cidade, que foi resolvido com algumas estratégias de gestão, como aumentar a capacidade de alguns reservatórios e fazer o reaproveitamento de outros. Mas se continuou no limite, tanto que nos anos de 2006 e 2009 o sistema de abastecimento passou por uma crise semelhante, até que culminou neste ano, que para o engenheiro, foi a mais grave. Com todos esses revezes, foram construídos reservatórios cada vez mais distantes das regiões que consomem as suas águas. Contudo, Pereira acredita que “o Sistema Cantareira é muito importante por ser o mais perto de São Paulo. Os que estão mais longe demandam uma quantidade de recursos muito maior para levarem a água até seus consumidores”.

O motivo pelo qual não há uma maior exploração dos recursos hídricos mais próximos é a poluição. Como explica Mierzwa, em São Paulo, a maior parte do esgoto produzido não é tratado e é lançado diretamente nos rios mais próximos, que se estivessem em boas condições, poderiam contribuir para a produção de água local. Esses rios também correm para o interior do estado, o que faz com que os poluentes se espalhem para outros locais. “Desse modo, há o comprometimento da capacidade de abastecimento das cidades interioranas, fazendo com que essa escassez aumente, porque não adianta ter água em quantidade se ela não tiver qualidade”.

Outro fator que também colabora para a menor disponibilidade desse recurso é a perda que ocorre antes de chegar ao consumidor, por meio de vazamentos nas tubulações. Segundo o professor da Poli, cerca de 20% de toda a água que é produzida não chega a ser consumida por ninguém, pois ela se perde no meio do caminho por conta desses distúrbios. “O menor número de perda por vazamento de tubulações é na Europa e nos Estados Unidos, que conseguem chegar ao máximo de 10%. Caso o Brasil adotasse uma tecnologia semelhante, ganharíamos essa diferença, que seria bem-vinda nos momentos de escassez, como agora”, diz. A Sabesp tem um contrato com a Jica, Agência de Cooperação Internacional do Japão, para investimentos e transferência de tecnologia japonesa. Atualmente, segundo a Sabesp, o Japão é referência na área, com índices de perdas de 8%. “É importante ressaltar que nos últimos 10 anos o índice de perdas físicas caiu oito pontos percentuais”, diz a Sabesp.

Mierzwa acredita em uma abordagem mais integrada para minimizar os problemas. Primeiramente, deve-se avaliar formas de reduzir o consumo nas residências e nas indústrias, por meio de campanhas e também da educação ambiental. É preciso reduzir a perda da rede pelos vazamentos, como também melhorar a qualidade dos corpos d’água próximos – por meio do tratamento de esgoto.

Sobre o investimento na educação ambiental, Augusto Pereira enfatiza o papel da USP na conscientização da população, como forma de exercer uma de suas principais atividades, a extensão.

“A educação tem efeitos indiretos a curto, médio e longo prazos”. Forçosamente, no caso da água, estamos sendo obrigados a economizar, mas seria melhor se tivéssemos nas escolas maneiras de conservar os nossos recursos naturais”, declara. Segundo ele, um aumento de investimento na educação irá propiciar para que a própria sociedade possa participar, de maneira mais eficiente, e estar preparada para lidar com essas situações recorrentes.

Perspectivas

Como os invernos paulistas costumam ter menos chuvas, “a situação vai ficar muito crítica nessa estação se houver um aumento da temperatura, que faz com que o consumo de água cresça também”, lembra o professor do IAG. Entretanto, o mais comum é que com as temperaturas mais baixas, o uso desse recurso também caia. Ele afirma que há a expectativa de que chova acima do normal nos meses de agosto e setembro, por causa de um fenômeno chamado de El Niño. “Agora é importante conservar o que se tem e planejar para que as outras gerações também usufruam da água, e a utilizem de modo adequado para o desenvolvimento da qualidade de vida”, conclui Pereira.