Prisão foi para coibir ativistas, diz Hideki

Fábio Hideki Harano
Fábio Hideki Harano esteve preso por 46 dias sem evidências (Foto: Jacqueline Magallanes)

No dia 23 de junho, Fábio Hideki Harano foi preso dentro da estação Consolação do metrô. O que se seguiu foram 46 dias de reclusão em Tremembé, sem que houvesse evidências de que portava explosivos no momento de sua prisão. Hoje, ele responde em liberdade processos por desobediência, incitação ao crime, porte de material explosivo e associação criminosa. Estudante de Jornalismo e funcionário da USP, Hideki se propôs a conversar com o Jornal do Campus.

Jornal do Campus: Em coletiva, foi dito que você foi um “preso eleitoral”. Você poderia explicar melhor?
Fábio Hideki Harano: As prisões de junho serviram para “mostrar serviço”, para atender a uma demanda de setores da sociedade que cobravam punição ao chamado black block. Há setores – influentes, por sinal – na sociedade que vinham cobrando que o governo “desse um jeito na situação”, com ou sem fundamento.

No momento da prisão, você usava o EPI (equipamente de proteção individual). Uma vez que sua conduta estava longe de ser agressiva, você acha que isso serviu para te marcarem, como você disse?
Certamente. Policiais civis do DEIC disseram que eu estava marcado, que receberam ordens de me seguir e de me prender. A polícia já estava de saco cheio, ultrajada com o japonês cabeludo, de capacete, de roupas grossas e que procura garantir o direito de continuar se manifestando, tentando convencer mais gente a não sair correndo à primeira bomba.
Pelo que os próprios policiais falaram, o governo do Estado queria se livrar de mim. Não seria o caso se eu fosse alguém que só vai a manifestações para fugir à primeira bomba e depois chorar as pitangas na internet, dizendo que a maior manifestação será nas urnas.

O Suplicy e o Padre Lancellotti te apoiaram muito em todo o processo. Como se deu exatamente o suporte deles?
Além do companheiro Júlio Lancelotti ter relatado tudo o que presenciou em muitos vídeos e eventos, ele ajudou muito a divulgar a luta contra a prisão absurda. Ele também participou de muitos atos públicos, e foi bem marcante sua fala: “Ninguém vai fazer eu mudar de opinião!”
O companheiro Suplicy também ajudou a divulgar o caso e, fazendo uso de sua posição como senador, enviou formalmente cartas se opondo veementemente a minha prisão para Fernando Grella Vieira (secretário de Segurança Pública e Negócios do Estado), para o governador Alckmin, para o juiz Marcelo Matias Pereira (que me chamou de “esquerda caviar”) e para o desembargador que julgou a liminar de habeas corpus. E ele só não me visitou na penitenciária porque esteve ocupado prestando homenagens a Plínio de Arruda Sampaio, que havia morrido há pouco.

Você chegou a ler a carta dos docentes do curso de Jornalismo contra sua prisão? Qual sua situação no curso?
Eu estava com o curso trancado em função de dilemas particulares envolvendo livre pensamento, burocratização do ensino, negação da educação que não seja formal e documentada, academicismo e fetichização do diploma de ensino superior. Mas, sim, li a carta e agradeço muito, pois ela repercutiu e foi anexada à defesa.

Sobre os policiais querendo se livrar de você: a sua impressão era que esse “se livrar” era algo definitivo ou te colocar na cadeia por uns anos?
A impressão que tenho é de que fui pego como bode expiatório, para que muitas pessoas ficassem com medo de participar de manifestações, mesmo que eu não fique alguns anos na cadeia.

Há possibilidade de você voltar à prisão?
Sim. Estou apenas respondendo em liberdade. A prisão preventiva, que deveria ser aplicada apenas em casos gravíssimos, infelizmente é muitíssimo comum. Foi só disso que me livrei. Dependendo do resultado do processo, é capaz, sim, de eu ser condenado à reclusão.

