Evitar crescimento de gastos é prioridade para reitoria; Adusp e DCE discordam

Ainda sem propostas concretas para a solução da crise, a gestão afirma que a cobrança de mensalidade não é uma opção. Outras sugestões incluem aumentar o repasse de ICMS e os recursos captados do imposto de renda

Para integrantes do DCE, é preciso um projeto de educação que atenda à população. Foto: Gabriella Feola

Diante da crise orçamentária da USP, a reitoria declarou o congelamento de salários e contratações e corte de gastos, mas esses medidas apenas impedem que o comprometimento da verba aumente. Ainda não há uma proposta concreta de solução e, por isso, diversos setores da comunidade interna e externa a USP estão discutindo e propondo saídas, muitas delas divergentes e polêmicas.

Mensalidades

A Folha de S. Paulo publicou uma série de artigos que propunham a cobrança de mensalidades como solução para défict orçamentário. Para o jornal, essa seria uma saída, já que 60% dos alunos, segundo seus próprios cálculos, poderiam arcar com mensalidades. Em relação ao aumento salarial, que comprometeria ainda mais as reservas da universidade, o Reitor Marco Antônio Zago fez uma declaração dizendo que se a exigência fosse mantida, poderia ocasionar a destruição da universidade pública. Em meio a situação conturbada, muitos interpretaram essa frase como uma ameaça de privatização.

Sobre essa polêmica a assessoria de imprensa da reitoria esclareceu: “Se você fizer uma busca nos jornais de São Paulo, encontrará matérias sobre isso desde a década de 90, pelo menos. Por outro lado, desde essa época, nunca houve nenhum movimento interno, por parte da Reitoria, para que esse tema fosse levado adiante”

O médico e estudante de Ciências Sociais Ricardo Palacios escreveu sobre o tema em um artigo publicado na site da revista Carta Capital, onde questiona se a universidade pública precisa necessariamente ser gratuita para todos. “Ter o direito a educação não é dizer que tudo tem que ser de graça, é você ter a possibilidade de acesso real. Se eu não tenho recursos, meu direito a educação significa não só que eu não devo pagar, mas que devem me ajudar a me manter na universidade. Mas para a pessoa com recursos econômicos, o direito a educação tem a ver só com a possibilidade de se ter acesso. Ela pode pagar”, afirma.  Apesar de não acreditar que a cobrança seja um modelo viável no cenário atual, Palacios afirma que a comunidade da USP precisa discutir esse tema sem medo, sem abandonar o debate nas mãos da grande mídia: “as pessoas não podem deixar que a Folha venha lançar a ideia de mensalidade e só fazer defesa ideológica. Se você limita a defesa a ideologia, você não consegue estabelecer um diálogo, porque eu tenho a minha ideologia e você tem a sua”.

A Associação dos Docentes da USP (Adusp) e o Diretório Central dos Estudantes (DCE) são contra a cobrança, mesmo que parcial, de mensalidades na universidade. A integrante do DCE Marcela Carbone acredita que a cobrança de mensalidade representa a privatização da USP. “Privatizar uma universidade que é pública significa que o conhecimento produzido dentro dela vai estar a serviço do lucro de empresas e não ao retorno para a população”. Seguindo a mesma linha, Ciro Correia, da Adusp, afirma que fornecer educação gratuita é dever do estado. “[A cobrança de mensalidades] é discriminatória. E é aquela lógica da barbárie de que se você tem dinheiro, você tem acesso a segurança, educação, saúde”, acredita.

Alternativas para a crise

A reitoria está trabalhando em como frear o crescimento de gastos. Segunda nota de sua assessoria, até agora foram tomadas três medidas frente a crise: a instauração de uma Comissão de Sindicância para apurar responsabilidades sobre a evolução da folha de pagamento; a contratação de uma auditoria externa para avaliar os gastos nos últimos cinco anos e a criação de um grupo de trabalho com a incumbência de elaborar a proposta de criação da Controladoria da Universidade. Como medidas em estudo estão a racionalização da frota de veículos, a redução de terceirizados e o sistema unificado de compras.  A medida mais concreta é a criação de um banco de oportunidades que permite que servidores sejam realocados em outros departamentos, equilibrando a distribuição de cargos entre as unidades e permitindo a ocupação de vagas que necessitariam de contratações.

