Omisso com Rodas, Conselho Universitário busca se recompor

Em 2013, foram três reuniões do CO, comparadas a sete até agora em 2014 (Foto: Dimitrius Pulvirenti)

Protegidos por grades no seu portão de entrada, os representantes da gestão, das unidades, dos docentes, dos servidores, dos estudantes e da sociedade paulista decidem os rumos da maior universidade do país. O Conselho Universitário (CO) é o órgão máximo da Universidade de São Paulo (USP), com funções normativas e de planejamento, cabendo-lhe estabelecer a política geral da Universidade para a consecução de seus objetivos, segundo o artigo 16 do Estatuto da USP.

Uma semana antes de cada reunião, os integrantes do CO recebem da Secretaria-Geral da USP a pauta do próximo encontro: um documento que varia de tamanho conforme a quantidade de itens previstos, já chegando a ter mais de 400 páginas. O relatório sobre os hospitais universitários e a pauta da reunião que tratou de sua desvinculação chegou aos conselheiros quatro dias antes da reunião do dia 26 de agosto. Para cada item, seguem os pareceres das comissões. De acordo com José Renato de Campos Araújo, representante dos professores doutores no CO, o Conselho Universitário tende a seguir esses pareceres nas questões mais burocráticas, mas defende que questões mais polêmicas, como a desvinculação dos Hospital Universitário, sejam discutidas com mais antecedência.

FALTA DE REPRESENTAÇÃO

Araújo, que votou contra a desvinculação do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, o HRAC, enxerga na estrutura representativa do Conselho a causa para a falta de mudanças na USP. Descontados os membros da gestão – reitor, vice-reitor e pró-reitores -, 84 dos 114 integrantes são diretores de unidade ou representantes de suas congregações. “O CO é montado de uma forma que privilegia as unidades, representa pouco a diversidade da USP. Tinha que ter mais gente como eu, mais servidor, mais aluno. Qual é a representação lá? A burocracia”, disse.

 A cada ano, dez representantes discentes são eleitos para representar os alunos da graduação no Conselho Universitário. Para uma deles, Gabriela Ferro, “a representação discente e de trabalhadores é praticamente simbólica, não serve pra nada, a não ser para fazer enfrentamentos em palavras, necessários, mas que não influenciam nas decisões tomadas”. Outro representante discente, João Guilherme Ribas, no entanto, acredita que a composição do Conselho representa os melhores interesses da USP, já que os representantes da unidade fornecem uma visão gestora e da comunidade daquela Unidade. “Há quem argumente que, no caso da graduação, existir apenas 10% de representantes dos alunos é muito pouco. Eu discordo, é o suficiente para ter voz e conseguir apresentar e defender projetos para a nossa Universidade”, afirmou.

    Adalberto Fischmann, diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e membro da Comissão de Orçamento e Patrimônio do CO não acredita que o problema está na representação. “O problema está no conhecimento da matéria, compreender e entender as consequências. Quando você não tem transparência sobre as informações, você pode cometer equívocos”.

Explicando sobre as reuniões do CO na última gestão, Fischmann disse: “Não havia uma análise, mas tabelas ininteligíveis. Era como abrir um catálogo telefônico. O Conselho não tinha conhecimento do que quer que se passava com as finanças”, disse. Em 2013, o órgão máximo da universidade realizou três reuniões – o orçamento foi enviado ao conselho aprovado ad referendum. Em 2014 já foram realizadas sete reuniões.

FALTA DE COMUNICAÇÃO

Em 25 de março de 2014, o Conselho Universitário realizou uma reunião para debate sobre os trabalhos realizados pela comissão criada ainda na gestão Rodas para revisão do estatuto e dos regimentos da universidade. À ocasião, o reitor Marco Antonio Zago anunciou aos presentes que aquela reunião estava sendo gravada: “Entendo que é indispensável mantermos um registro histórico disto para o bem e para o mal, para aqueles que no futuro quiserem entender o que se passou neste momento, na Universidade de São Paulo”, disse.

A reunião marcou o início de uma série de discussões que iriam até o fim do ano para a reforma da universidade mas, apesar de gravada, não virou pauta no dia-a-dia da universidade, tanto por parte da reitoria como dos representantes.

Para João Guilherme Ribas, “o DCE sabia da existência de tais fóruns e optou por não agir democraticamente, levando as discussões à comunidade”. O Diretório Central dos Estudantes Livre (DCE-Livre) não divulgou em seu site ou no facebook sobre a reunião. Para Gabriela Ferro, a comissão só foi criada por Rodas pela pressão do movimento estudantil, mas é apenas um falso exemplo de diálogo utilizado pela reitoria. “O ideal e mais democrático seria um Congresso Estatuinte, amplamente divulgado entre todos os setores. Se fosse real a vontade de respeitar as demandas do movimento e de dialogar, a reunião não seria divulgada da forma mesquinha que é”, afirmou.

Martin Grossmann, diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) e representante dos institutos especializados no Conselho Universitário defende uma maior transparência sobre as reuniões do CO. “Deixar transparente não é difícil. Transmitir online, fazer com que a pauta e as resoluções sejam amplamente divulgadas”, indicou. No site da Secretaria Geral da USP, a última ata refere-se exatamente à reunião de março, enquanto as pautas não estão disponíveis para visitantes. Apenas as decisões tomadas no CO estão atualizadas, mas sem detalhamento sobre as discussões.

Suprindo esse espaço, o professor José Renato de Campos Araújo criou um blog para se comunicar com os professores doutores que representa. “[O blog] virou referência na Universidade”, orgulha-se. Para Araújo, a reitoria falha em não se comunicar bem com a comunidade universitária. “Eu não tenho um mailing dos professores doutores, a Secretaria Geral não quis me dar”, afirmou.

MUDANÇAS

Para todos os integrantes ouvidos pelo Jornal do Campus, mudanças estruturais são necessárias para retomar a representatividade do Conselho Universitário, principalmente uma reforma estatutária. “Essa estrutura de poder que nós temos surgiu de um debate que ocorreu na universidade no final do governo militar, no início da democracia. É um período de tempo muito grande”, explicou Martin Grossmann.

Para o diretor do IEA, a USP precisa buscar autonomia para colocar em prática uma política de estado para a universidade. “Nossa política é de governo, ela segue os parâmetros da política pública, onde há uma rotação a cada quatro anos. Nós não temos um plano que projeta o percurso dessa Universidade a longo prazo”.

Em contato com a reportagem, a Reitoria afirmou que dará prosseguimento às discussões sobre a estrutura de poder e governança da USP. Duas reuniões extraordinárias já estão programadas, além de outra que irá definir a forma e o calendário das delierações do Conselho. Além disso, todas as reuniões para  debater e estabelecer as alterações necessárias no Estatuto estão sendo transmitidas pela IPTV.