Trabalho irregular no Instituto Butantan

24 trabalhadores estão sem registro em carteira, com os salários atrasados e não têm uniforme adequado (Foto: Gabriela Romão)

No último dia 18 de setembro a Fundação Butantan foi notificada por irregularidades trabalhistas em obras nos imóveis do núcleo habitacional dos funcionários da instituição, que estão sendo adaptados para funcionar como laboratórios e salas administrativas.

Auditores da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) constataram que 24 trabalhadores estavam sem registro em carteira, com os salários atrasados, não possuíam uniformes adequados e não tinham à disposição vestiários nem local apropriado para descanso e alimentação.

A denúncia das irregularidades partiu da Rede Brasil Atual, que a princípio descreveu a prática como trabalho análogo à escravidão. Porém, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), órgão responsável por essa avaliação, não classificou dessa maneira.

Segundo Sérgio Aoki, auditor fiscal do trabalho, a situação não se caracteriza como trabalho análogo ao de escravo, pois, apesar das irregularidades, os trabalhadores não estavam sujeitos a condições extremas, como jornadas exaustivas ou serviços penosos. “Quando se trata de trabalho análogo ao de escravo, em que os trabalhadores são privados de direitos mínimos, estes são afastados e levados para locais seguros, onde recebem assistência, o que não foi o caso.”

A empresa contratada pelo Butantan para executar as obras é a construtora Tenatech que, por sua vez, terceirizou a contratação da mão-de-obra através da empreiteira Estrela. Porém, não há no local das obras placa oficial com informações sobre valores, prazos e nem o nome das empresas contratadas.

O prazo para que a Fundação Butantan e a construtora Tenatech regularizassem os registros dos trabalhadores, com data retroativa ao início dos serviços, expirou em 23 de setembro sem que a situação fosse resolvida por completo. O prazo foi estendido para o dia 02 de outubro e caso a Tenatech não regularize a situação, o Butantan deve arcar com a responsabilidade, já que a jurisprudência consolidada da justiça do trabalho estabelece que todas as empresas envolvidas nas terceirizações respondam por violações de direitos trabalhistas.

Em 23 de setembro a construtora se apresentou ao MTE, comprovou o registro de alguns trabalhadores e se comprometeu a absorver a mão-de-obra, mesmo que cesse a prestação de serviço ao Butantan.

De acordo com o relato de um dos trabalhadores, que preferiu não ser identificado, a Tenatech recolheu as carteiras de trabalho no dia seguinte à visita da SRTE/SP e até o fechamento desta edição ainda não as tinha devolvido, apesar do prazo estabelecido pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) ser de 48 horas para que essa devolução seja feita.

O trabalhador afirma ter tentado entrar em contato com a construtora por diversas vezes, mas não obteve resposta. Ele também não recebeu pelo último mês de trabalho, mas diz querer somente a carteira de trabalho de volta para poder procurar outro emprego, pois tem medo de ser despejado do quarto que aluga por falta de pagamento.

EXPLORAÇÃO DO TRABALHO DE IMIGRANTES

Com escolaridade equivalente ao ensino médio brasileiro, em geral fluentes em mais de dois idiomas, apesar de alguns não falarem português, os imigrantes fazem diversos tipos de trabalhos informais que encontram através de divulgação boca-a-boca.

Refugiados de regiões em conflito, como Burkina Faso, Guiné-Bissau e Mali, eles se sujeitam a condições de trabalho muitas vezes injustas, pois, além de garantir a própria sobrevivência, precisam enviar dinheiro aos familiares que deixaram em seus países de origem.

Nosso contato relatou já ter trabalhado com carteira assinada, porém abandonou o emprego por sofrer preconceito racial, receber salário baixo e ser privado de direitos básicos, como descanso e horário de almoço, o que não acontecia com os demais funcionários da empresa.

FALTA DE LICITAÇÃO

Não há, no Diário Oficial da União, registro de contratos firmados entre Fundação ou Instituto Butantan com a Tenatech. Por se tratar de uma instituição pública, a contratação de prestação de serviços deve-se dar através de licitação.

Irregularidades semelhantes já foram identificadas anteriormente pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo em relação à Fundação Butantan.

Em fevereiro de 2013 foram considerados irregulares a dispensa de licitação e o contrato celebrado pela Fundação Butantan com a empresa Shott Brasil Ltda., no valor de R$2.300.345,70, para aquisição de material de laboratório. O relator votou, ainda, por aplicação de multa ao responsável pela Fundação, que assinou o contrato.

Já em fevereiro do mesmo ano foi considerado irregular, por dispensa de licitação, o contrato celebrado entre a Fundação Butantan, com a Construtora Pillaster Ltda., no valor de R$ 1.699.330,42, para execução de obras da área interna do novo prédio administrativo do Instituto.

PARALISAÇÃO DAS OBRAS

As obras foram suspensas em 24 de setembro. Com a carteira assinada, ainda que os trabalhadores sejam dispensados, eles têm direito a receber o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a multa de 40% sobre o FGTS, aviso prévio indenizado e férias e 13º salário equivalentes ao período trabalhado.

Questionada sobre o caso, a assessoria de imprensa nos respondeu em nota do Instituto Butantan que este tomou conhecimento no último dia 10 do atraso nos pagamentos e “exigiu da empresa o pagamento em até 12h, sob a pena de multas e outras sanções contratuais”.

Segundo a mesma nota, o Butantan “solicita de suas empresas contratadas documentação que comprove a relação de trabalho dos funcionários que irão atuar no Instituto”. Informa ainda que a construtora afirmou ter regularizado os salários no prazo estipulado.

Nada foi esclarecido em relação às demais irregularidades, aos termos do contrato firmado com a Tenatech, à falta de licitação, situação dos trabalhadores e nem mesmo à paralisação das obras.

por HELENA RODRIGUES