Tabelas nutricionais: você sabe o que come?

“A vida dos tomates” é um dos vídeos do canal de Francine no Youtube (Foto: Reprodução)

Você chegou à prateleira que queria, dos cereais. Estava em dúvida de qual produto escolher, e então resolveu analisar as tabelas nutricionais. Fibras, proteínas, %VD, gordura saturada, ferro, óleo com alto teor oleico, gordura trans, calorias, miligramas, colesterol, vitamina. Nomes e números confusos. A confusão era tanta que resolveu simplesmente escolher a embalagem mais atrativa.

A consumidora Francine Lima também teve essa dificuldade. Não era fácil entender com clareza a composição dos produtos industrializados e quão saudáveis eles podem ser considerados. Além de consumidora, Francine é jornalista, e fez de sua dificuldade o tema do mestrado que defendeu na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. “Como instrumento de promoção da saúde, os rótulos deveriam ser capazes de orientar a escolha dos alimentos de acordo com o conceito de alimentação saudável praticado na política alimentar”, afirma.

A pesquisa de Francine mescla comunicação e saúde na busca por um modelo que incentive a alimentação saudável. Para ela, diante de rótulos atrativos e campanhas de marketing bem elaboradas, as tabelas nutricionais normalmente são ignoradas pelo consumidor, e essa é a grande dificuldade para o estabelecimento de uma comunicação efetiva através das informações sobre nutrientes. A pesquisadora diz ainda que os rótulos terão maior chance de vencer a disputa pela atenção do público se forem tão eficazmente comunicativos quanto a publicidade.

“Como jornalista, acredito que com informação de qualidade e relevância é possível chamar a atenção do público para questões importantes. Mas não basta informar; é preciso engajar. E a informação que engaja é aquela que é apresentada de forma suficientemente atraente e impactante, que alcance as dores e os desejos do público”, defende.

O engajamento citado por Francine é o que difere a linguagem das tabelas nutricionais daquela usada na publicidade. Enquanto a primeira passa informações de maneira pouco atraente, o marketing entende como o público reage a suas mensagens. “A saúde pública deve entender que a comunicação, para ser bem sucedida, depende de um entendimento profundo do processo comunicacional”.

Francine destaca que há outras falhas nas tabelas nutricionais, como a lista de ingredientes. “A tabela nutricional não esclarece quase nada perto do que a lista de ingredientes é capaz de esclarecer. Esta, sim, deve ser a “vedete” dos rótulos”. A jornalista também comenta que os rótulos deveriam informar que os ingredientes são citados na ordem decrescente em relação à sua quantidade no produto.

O QUE VOCÊ COME?

Como parte da ideia de desmistificar os rótulos para incentivar a alimentação saudável, Francine mantém desde 2013 um canal no YouTube, o “Do campo à mesa”. Com 67 mil inscritos, o canal tem vídeos que buscam esclarecer as tabelas nutricionais dos alimentos industrializados e mostrar como eles são feitos.

“Eu quis mostrar que os rótulos não são claros o bastante e não falam o que deveriam falar da forma como deveriam falar. Com isso, levo o público a duvidar do que lhes salta aos olhos e mostro a importância de buscar informação de forma mais atenta. Procuro mostrar que os rótulos precisam ser melhores para que a informação chegue ao consumidor de forma mais completa e as decisões de compra possam ser mais acertadas”, explica a jornalista.

“Refrigentantes vilões”, por exemplo, é o vídeo com maior número de visualizações, quase 162 mil. Nele, Francine fala sobre refrigerantes e os ingredientes que os compõe. O açúcar é o segundo ingrediente em maior quantidade, atrás apenas da água. Em um dos exemplos, Francine calcula que uma lata há 35 gramas de açúcar, o que equivale a 8 colheres de chá. Após mostrar visualmente essa quantidade do ingrediente, a jornalista questiona sobre a forma como esses valores são apresentados nos rótulos: “será que se as embalagens mostrassem a quantidade de açúcar assim, na forma de imagem, as pessoas continuariam tomando tanto refrigerante?”.

“Margarina versus manteiga: gol de quem?”, “A vida dos tomates”, “Papinhas industrializadas: não é a mamãe” e “Ilusões derretidas (a verdade sobre sorvetes)” são alguns dos vídeos do canal, que sempre são finalizados pelo lema “você é o que você sabe que come”.

NOVO GUIA ALIMENTAR

No início de novembro foi lançado o novo Guia Alimentar Para a População Brasileira, feito pelo Ministério da Saúde em parceria com pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da USP. O guia será distribuído por meio das unidades básicas de saúde do SUS e também está disponível online (http://goo.gl/vcmuNi). O guia apresenta orientações de maneira simplificada, o que facilita o entendimento de uma alimentação saudável em termos mais simples do que as confusas tabelas nutricionais.

Para isso, o guia deixa de recomendar o consumo de alimentos com base em porções e perfis nutricionais e passa a dar ênfase aos alimentos integrais, às refeições compartilhadas, à preparação culinária caseira baseada na cultura e à sustentabilidade. De acordo com Francine, ele chama atenção para necessidades urgentes da nossa sociedade e dribla o aproveitamento perverso que o marketing nutricional tem feito das recomendações baseadas apenas em nutrientes.

“O guia não ignora os nutrientes, mas dá a eles uma importância secundária, considerando que em muitos casos a cultura é um melhor guia do que a mutante ciência da nutrição”. A pesquisadora exemplifica: “dizer que margarina é mais saudável que manteiga só porque não tem gordura saturada é o tipo de coisa que o guia mostra que não faz sentido”.

por FABÍOLA COSTA