O “homem novo” dois anos depois

São Paulo avança significativamente com Fernando Haddad, mas “revolução” ainda está longe de acontecer (Foto: Henrique Boney)

A campanha prometia um prefeito como nunca antes na história dessa cidade. “O homem novo para um tempo novo”, vendia o slogan em 2012, que ostentava um Fernando Haddad reluzente e sereno. Dois anos se passaram e o homem novo parece mais cansado. O cabelo não está mais devidamente cortado, o rosto perdeu aquele brilho e posso jurar que vi alguns fios brancos e olheiras brotarem em nosso jovem prefeito. Também, pudera, ele já andou quilômetros de bicicleta, ajudou um bocado de gente a mudar de casa, enfrentou uma multidão enraivecida em junho do ano passado e se vê às voltas, constantemente, com altos índices de rejeição, apesar de rebolar bastante.

“Prego que se destaca merece martelada”, já diziam por aí. E com ele não foi diferente. O prefeito da maior cidade do país tem recebido constantes marteladas devido a suas ações que contrariam a lógica de São Paulo. “Não é propriamente uma política social, mas um embate político e cultural que afeta toda a agenda de políticas públicas da cidade, inclusive as sociais”, avalia Cícero Araújo, professor titular de teoria política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Haddad representa uma mudança de paradigmas na sociedade paulistana. Sua gestão tem tocado em pontos delicados e sensíveis e causado certo furor. Em quase todas as suas ações, o que se centraliza no governo é o espaço, seja o projeto de mobilidade urbana, através da criação de faixas do ônibus e ciclovias, o novo Plano Diretor da cidade, a política de habitação popular nele embutida, a construção de áreas verdes ou a assistência às vítimas do crack. “Nas últimas décadas, assistimos a um grande definhamento do espaço público em São Paulo. Em primeiro lugar, em seu sentido literal, como espaço físico, afetando a partir daí todos os outros sentidos, em especial o simbólico, expresso na ideia de espaços convergentes, abertos a todos os cidadãos, independentemente de sua origem social”, explica Araújo.

JÁ PEDALAMOS MUITO

O transporte e a redefinição do uso das vias de acesso foram ações que geraram bastante repercussão nesses 23 meses de mandato. Para Araújo, “esse ponto, aliás, resume todos os problemas relativos ao espaço público em São Paulo. Ele diz tudo sobre a saturação do espaço físico e da impossibilidade de resolvê-la através de saídas individualizadas e não compartilhadas”.

Apesar de toda a polêmica gerada no início de sua implantação, as ciclovias agradam 80% dos paulistanos, segundo pesquisa realizada pelo Datafolha em setembro, e chega a 93% entre os mais jovens. “Após quase dois anos, o que estamos assistindo é a um embate agudo entre um poder normativo (a prefeitura) e os hábitos arraigados de grande parte de uma população que foi encontrando formas pouco saudáveis de se adaptar ao definhamento do espaço público. Os gestores municipais certamente listarão outras mudanças importantes – na habitação, na saúde, na educação, no planejamento urbano etc. Mas a meu ver essa (a do transporte) é a maior mudança até aqui: senão a mais significativa, pelo menos a mais visível. Porque incomoda, porque é a mais polêmica. E angustia perceber que ela ainda está por ser ganha. Mas é uma boa briga”, avalia o professor.

A aprovação do Plano Diretor também representou avanço histórico na cidade, assim como a taxação progressiva de imóveis, o aumento de áreas destinadas a habitação popular, a regularização de favelas e a inclusão de homossexuais em situações de risco, idosos que moram sozinhos, mulheres e índios no programa Minha Casa Minha Vida.

Quando a prefeitura aprova um plano voltado à população mais carente ou coloca homossexuais na lista de prioridades de programas habitacionais, ela está fazendo a sociedade debater esses problemas, olhar para eles e os questionar. A violência e a discriminação, por exemplo, são lançadas à agenda da discussão pública e as chagas da cidade, muitas vezes renegadas a pequenos grupos interessados em discuti-las, são expostas.

TEMOS DE PEDALAR MAIS

As velhas alianças continuam a tomar conta da prefeitura e velhas figuras insistem em integrar o centrão da câmara dos vereadores, com a qual o prefeito tem que articular. “[existe] choque entre a imagem de homem novo e a realidade de uma administração que colocou o PP [Partido Progressista] do Maluf pra ocupar secretaria”, julga Thiago Aguiar, líder do Movimento Juntos!.

Para ele, os avanços ocorridos na área de habitação são muito mais creditados ao movimento organizado, fazendo protestos e pressionando, do que à prefeitura. Os avanços são significativos e importantes para a vida de centenas de pessoas afetadas, mas ainda muito tímidos quando pensamos em um governo efetivamente alinhado aos interesses do povo. “Eu acho que São Paulo precisa de uma mudança de paradigma que contrarie os interesses da especulação imobiliária, do serviço da dívida e não esteja relacionado com o centro da câmara que frequenta todos os governos, os mesmos personagens de Kassab”, questiona Aguiar.

Hoje, existem dois Haddads: O que só tem 27% de aprovação (segundo a última pesquisa do Datafolha, realizada em setembro), criticado pela classe conservadora paulistana; e o “Haddad Tranquilão”, aclamado pela juventude a cada vez que dá um passeio de bicicleta ou picha o Pato Donald pela cidade. É preciso matizar suas duas versões.

Para Aguiar, São Paulo é carente de uma direção decente,  e alguém que pareça minimamente mais disposto aparece como uma novidade. “Para uma cidade tão atrasada em questão de personagens políticos, ter alguém mais disposto aparenta uma grande revolução. Eu não acho que seja uma grande revolução. Para representar de fato um tempo novo, é preciso mais disposição para comprar os enfrentamentos necessários e do condicionamento do orçamento às demandas sociais”, diz.

Haddad precisa continuar trabalhando arduamente, com mais coragem de enfrentamento, e geração de novos fios brancos de trabalho pesado para manter a imagem do homem novo, do homem que a cidade de São Paulo precisa. Entre seus principais desafios para os próximos dois anos, estão ir adiante na luta contra a especulação imobiliária, que, atualmente, condiciona a capacidade de uso do solo, resolver a questão da utilização de imóveis vazios no centro da cidade enquanto milhões de pessoas ainda moram em condições degradantes, garantir a boa qualidade dos serviços públicos e, principalmente, ouvir e dialogar com as vozes das ruas.

por THAIS MATOS