Estrutura precária eleva o risco do ebola

Saiba mais detalhes sobre o ebola (Infográfio: Thiago Quadros)

O mundo vive hoje o pior surto de ebola da História, que já infectou mais de 3.062 pessoas e matou mais da metade delas em quatro países: Guiné, Libéria, Serra Leoa e Nigéria. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é a terceira vez que uma doença representa um risco mundial. Os outros dois casos foram a pandemia global de H1N1, em junho de 2009, e o surto de pólio, em maio de 2014. O crescimento da atual epidemia relaciona-se com a chegada do vírus às áreas urbanas, onde há maior densidade demográfica e possibilidade de contágio.

O ebola é uma doença provocada por um vírus e originária do antigo Zaire, atual República Democrática do Congo. Foi descoberta em 1976, inicialmente em gorilas, e acredita-se que os primeiros humanos que a contraíram foram contaminados após ingerirem a carne do animal. Na época, o primeiro surto resultou em 602 casos e 431 mortes, enquanto os posteriores, que eclodiram em 1995, 2000 e 2007, totalizaram mais de 200 mortes por ano.

A jornalista e repórter especial da Folha de S. Paulo, Patrícia Campos Mello, passou dez dias em Serra Leoa, país no oeste da África, e foi uma das pioneiras na imprensa brasileira a chegar ao epicentro da epidemia. “Cheguei primeiro na capital, Freetown, e depois fui para outras cidades. Uma delas foi Kenema, onde fica o principal hospital do governo que está concentrando os casos de ebola. A outra foi Kailahun, sede do hospital do Médicos sem Fronteiras (MSF), onde também estão tratando os pacientes infectados pelo vírus”. Para ter acesso às cidades foi necessária a obtenção de um passe, explica ela, já que as cidades estão isoladas em um cordão sanitário – técnica medieval de combate a doenças que não era utilizada há quase um século.

Patrícia, ao relatar sua experiência no local, conta que Serra Leoa está vivendo um pânico generalizado: “Há faixas em todos os lugares, as igrejas católicas e evangélicas pregam a salvação e rezas contra o ebola. A todo momento é necessário lavar as mãos com água e cloro”. Segundo ela, a maior dificuldade para erradicar o vírus e quebrar a cadeia de transmissão não está mais na desinformação da população, mas na precariedade de infraestrutura dos países atingidos pela epidemia. “No começo, as pessoas acreditavam que os hospitais e o ‘homem branco’ é que matavam, e isso dificultava o isolamento e tratamento adequado dos pacientes. Muitos doentes eram mantidos em casa, e acabavam por infectar a família inteira. Agora, depois da ampla campanha de conscientização promovida pelos governos locais, MSF, Cruz Vermelha e OMS, a população está mais informada”. No entanto, a dificuldade para alcançar certas regiões é enorme, as estradas quase não existem. Em Kailahun, por exemplo, há apenas quatro ambulâncias para 480 mil pessoas, explica a repórter. “O sistema de saúde está completamente sobrecarregado. A única maneira de abreviar a duração da epidemia é se os outros países se mobilizarem para ajudar como puderem, enviando médicos, infectologistas, equipamentos e auxílio financeiro”.

A epidemia de ebola também é um assunto que tem provocado grande polêmica, relativa tanto à falta de pesquisa por uma vacina ou cura para o vírus, quanto à política de utilização das drogas experimentais. De acordo com a jornalista, o problema é que o ebola pertence às chamadas “doenças negligenciadas”, como a malária e a doença de Chagas. “São doenças que só atingem gente pobre, países subdesenvolvidos. Então, não há interesse da indústria farmacêutica em investir milhões em pesquisa, já que é muito mais rentável e seguro investir em Viagra para disfunção erétil e remédios para câncer e pressão alta, doenças prevalentes em países desenvolvidos”. Já a questão das drogas experimentais abrange não apenas o campo econômico, mas também o político. “A droga Zmapp, desenvolvida por uma empresa americana, ainda estava em fase de testes quando foi ministrada ao médico americano Kent Brantly e à missionária americana Nancy Writebol. Surge então um dilema ético: por um lado, é certo distribuir uma droga que não foi testada, que não se sabe os efeitos colaterais e pode levar à morte? Por outro, se a droga é a única esperança, uma vez que as pessoas estão morrendo, não vale a pena tentar, apesar dos riscos? É certo negá-la?”. Para Patrícia, no entanto, a discussão perde importância após uma consideração: não há doses suficientes para todos, sendo droga experimental ou não. “Então, na hora de escolher, os americanos receberam a droga, mas o médico Umar Khan, considerado herói nacional por tratar mais de 100 pessoas com ebola, morreu infectado pelo vírus”.

Quanto à possibilidade de propagação da doença para outras regiões do mundo, inclusive o Brasil, as autoridades são categóricas: a chance é mínima, e os países estão preparados para adotar os procedimentos necessários e evitar o contágio. Em São Paulo, há o chamado Plano de Resposta a uma possível epidemia de ebola, que instrui qualquer pessoa com suspeita da doença a ser imediatamente encaminhada ao Instituto de Infectologia Emílio Ribas. O hospital de referência dispõe de 17 leitos de isolamento, além de trajes especiais completos para proteção dos profissionais de saúde que forem tratar os pacientes infectados. Segundo lista divulgada pelo Ministério da Saúde, cada estado brasileiro tem ao menos um hospital de referência designado para atender possíveis casos de ebola. Porém, Patrícia conta que a situação não é exatamente assim como dizem. “Claro que a possibilidade de uma pessoa infectada vir para cá [Brasil] e desencadear o surto é muito baixa, ainda mais porque só um doente sintomático transmite a doença. Mas, supondo que acontecesse, não há aqui a menor medida de prevenção. Nos aeroportos ninguém mede a temperatura, pergunta de onde você veio. Se eu estivesse contaminada, conseguiria entrar no país tranquilamente, o que é preocupante”, conclui a jornalista.

por BRUNA LAROTONDA