Ex-reitor da USP comenta sobre atual crise orçamentária

(Foto: USP Imagens)

Jacques Marcovitch, foi reitor da Universidade e São Paulo de 1997 a 2001. Dedica-se ao estudo do pioneirismo empresarial, estratégia e inovação com foco no crescimento econômico, na distribuição de renda e na sustentabilidade ambiental. Atualmente é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e do Instituto de Relações Internacionais (IRI).

JC: Como o senhor avalia a atual crise orçamentária da USP?

Marcovitch: A crise decorre de decisões tomadas em exercícios anteriores que levaram em 2014 a um nível de despesas que supera em muito as receitas correntes. Em 2012 este déficit já correspondia a 14,4% das receitas, alcançando 23,1 % para o ano de 2013. Logo, o resultado negativo acumulado, para os dois últimos anos atingiu 1,5 bilhões de reais para uma receita anual de aproximadamente 4,4 bilhões. Para enfrentar a atual crise orçamentária, cabe à USP identificar as causas para sanar este desequilíbrio e priorizar os resultados esperados pela sociedade que a mantém. Isto significa determinar as metas e os indicadores almejados para os próximos quatro anos, delinear as projeções orçamentárias e financeiras até 2018 e adotar os controles necessários para monitorar o cumprimento dos objetivos. Com isso, é assegurada a previsibilidade, fator determinante de desempenho nas instituições de ciclo longo como a Universidade.

JC: O dinheiro da Universidade tem origem no ICMS pago pela população. Existe outra origem além dessa?

Marcovitch: Sim, entre as receitas de outras origens encontram-se os recursos obtidos junto à entidades que fomentam a pesquisa, como o CNPq e a FAPESP, além de agências financiadoras como o BNDES e a FINEP. Estas receitas, no entanto, não amparam gastos com salários e benefícios.

JC: Como é feita a arrecadação desse dinheiro e como o valor desse montante é corrigido durante os anos?

Marcovitch: O recurso do ICMS é recolhido pelo governo estadual e repassado à Universidade na proporção fixada em Lei. Esse valor acompanha a evolução da economia do Estado de São Paulo. De 2009 a 2013 se verificou um aumento anual real nas receitas da Universidade, isto é, superior à inflação.

JC: Para que a Universidade pudesse ter dinheiro para investir corretamente em todos os seus setores, qual seria a porcentagem ideal do orçamento que deveria ser reservada aos salários e benefícios?

Marcovitch: Em 1989, quando foi concedida a cota-parte do ICMS, o Decreto Nº 29598 recomendou que as despesas com pessoal não devem exceder 75% para salários e benefícios. Como a Universidade foi assumindo outros encargos a cota-parte aumentou e este percentual foi elevado. Mesmo assim, a folha de pagamento não deveria ultrapassar um comprometimento de 80%.

JC: Na sua opinião, quais são os setores da Universidade que mais precisam de investimentos?

Marcovitch: A mais urgente tarefa é investir na reconstrução da relação aluno-professor. Com a crescente acessibilidade às informações, a sala de aula deixa de ser um espaço de transmissão de conteúdos para se tornar um espaço de construção de conhecimentos e de valores. Neste sentido, a sala de aula e o papel do professor devem ser repensados, porque as novas gerações vivenciam intensamente o espaço virtual. Cabe, ainda, investir na formação de recursos humanos e na adequação de infraestrutura que responda aos desafios enfrentados pela sociedade. Tais desafios dizem respeito ao avanço das ciências e a uma ampla gama de políticas públicas, incluindo a melhoria da qualidade em educação, acessibilidade à saúde, universalização do saneamento básico, segurança energética e alimentar, segurança digital e preservação dos recursos naturais com ênfase na biodiversidade.