Quando sairá essa decisão?
Não se sabe. A defesa prévia foi entregue no dia 21/08, com as minhas testemunhas arroladas. Haverá audiências e, após isso, o julgamento. Se eu for condenado por desobediência, incitação ao crime e associação criminosa, a pena acumulada não chega a me levar à reclusão. Acontece que, sobre o porte de explosivo, a farsa se sustenta com um papo de que pode ter acontecido evaporação do material.
A sanha persecutória, a insistência, é grande. Não é à toa que tanto se usa a frase: “A luta continua!”

E sua vida agora, como está? Você disse que está de molho.
Tendo em vista meu relativo isolamento social, não estou mais participando da greve da USP como delegado do comando de greve. Não tenho feito aparições públicas em assembleias, manifestações, reuniões abertas. Nem festas eu tenho frequentado!
Assim, tenho ficado muito em casa e participando da greve mas sem ser delegado, piqueteiro, manifestante.
Na tarde de segunda-feira, dia 18 de agosto, meu avô materno morreu dormindo, aos 81 anos. E desde a terça-feira eu estou com sinusite, às vezes mais forte, às vezes mais fraca. Além disso, corri atrás da defesa prévia do processo, entregue na quinta-feira, dia 21.

A truculência com que a PM lida com manifestantes: você acha que é algo que vem aumentando?
Vem aumentando, certamente. Nos últimos tempos os PMs que acompanham as manifestações são os que, de maneira visível e expressiva, gostam de reprimir. Isso fica ainda mais evidente com a Tropa do Braço (que conta com PMs armados logo atrás) e sua composição de voluntários ávidos por ação – não são voluntários “paz e amor”, que querem apenas evitar conflitos e lutar na defensiva – como eu.
Há uns anos podiam ser vistos uns policiais que, pelo menos aparentemente, não queriam estar lá nem bater em ninguém, parecendo achar um saco estar em manifestações. E ultimamente o que mais se vê é um monte de PM avidamente agressivo.

Você é ligado ao Sintusp. Quais suas considerações sobre a situação da USP: a greve e a nova gestão?
Sobre a greve, eu a considero mais do que legítima. Costumo dizer que “greve” em inglês é “strike”. E essa é a ideia. Não é simplesmente parar de trabalhar. A greve envolve manifestação e pressão, tendo em vista que as tão elogiadas vias do diálogo mais uma vez se mostraram exaustivamente infrutíferas.
Com filhos para criar, casas para cuidar e vidas a tocar, como fazer movimentação cumprindo expediente normal de serviço?
A greve acontece quando a normalidade é insuficiente para a expressão da luta popular. Assim, o tempo e a energia que deixam de ser usados no expediente normal de trabalho dão lugar às legítimas ações de pressão.
Sobre a (sic) Nova REItoria, a gestão Zago é continuidade da gestão Rodas.
Rodas brincou de banco imobiliário com a USP, gastando rios de dinheiro com construções faraônicas, desmatamentos e alugueis absurdos, mas o dinheiro não era de mentirinha.
Ele havia deixado um enorme abacaxi para qualquer um que o sucedesse, e acabou que foi Zago. Considero que um dos motivos para Zago não ter feito uso da presença ininterrupta da PM por todo o campus (possibilidade aberta pelo escuso convênio de Rodas e que torna a USP um local diferente de todos os demais, em um estado de exceção) foi o forte aviso, feito aos trancos e barrancos desde 2009 sobre a função repressora da PM no campus.
Acontece que, intransigências de Zago, legado maldito de Rodas, contas fechadas da USP, planos de desvinculação de serviços de saúde e falta de democracia de base à parte, a sonegação do repasse de ICMS para as universidades paulistas é algo que a (sic) REItoria, o governo do estado e grande parte da assembleia legislativo vêm tratando como tabu.

Em algum momento você achou que não seria solto?
Sim. Em Tremembé eu procurei lidar com a possibilidade de ficar preso até o julgamento, de passar Natal e Ano Novo na penitenciária.
Tendo em vista a perseguição escancarada e as negações de pedidos de habeas corpus, preparei minha cabeça para a possibilidade de passar meses na cadeia.
Reitero que, apesar da penitenciária de Tremembé ser bem menos ruim que muitos e muitos lugares sujos, insalubres e superlotados, não é bom estar preso. Não mesmo! Eu não via a hora de sair de lá.