Futuro do Minhocão passa por incertezas

(Infográfico: Arthur Aleixo)

Depois de quase 50 anos cortando a paisagem urbana da região central paulista como um dos maiores exemplos da “engenharia bruta”, o elevado Costa e Silva – mais conhecido como “Minhocão” – pode estar com seus dias contados. O novo Plano Diretor, sancionado pelo prefeito Fernando Haddad no dia 30 de julho deste ano, prevê a desativação do complexo enquanto passagem viária, o que, consequentemente, põe em pauta o debate sobre o que deve ser feito com a área do elevado uma vez que este deixe de funcionar por completo. Da total demolição do elevado à sua transformação em um parque, grupos de opiniões divergentes têm debatido sobre o futuro da região e os impactos sociais e econômicos que cada medida pode trazer à cidade e à paisagem urbana.

“Acreditamos na possibilidade de transformar a estrutura em um parque linear com custo semelhante a demolição”, afirma Fernando Serapião, membro da Associação Parque Minhocão, associação sem fins lucrativos que tem como objetivo implantar um parque municipal linear, para pedestres e ciclistas, no Elevado Costa e Silva. Ao transformar o Minhocão em um parque elevado com ciclovia, criando um espaço público de lazer, reafirma-se a ideia de que a cidade deve ser feita “para pessoas” e não “para carros”. Segundo Fernando, há quase 25 anos o Elevado Costa e Silva já é utilizado pela população como área de lazer, para andar de bicicletas, caminhar ou correr, desde que a gestão Luiza Erundina fechou-o durante as noites e domingos. “Em outras palavras, ele já é um parque. Mas, com uma transformação, poderia tornar-se muito mais confortável, tanto para os usuários quanto para os moradores que vivem em frente a estrutura”, explica. O parque seria então um símbolo de uma cidade nova, mais humana, que “prioriza o ser humano – e não a máquina -, e consegue transformar suas cicatrizes em algo positivo para sua história”.

Embora a ideia do parque seja bastante positiva na teoria, ainda há muito a se pensar antes de colocar  o plano em prática. “A transformação em parque é uma alternativa interessante, mas também deve ser acompanhada de um projeto de ocupação crível. Essa opção é menos dispendiosa na sua implantação imediata, mas o custo de manutenção de um parque não é pequeno. Alguns moradores da região temem essa solução e é preciso considerá-los na análise de viabilidade dos projetos”, explica o professor da Faculdade de Economia e Administração da USP André Chagas. Em outras palavras, é preciso refletir sobre os impactos que a criação do parque poderiam trazer à região – bem como a viabilidade financeira do setor público em bancá-la. Um dos primeiros fatores a ser pensado neste caso é a valorização dos imóveis nas áreas ao redor do elevado. “Caso a demolição venha acompanhada de um aumento de engarrafamento, ou caso o parque não receba os cuidados devidos, e fique abandonado com o passar do tempo, não é de se esperar por valorização dos imóveis atuais”, explica o professor, “assim, assumindo que os imóveis se valorizem, o aumento no custo da terra (aluguel) poderá implicar em uma mudança no padrão de moradores locais”.

No que se refere aos custos da empreitada, seria preciso um debate aprofundado com a Prefeitura para o acerto de contas. “Uma parte do financiamento poderia vir de um expediente nunca utilizado no Brasil, que se chama “contribuição de melhoria”. Os proprietários de imóveis na localidade poderiam pagar um imposto proporcional ao incremento de sua riqueza, representada pela valorização do imóvel. Implementar essa taxa, no entanto, é muito complicado, tendo em vista nossa atual jurisprudência”, explica André. Outra alternativa mencionada pelo professor como uma saída para o acerto de contas seriam as chamadas “operações urbanas”. Por meio delas, o poder público dimensiona o potencial de construção do local e investidores adquirem direitos de construção (Cepac). “Algo similar foi feito na operação urbana “Faria Lima”. É com esses recursos que a Prefeitura está revitalizando o Largo da Batata, construiu os túneis que cruzam a Rebouças, Cidade Jardim, dentre outras obras”, completa.

Com o investimento na área e na revitalização da região, surge mais uma questão: a eventual valorização dos imóveis não afetaria negativamente os moradores de apartamentos alugados na área? “Estamos conscientes da possível valorização dos imóveis na região. Por isso, imaginamos ser necessário a participação neste processo da Secretaria Municipal da Habitação para que a população de baixa renda não seja expulsa da região devido ao possível aumento dos aluguéis”, pontua Fernando. É importante lembrar que o projeto da Associação Amigos do Parque Minhocão ainda não está completo, uma vez que o grupo acredita que os usos do parque devam ser propostos pela própria comunidade, elegendo a melhor proposta entre arquitetos interessados por meio de um concurso, para que todos os lados da questão sejam contemplados.

Independente de seu futuro, o Minhocão como complexo viário está, sim, com seus dias contados. A cultura carro-cêntrica da sociedade paulista atual deve encontrar cada vez mais desafios para superar as mudanças na mobilidade e na paisagem urbanas, na medida que o governo e a própria população encontrem meios mais eficientes e menos danosos ao ambiente para se locomover.

por ANA CARLA BERMÚDEZ e MARIA ALICE GREGORY