Lei assegura, mas USP não abre contas

Transparência de documentos da Universidade é determinação legal, mas pedidos de acesso às informações ficam sem respostas (Foto: Júlia Pellizon)

Em seu artigo para o jornal Folha de S. Paulo (publicado em 26 de maio deste ano), o atual reitor da Universidade de São Paulo (USP), Marco Antônio Zago, tenta esclarecer a sua postura em prol da transparência burocrático-financeira e do diálogo envolvendo a comunidade uspiana, ambos elementos relevantes defendidos por sua gestão. Coincidência ou não, um dia após a divulgação do texto, iniciou-se a greve nas universidades estaduais, frente à inexistência de reajuste salarial aos funcionários para o ano de 2014.

Com mais de 100 dias de paralisação, essa greve foi a maior da história da Universidade e apenas reflete um dos sintomas da crise financeira que adoece a instituição. Zago afirma, também no artigo, como a gestão anterior do João Grandino Rodas limitava o acesso de questões financeiras a apenas alguns membros da Reitoria. Se esse cenário não pôde ser conferido pelos próprios dirigentes da USP, ainda que existam correntes ideológicas que desacreditem nessa versão do reitor, evidencia-se a falta de clareza na divulgação dos documentos relativos ao funcionamento interno do sistema uspiano.

LAI E SOLICITAÇÕES

Os debates que surgiram, tanto na imprensa quanto dentro da própria Universidade, trouxeram um elemento até então esquecido, a Lei de Acesso à Informação  (n° 12.527, de novembro de 2011). Em vigor há três anos, a LAI assegura o direito fundamental de acesso a tais conteúdos de entidades controladas de maneira direta ou indireta pelo Estado. A USP se manifesta como autarquia de regime especial, ou seja, instituição vinculada Estado de São Paulo, porém com autonomia administrativa e financeira. Mesmo com essa especificidade, essa categoria se enquadra aos órgãos submetidos à lei, portanto, qualquer cidadão pode conferir os documentos com dados sobre a Universidade.

A prática, entretanto, mostra-se diferente da legislação. Samuel Godoy, mestrando em Ciência Política na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e co-criador do blog Crise na USP junto com outros três estudantes da pós-graduação, solicitou em setembro deste ano dados de pagamentos de salários, porém ainda não obteve resposta. “De acordo com a LAI, a instituição tem o prazo de 20 dias para responder à solicitação, apresentando meios de acesso aos dados solicitados ou justificando a impossibilidade de fornecimento dos mesmos”, conta o estudante. O mesmo aconteceu com o professor-doutor e docente do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP, Jorge Machado: “Em quatro casos, foi necessário acionar à Corregedoria-Geral da Admnistração do Estado”. Machado ainda aguarda parecer de três pedidos de informações, os quais, em suma, requisitam detalhes sobre o orçamento da instituição, remuneração de docentes e funcionários, patrimônio imobiliário e renda de aluguel de imóveis.

DISPONIBILIDADE DE INFORMAÇÃO

Buscar arquivos e documentos de instituições presentes no cotidiano da população, até agora, é um hábito que não faz parte do comportamento natural do brasileiro. Por isso, explica-se facilmente a dúvida de qual conteúdo integra o interesse das pessoas e, como consequência, onde se encontra o limite que divide a relevância pública, invasão e quebra de sigilo. A LAI comunica, de maneira clara, que sob duas instâncias é possível manter a discrição do conteúdo. A primeira, quando a informação é de cunho pessoal do servidor, por exemplo, o endereço residencial; já a outra exceção se emprega em casos de informações que possam causar danos ou oferecer risco à segurança do Estado.

Subentende-se, então, que os documentos ligados às finanças e à gerência da Universidade devem ser disponibilizadas por ela. Inclusive, a lei garante que o acesso independe de solicitações, e sim deveriam ser divulgadas pelo órgão. Atualmente existe o Portal da Transparência do Estado de São Paulo, o qual contém uma documentação restrita das instituições vinculadas ao governo estadual. Godoy também já usou desse recurso, porém não obteve sucesso com as informações procuradas: “As únicas fontes acessíveis de dados – no sentido de facilidade determinada pela LAI – são a página de anuários estatísticos, e em menor grau o Portal da Transparência”.

Informações básicas, como dados específicos de cada unidade mantida pela USP, também são difíceis de se encontrar e, para os membros do Crise na USP, dificultam a reflexão e análise do estado da universidade. Aliás, a falta dessa transparência de dados, de certa forma, estimula a situação corrente: “Há muitos fatores para que a crise da USP tenha chegado ao estado atual […] a falta de informações e de diálogo com a comunidade uspiana e o baixo nível de acesso à informação estão entre os principais”, descreve o mestrando.

POR QUE ISSO ACONTECE?

Se a Lei de Acesso à Informação está em vigor desde 2011, o porquê de ainda faltar transparência de dados dentro da USP é questionado. A proposição do atual reitor para uma ampla abertura de dados à comunidade uspiana e à população paulista não se concretiza. A falta de cumprimento da LAI se relaciona diretamente com a cultura de transparência das instituições para os criadores do Crise na USP, aspecto que Machado endossa: “a USP não se adequou à LAI pois é necessário criar um setor que acolha e direcione os pedidos, há que capacitar pessoal e, principalmente, há que vencer a cultura do sigilo”.

A transparência embaçada de dados ainda é presente na USP, mas poderia ser resolvida no ponto de vista do professor de Gestão de Políticas Públicas, pois “A lei é clara, a USP pode até facilitar disponibilizando de forma pró-ativa essa informação em sua página web. Seria mais fácil fazer isso, do que ficar respondendo a muitos pedidos à mesma informação”. Qualquer cidadão pode solicitar as informações de interesse público, em um processo simples que já funciona com outras instituições, como documentos da Prefeitura da capital paulista, como descreve Godoy: “Os sites do governo federal e da Prefeitura de São Paulo, por exemplo, são bastante completos e possuem ferramentas muito fáceis de consulta e abertura de pedidos de informação”.

Se a USP se empenhará para a publicação espontânea desse conteúdo ainda não sabemos, porém existe uma lei que legitima as solicitações de documentos. Inclusive, nesta edição do Jornal do Campus, uma das matérias é sobre o processo movido pela Folha de S. Paulo para a divulgação de salários e extras pagos a funcionários e professores instituição, conquistada judicialmente pela solicitação não atendida do jornal. Por aí, pode-se compreender que a Universidade se abrirá apenas por meio da boa vontade dos seus dirigentes. Buscar e exigir a informação é responsabilidade tanto uspiana quanto dos cidadãos paulistas, já que, até o papel que imprime este texto sai do seu bolso.

por JÚLIA PELLIZON