Grafite é coberto para a divulgação de show

Na madrugada de 29 de setembro, um painel inteiro de grafite no túnel José Roberto Melhem, que liga a avenida Paulista, avenida Rebouças e Dr. Arnaldo, foi apagado para dar lugar à divulgação do Show Medicina. O evento, que acontece há mais de 70 anos, removeu um grafite que havia sido contratado pela prefeitura de São Paulo e estava previsto para ficar exposto por um ano.

Em nota, divulgada na última quarta-feira (8), a diretoria do evento se retratou pelo ocorrido. “Lamentamos profundamente o ocorrido e gostaríamos de nos desculpar junto aos artistas envolvidos, à Coordenadoria da Juventude, à toda Faculdade de Medicina e à sociedade paulistana como um todo”. Além disso, admitiram a gravidade da atitute tomada, dizendo sentir muito pela repercussão do ocorrido, que ocasionou tamanha exposição da FMUSP.

Diante disso, a diretoria do evento se propôs a arcar com uma nova intervenção artística no túnel, cujo grafite apagado havia custado R$50 mil à prefeitura. “Oferecemos nossos esforços para que se organize um evento de recuperação do painel, custeado por nossa instituição, reunindo os artistas lesados e os participantes do Show Medicina”.

VIOLÊNCIA

Além da polêmica que envolveu a discussão sobre a privatização dos muros e a arbitrariedade da divulgação, outros pontos em relação ao teor do evento têm sido levantados. Apesar de ter sido criado como uma forma de irreverência, que conta com a participação de alunos do 1º ao 6º ano de Medicina fazendo apresentações humorísticas e de sátiras a docentes da Universidade, atitudes tomadas lá dentro na suposta hierarquia que existe entre veteranos e calouros mostram eventuais excessos e opressões.

Luís Fernando Tófoli, ex-aluno da Faculdade de Medicina da USP, atual médico e professor de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, escreveu à CartaCapital sobre o caráter opressivo que o Show Medicina carregava quando ele era aluno da Faculdade. Segundo ele, por volta de 1993, “os veteranos recebiam os calouros de sexo masculino dentro do também tradicional teatro da Faculdade de Medicina, já bem tarde da noite, para uma sessão de trote pesado”. Além disso, os calouros eram forçados a situações embaraçosas que garantiam o entretenimento dos veteranos na platéia. Na época, o Centro Acadêmico Oswaldo Cruz denunciou os “espetáculos” e o Show perdeu acesso ao Teatro onde normalmente acontecia. Alguns anos depois, entretanto, o evento voltou no mesmo local.

Outros pontos trazidos à tona questionam a ausência de mulheres no evento, justificada por uma tradição da festa. No início do Show, as poucas mulheres presentes no curso de Medicina se dedicavam a customizar o figurino que os homens usariam em suas apresentações. Com o passar do tempo, essa foi se tornando a função fixa delas, sem que elas pudessem participar dos ensaios do Show ou das apresentações em si, ficando definido que o papel feminino seria apenas nos bastidores, em nome da tradição da Faculdade.

Questionada acerca do assunto, a Diretoria da FMUSP disse que tem se empenhado em aprimorar seus mecanismos de prevenção de todo e qualquer tipo de casos de intolerância e violência, criando ainda uma Comissão para questões de Violência, Preconceito, Consumo de Álcool e Drogas, que reúne docentes, funcionários e alunos.

por CAROLINA SHIMODA e PEDRO PASSOS