No entanto, não há sugestões sobre como fazer com que o orçamento volte a ser equilibrado, tendo condições de bancar salários, pesquisas, infraestrutura e permanência estudantil. Como medida imediata, a Adusp, que discorda das atuais ações adotadas pela reitoria, propõe a abertura das contas da universidade (assim como o DCE) e sua discussão no Fórum das Seis, entidade que agrupa os sindicatos de funcionários das três universidades estaduais paulistas, bem como suas associações de docentes. “Queremos uma proposta que contemple tanto a melhor administração de recursos como o respeito de não arrochar salários de docentes e funcionários, porque que isso desconstrói a universidade”, afirma Correia.

Ao diminuir a remuneração do corpo de funcionários e professores, a USP colaboraria para uma piora no nível do ensino, assim como teria ocorrido com a educação básica em outros momentos da história nacional. “É o que acabou no Brasil inteiro com o ensino fundamental e médio de qualidade, o principal gargalo do desenvolvimento do país. Estrangular salários nas universidades significa favorecer a burla do regime de dedicação integral, favorecer que as pessoas comecem a trabalhar nos laboratórios públicos com projetos pessoais”, aponta o representante da Adusp.

Como proposta de médio prazo, a Adusp defende uma mudança tributária nacional, que aumentaria o volume de recursos captados pelo imposto de renda. “O imposto de renda é um imposto progressivo, que tem alíquotas sucessivamente maiores para quem tem renda maior”, afirma Correia, em contraponto ao ICMS, que é regressivo, ou seja, pesa menos em quem possui uma renda maior. O representante da Adusp aponta que no Brasil a alíquota máxima do imposto de renda é de 27,5%, enquanto em outros países essa porcentagem chega a 60%. Uma maior cobrança de imposto sobre a renda poderia custear a educação no país, no lugar do ICMS, e com muito mais recursos. “Essa é a proposta organizada  desde os anos 80 pelo movimento docente em seu sindicato nacional”, conta.

O DCE acredita que o foco do problema não é a folha salarial. “O motivo da crise se dá centralmente porque a USP e as outras estaduais vêm passando por um processo de expansão desde 1995. São 17 anos sem ter um aumento de investimento correspondente, então isso fez com que se começasse a precarizar algum pontos da universidade”, diz Carbone. De acordo com a estudante, para combater a crise financeira é preciso inverter a lógica do estado, dando mais prioridade a educação. “É preciso construir outro projeto de educação, que realmente esteja a serviço da população”. Para isso, a solução proposta, por hora, é que se aumente o repasse de ICMS (que hoje corresponde a 9,5%) para as universidades estaduais. “O centro não é aumentar o imposto, é aumentar o repasse”, diz Carbone.

A Adusp propõe que o repasse do imposto passe a ser de 11,6%. No entanto, para a integrante do DCE, o aumento tem que ser o suficiente para permitir uma expansão real do ensino superior público de qualidade. “Formam-se 460 mil estudantes por ano no ensino médio, mas não são esses 460 mil que entram no ensino superior público, porque ele é restrito”, explica.

Palacios defende o diálogo entre as categorias universitárias e a sociedade por acreditar que apenas juntos será possível encontrar uma solução para a crise atual. “Definitivamente, eu vejo que há um problema real e nenhum reitor, exceto que seja o cara mais masoquista do planeta, fica feliz de fazer uma afirmação como ‘não vamos poder dar salários’. Eu sinceramente acredito que ele encontrou uma situação caótica e que não tem muita saída neste momento. Se ele assinar um aumento agora, seria tão irresponsável quanto o reitor anterior”, afirma.

O estudante também fala sobre a “crise de confiança” entre a comunidade USP e a reitoria. A integrante do DCE justifica uma das causas dessa situação: “no caso do Zago é muito dificil ter confiança, não é nem um critério da pessoa, é um problema da lógica que se aplica, porque é um cargo que se ocupa num marco de muita falta de democracia”, diz ela, se referindo a greve de 2013 que reivindicava diretas pra reitor. Carbone reitera que “o fato da USP ser antidemocrática ajuda que se faça uma farra com o dinheiro público. Quando a gente pedia democracia ano passado, eram as três categorias podendo decidir sobre os rumos da universidade. Então eu acho legítimo que se tenha as três categorias vigiando [as contas]”.

“É complicado, às vezes a solução pode vir de aprofundar a crise”, acredita Palacios, que critica o fato de que a porcentagem de pessoas que participam da moblização sobre a universidade ainda seja muito pequena. “Talvez, quando se veja que o semestre não vai começar, as pessoas passem a se preocupar. Seria muito triste se acontecesse dessa forma, mas eu temo que isso será necessário para que eles se mobilizem, se posicionem, questionem essa representatividade formal e dialoguem com a sociedade”.