Irregularidades eleitorais e a dúvida: até onde estamos decidindo o futuro do nosso país?

(Ilustração: Maria Alice Gregory)

Em tempos de eleição, não se poupam esforços para expressar opiniões quando o assunto é o futuro do país. Ainda assim, em meio ao clima de “festa da democracia”, que leva tantos a acreditarem que têm um papel crucial nas decisões políticas do país, o questionamento do próprio processo eleitoral e suas falhas acabam passando quase despercebidas pela população.

Só no primeiro turno das eleições de 2014, um grande número de eleitores relatou impedimento de voto, bocas de urna e irregularidades no funcionamento das urnas eletrônicas. Vários depoimentos desse tipo, publicados nas redes sociais, foram compilados em um blog no Tumblr chamado “Fraude nas eleições” (fraudenaseleicoes.tumblr.com). Eles contam desde casos de eleitores que foram impedidos de exercer seu direito de votar ao serem informados que outra pessoa já havia realizado essa ação em seu lugar, até o mau funcionamento de teclas (números) específicas em determinadas etapas do processo de votação.

Existe ainda um questionamento intrínseco ao próprio uso das urnas eletrônicas no processo de votação. Utilizada no Brasil desde 1996, durante muito tempo acreditou-se que a urna eletrônica era muito mais confiável que o processo anterior, no qual as cédulas eram de papel, com votos manuscritos que passavam por uma contagem manual. 18 anos depois, após uma série de estudos e investigações, percebe-se que o sigilo de voto e a contagem incólume não são tão garantidos quanto se imaginava.

SISTEMA INSEGURO

Um estudo feito em 2012 por um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília aponta o sistema atual de votação como falho e incapaz de garantir a segurança ao eleitor. Os resultados revelam ainda o potencial de violação da contagem dos votos.

Segundo o relatório, em teoria, os votos deveriam ser armazenados na urna eletrônica e misturados aleatoriamente por um software programado para seguir um determinado algoritmo, assegurando o sigilo de voto de cada eleitor. No entanto, durante um experimento, os pesquisadores conseguiram colocar em ordem os 950 registros usados no teste, apenas reordenando os votos com base nos horários em que cada eleitor realizou seu voto.

Uma vez que os resultados foram apresentados à área de tecnologia da informação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o órgão deveria se comprometer a corrigir as falhas a tempo para as eleições seguintes, o que não aconteceu. Para as eleições deste ano o tribunal não realizou nenhum tipo de teste público nas urnas eletrônicas, embora tenha informado que, para a próxima votação, seria criado um grupo de trabalho cuja função se centraria no estudo e na proposição de soluções aos problemas referentes à segurança do sistema automatizado de votação adotado no país.

Ainda que as irregularidades encontradas não configurem um potencial escândalo, contemplam questões de suma importância para o debate político: estariam os nossos votos realmente escolhendo os representantes políticos que determinarão o futuro do país? Como podemos saber se o processo eleitoral é de fato legítimo e eficaz ou se há alguma fraude?

FISCALIZAÇÃO COLETIVA

A fim de buscar saber mais sobre essas irregularidades e promover a fiscalização do processo eleitoral, o professor Diego Aranha, da Unicamp, iniciou o projeto Você Fiscal, no formato de um aplicativo para Android. “O Você Fiscal avalia a etapa final da eleição, em um processo chamado totalização, que envolve a soma dos resultados parciais produzidos por urnas eletrônicas em todo o país”, explica Diego. Utilizando o aplicativo, o eleitor pode capturar fotos do Boletim de Urna (BU), recibo produzido por cada urna com o total dos votos em cada local de votação. No causo de fraude durante a transmissão dos dados emitidos pela urna para a central do TSE, seria possível a detecção apenas analisando esses boletins em suas versões físicas (impressos) e digitais, publicados no site do TSE. Por meio das informações contidas nas fotos, a equipe do projeto realiza a comparação entre os BU’s e facilita a conclusão sobre suspeitas de fraude. “A idéia do aplicativo surgiu após o TSE decidir que não realizaria testes de segurança da urna eletrônica em 2014, quando nos vimos no dever de fazer algum tipo de fiscalização. Como a urna eletrônica não é diretamente auditável pela sociedade, já que no sistema brasileiro não é possível para o eleitor determinar se seu voto foi registrado corretamente, decidimos fiscalizar pelo menos a transmissão dos resultados, ainda que por amostragem”, pontua. O projeto rompe a ilusão de segurança da votação automatizada, mas nem por isso se opõe ao uso da tecnologia nas eleições, estimulando a ação coletiva em direção ao aperfeiçoamento do processo eleitoral.

por MARIA ALICE GREGORY