Estudantes de esquerda da Poli usam extensão como militância

Escritório Piloto desenvolve projetos socioambientais visando comunidades de baixa renda

Ao deixar os estereótipos de lado, a Escola Politécnica (Poli) prova que a mobilização de esquerda não se restringe apenas aos cursos de humanas. Estudantes da unidade se unem em projetos de extensão que buscam fortalecer as bases da sociedade em parcerias com grupos como o MPL (Movimento Passe Livre) e o MST.

Para Lucca Pérez, aluno do curso de Engenharia Ambiental, há um senso comum antiesquerda na unidade. “A Poli é um centro de pensamento liberal bem grande, mas as pessoas não necessariamente possuem embasamento filosófico.” Com cerca de 800 ingressantes por ano, é possível encontrar pessoas que nadem contra a maré, “tem de tudo por aqui, só que está pulverizado nos cursos. As pessoas não se encontram,” conta.

Há seis anos, o Grêmio Politécnico mantém o mesmo eixo, que também compõe a chapa USPInova, segundo lugar nas eleições para o DCE. “Participei nos últimos três anos de chapas de oposição ao grêmio. É importante se envolver para criar referência, fazer com que as pessoas vejam que não precisa ser do jeito que está e que há mais gente que pensa diferente.”

Pérez enxerga as dificuldades de manter um movimento forte e ativo dentro da Poli, mas acredita que, apesar das complicações, os alunos da unidade alinhados à esquerda são bastante decididos. “Pode ser, em alguns casos, que não tenhamos muita base filosófica ou política, mas temos muita certeza de ideal.”

Mobilizar pela extensão

O Escritório Piloto existe desde 1955 e atua como um braço do Grêmio Estudantil. Aberto à participação de qualquer pessoa dentro ou fora da USP – atualmente, integra alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) -, é a principal forma de mobilização de esquerda. “Fora as contas de luz, tocamos tudo sozinhos aqui dentro, participamos de editais e as vezes conseguimos financiamentos de bolsas.” Mais restrito ao curso, o projeto não tinha um viés ideológico quando começou. A proposta inicial era de que os estudantes tivessem contato com a prática ao escreverem projetos de engenharia antes de se formarem.

No entanto, nos últimos sete anos, os membros passaram a trabalhar com causas socioambientais e aproximação bem grande de movimentos sociais. O Escritório Piloto é dividido em quatro subgrupos: Poligen, voltado para discussões de gênero dentro da unidade; PoliGNU, que estuda softwares livres – entre os projetos do grupo está o Radar Parlamentar, aplicativo que determina “semelhanças” entre partidos políticos baseado na análise das votações de projetos de lei -; APÉ, que discute mobilidade urbana, trabalha com planejamentos para cidades do interior do estado e redigiu recentemente um boletim sobre o corte das linhas no M’Boi Mirim junto com o MPL; e o Núcleo de Agroecologia e Tecnologias Sociais, que existe há dois anos e trabalha com assentamentos rurais do MST na grande São Paulo em projetos de infraestrutura de irrigação e saneamento básico. “A gente não chega nos lugares fazendo as coisas, tudo é construído junto com os assentados e nós aprendemos muito com eles,” explicao estudante.

O trabalho realizado no programa de extensão tem como principal propósito construir poder popular, indo além dos muros da universidade. “Eu acho que é interessante aproximar o estudante, que ficaria só no discurso e estaria trabalhando em uma empresa daqui a cinco anos, dessa perspectiva de militância séria, de fortalecimento de um projeto de sociedade melhor.”

Para João Pedro Salva Geddo, aluno do programa de dupla formação Poli/FAU, o ponto alto é o desenvolvimento teórico partindo de demandas práticas. “As pessoas chegam aqui e começam fundamentalmente de um trabalho e a partir do contato com a sociedade, surgem as discussões e a teorização. As pessoas se politizam durante o processo.”

Os estudantes criticam a postura da esquerda na USP e os vícios do movimento estudantil atualmente. “Apesar de eu achar importante participar da vida política da universidade, acredito que essa radicalização do discurso e a disputa pelas estruturas de poder acaba o deixando sem contato com a realidade,” explica Pérez. “Não é uma questão de cursos de exatas ou humanas. Existem diversos grupos da FAU, da Geografia e no IRI que realizam projetos de extensão similares. Precisamos assumir nossas limitações e partir do fortalecimento das bases.”