Por um jornal sob o comando dos alunos

Após 33 anos dedicados ao Jornal do Campus, o professor José Coelho Sobrinho se aposenta no próximo semestre Foto: Ana Luiza Tieghi

O professor José Coelho Sobrinho dedicou toda sua carreira à USP, onde permaneceu desde a graduação até a docência. Foi três vezes chefe do Departamento de Jornalismo (CJE) e um dos professores mais ativos da unidade. Ele também acompanhou o Jornal do Campus (JC) desde sua criação. No total, são 33 anos de dedicação ao jornal, dos quais 15 ele assumiu as turmas sozinho. Tantos anos de trabalho refletem a sua crença na importância do JC para o ensino do jornalismo e para a comunidade da USP.

Como Coelho se aposenta este  fim de semestre e deixa a frente do jornal, o plano inicial era escrever um perfil seu nesta página. O projeto foi abandonado, no entanto, porque ele não se sentiu à vontade com a ideia. Por outro lado, o professor concordou em falar sobre o trabalho a que se dedicou em todos esses anos de JC. Essa visão de que falar sobre o jornal é mais importante reafirma a imagem que Coelho deixará registrada no CJE: a de um professor preocupado com o ensino e com o Jornalismo; que deu prioridade à graduação, indo contra a tendência da universidade de valorizar mais a pesquisa e o mérito individual dos pesquisadores e docentes.

Com anos de experiência a repassar, ele fala sobre seu trabalho com o JC, sobre a função do jornal e sobre aprendizado.

Como é o trabalho metodológico desenvolvido no JC?

Eu defendo uma proposta – que não é muito aceita – de que o professor tem que ser descartável. O aluno tem que ter a possibilidade de buscar os caminhos. Eu acho que respeitar cada aluno, seus direitos e valores, é uma forma de você acelerar o crescimento da própria sociedade. Então, no ensino superior, que é um momento em que a pessoa já tem conhecimento e maturidade, não deveria haver professor, deveria haver facilitador. Não deveria haver professor no sentido de profeta, aquele que prega para as pessoas. O professor está aí apenas para facilitar, orientar, organizar o ambiente para a pessoa desenvolver o seu conhecimento, o seu aprendizado. Existe uma diferença muito grande entre ensinar e aprender. Eu não estou aqui para te ensinar, eu estou aqui para facilitar o seu aprendizado. O interessante é você conhecer cada pessoa e trabalhar com ela, não toda a turma. E a proposta é o aluno aplicar no JC aquilo que já aprendeu anteriormente.

Qual é a importância dessa experiência para os alunos?

Acho que a produção do Jornal do Campus pelos alunos é importante porque mostra a eles que o jornal não é o trabalho de uma pessoa só, que é o trabalho de um conjunto. Se alguém do conjunto falhar, o jornal falha. Outra coisa que eu acho importante é que as pessoas aprendem a conviver com as diferenças. Elas aprendem que  terão que trabalhar juntas, independentemente das relações pessoais, porque têm uma função, um trabalho a ser feito. Ainda, eu vejo a experiência muito nesse sentido: o Jornal existe para formar jornalista, não para fazer jornal. E é essa formação que eu acho que é o nosso grande diferencial. Aqui você não tem o seu espírito crítico cerceado. Você pode criticar. Aqui você pode dar sua sugestão, criar seu próprio caminho.

Qual é o diferencial do Jornal do Campus em relação a outros jornais laboratório de cursos de jornalismo?

Nós não fazemos um jornal laboratório, nós fazemos um jornal para a comunidade da USP. Isso porque jornal laboratório é algo mais fechado, que você tem que produzir dentro do seu espaço físico. Se você cometeu algum erro, ele fica ali dentro. Já nós fazemos um jornal com 10 mil exemplares distribuídos para a comunidade da USP. Então, nós fazemos um jornal verdadeiro. Por isso que eu falo que, se eu não faço um jornal laboratório, eu não tenho que tratar as pessoas como alunos. Eu tenho que tratá-las como profissionais. Da mesma forma que falo que as pessoas têm que relacionar-se com o Jornal do Campus como profissionais, não como alunos.

Na sua opinião, qual é a importância do JC para a comunidade da USP?

O JC conseguiu criar uma credibilidade que se tornou a sua grande marca. Ele não é institucional e não é engajado. Por isso, sua função é ser um periódico independente e apolítico. Dirige-se a um público extra pares e tem, nesses últimos quinze anos, um projeto editorial que procura cumprir de forma ética e responsável. Defende o patrimônio intelectual, histórico e físico da USP, o ensino público e gratuito de qualidade, e é  intransigente na defesa da democracia. Creio que os seus leitores habituais conseguem extrair esses valores de sua cobertura, por isso o JC é o fiel da balança da interpretação dos fatos que ocorrem na Universidade de São Paulo. Ele é um  instrumento do interesse público e dos direitos fundamentais do cidadão. Não raramente, critica os órgãos da universidade pela falta de transparência. O JC procura fazer com que os professores da USP interfiram nos acontecimentos nacionais, afinal a nossa universidade é considerada a mais importante do país e não se mostra como partícipe dos destinos do Brasil. Um dos reitores da USP, no final da década de 80, disse que o JC era importante porque ele noticiava o que ele [reitor] não gostaria de saber e que os seus assessores evitavam informar. Por isso, o jornal era um importante auxiliar de sua administração.

Quais são os desafios de se fazer o JC?

Nesses 15 anos que eu estou só no jornal, eu fiz o possível para não usá-lo como poder. Tanto assim que os alunos tem liberdade total. O jornal não existe para atacar ou favorecer alguém e espero que nunca seja usado dessa forma. Durante a sua existência algumas pessoas tentaram, sem sucesso, usar as páginas do JC para fazer política, criticar desafetos e disseminar boatos. Recebemos muitas propostas de cobertura de eventos e entrevistas, e eu não repasso aos alunos porque eu acho que isso não é válido para nós, jornalistas. O que é válido é o fato jornalístico, se ele é ou não importante para a sociedade. Tanto assim que nós não temos nenhum tipo de compromisso institucional. Quando precisamos falar do reitor, da reitoria, nós falamos, dentro da nossa convicção. Nós estamos fazendo aquilo que entendemos que a comunidade acha importante. Já fomos acusados pelos leitores  de sermos chapa-branca porque o jornal entendeu que aquela atitude da reitoria era a mais correta.