Estudo desenvolve coração artificial no Brasil

(Infográfico: Arthur Aleixo)

Corações artificiais não são nenhuma novidade tecnológica. Os primeiros modelos que surgiram foram desenvolvidos para substituir o coração natural e, portanto, eram muito grandes e pesados, além de serem passíveis de falhas ou defeitos. Frente a esses problemas, pesquisadores de todo o mundo passaram a estudar modelos alternativos que fossem mais práticos, adequados e seguros. O professor Pai Chi Nan, do Departamento de Engenharia Mecatrônica da Escola Politécnica da USP, é um desses pesquisadores. Ele explica que uma solução encontrada foi criar novas bombas que, ao invés de substituir todo o coração, apenas facilitam o seu funcionamento.

“Nosso coração é dividido em dois lados, o direito e o esquerdo. Enquanto o lado direito manda sangue para o pulmão, o esquerdo manda para o restante do corpo, o que o torna mais suscetível a doenças. Então, já que trocar tudo é um risco, optou-se por um método não tão invasivo, que consiste em ajudar apenas o lado esquerdo a bombear sangue para todo o corpo. Isso começou a ser chamado de ventrículo artificial”, explica o professor. Dessa forma, a bomba de sangue é conectada ao ventrículo esquerdo do paciente, e assim ela auxilia na distribuição do sangue. A grande vantagem, além do tamanho reduzido do dispositivo, é que, se ele falhar, o paciente ainda tem o próprio coração funcionando por tempo suficiente para chegar ao hospital e trocar a bomba.

BOMBAS MAIS EFICIENTES

Pai esclarece que, hoje, há dois tipos de corações artificiais produzidos no mundo: os rotativos e os pulsáteis. Na bomba pulsátil, há uma válvula responsável por aumentar e diminuir a quantidade de ar e sangue em uma câmara, ambos separados por uma membrana. Assim, ao inflar a câmara, o ar que está dentro é que irá empurrar o sangue para fora em jatos, como o coração natural faz. No entanto, esse tipo de dispositivo ainda é considerado muito grande, e por conta disso é ineficiente para bombas de longo prazo. Para compactar ainda mais, foram criadas então as chamadas bombas rotativas, que funcionam basicamente como uma bomba de aquário. “O dispositivo é conectado no ventrículo esquerdo, seu mecanismo puxa o sangue para dentro e depois o joga na aorta, distribuindo para o restante do organismo”, explica o professor. Dentro dessa bomba, há duas partes principais: o estator e o rotor, sendo que o estator é a parte fixa, e o rotor é a parte móvel, que gira para impulsionar o sangue para a frente. Para manter esse rotor no lugar, de forma que ele gire em torno de um eixo fixo, é necessário ter um ponto de apoio, que é chamado de mancal.

PRAZO DE VALIDADE

O grande problema que ainda não foi solucionado nessa área de coração artificial refere-se à durabilidade das bombas. “A ideia de fazer uma bomba durar o máximo possível tem o objetivo de eliminar a necessidade de um transplante futuro”, declara Pai. Primeiro, porque toda vez que um paciente é operado ele passa por diversos riscos de contaminação, além de ter que tomar inúmeros medicamentos e imunossupressores para evitar uma possível rejeição. Segundo, pelo fato de que é muito difícil encontrar doadores, e muitos pacientes acabam por morrer na fila de espera para o transplante, sem contar os pacientes que sequer podem entrar na fila de espera, como os infectados pela Doença de Chagas, por exemplo. “A contribuição da minha pesquisa, dessa forma, além de desenvolver o coração artificial no Brasil como um produto nacional, é também encontrar formas de prolongar a sua durabilidade”, afirma Pai. A bomba rotativa, ainda que seja a mais duradoura, sofre desgaste no seu ponto de apoio, por conta do contato e do atrito. Além de estragar o equipamento com o tempo, o contato intenso pode até mesmo produzir calor, destruir as hemácias do corpo e, consequentemente, formar coágulos por alterar as proteínas. Assim, “ao invés de usar o mancal convencional, que exige contato, eu uso um mancal magnético, pois as forças eletromagnéticas mantêm o rotor levitando dentro da bomba”, explica o pesquisador.

NOVIDADE NO PAÍS

“Apesar de este novo modelo de coração artificial ou ventrículo artificial já existir no mundo, ele ainda não existe no Brasil”, declara Pai. “Atualmente, com o aumento da obesidade, as doenças cardíacas tornaram-se um problema mundial, então há muitos grupos fazendo pesquisa nessa área, principalmente em locais como Japão, EUA e Europa”. O problema de importar essa tecnologia, explica ele, é que ela é muito cara. “Cada bomba custa cerca de 500 mil dólares, mas não é só trazer a bomba para cá e implantar. Nós não temos hoje engenheiros habilitados a supervisionar esses procedimentos, nem cirurgiões com experiência para realizar esse tipo de transplante”. Por isso, é importante que o Brasil desenvolva as próprias bombas de sangue, para que elas se tornem mais acessíveis à população que necessita desse dispositivo. “Com um apoio do governo, principalmente para financiar as pesquisas, eu acredito que em cinco anos nós poderíamos ver alguém, no Brasil, se beneficiar com essa tecnologia. O envolvimento do governo é fundamental”, ressalta Pai, “pois além de as empresas privadas serem relutantes a investir em pesquisa nessa área, o coração artificial, mesmo depois de pronto, não será barato e acessível para todos”. Assim, “fazer um produto que pode salvar vidas, mas que só quem tem dinheiro pode ter acesso fica muito restrito, e, para mim, não é nada justo”, afirma o professor.

por BRUNA LAROTONDA