Estudante da EACH processa universidade alegando contaminação

“A EACH é o pesadelo da minha vida”. Quando Rosangela Toni ingressou no curso de meteorologia no Instituto de Astronomia e Geofísica da USP (IAG) em 2003 com 46 anos, não imaginava que 11 anos depois estaria depondo numa CPI sobre a toxicidade do solo da Escola de Artes Ciência e Humanidades, também conhecida como USP Leste. Passar na maior universidade do Brasil não significou conseguir um diploma, mas sim adquirir uma grave contaminação por Ascarel, substância química geralmente utilizada como isolante em equipamentos elétricos, e abolida do Brasil em 1981.

Trabalhando como costureira em Guarulhos e cuidando de um filho com um grave tipo de diabetes, Rosangela não conseguia manter frequência nas aulas do IAG, ainda que contasse com a ajuda dos colegas. A distância e os gastos com passagem também eram problemáticos: “eu vendia doces para conseguir parar a minha passagem de ônibus e metrô”. Em 2005 a EACH iniciou suas atividades, e Rosangela decidiu pedir transferência para o curso de Gestão Ambiental.

É aqui que começa o calvário da história. Neste ano em questão ainda não havia prova de transferência, mas sim uma entrevista com uma banca de professores: “Fiz uma única entrevista e fui rejeitada principalmente por não ter o ‘perfil da EACH’. Isso até hoje pra mim é um mistério. Qual o perfil da EACH? Ser jovem e não ter encargos?”, afirma.
“Naquela época o Júpiter estava para lá de Plutão, mas mesmo assim eu consegui me matricular em algumas matérias de Gestão Ambiental para não ficar muito atrás no curso. Acontece que algumas aulas eu não conseguia frequentar pois mesmo matriculada meu nome não constava na lista”.

Rosangela resolveu entrar com uma ação no Ministério Público e descobriu uma lei que proíbe a entrevista como única forma de avaliação para a transferência de alunos. A partir de então, após a derrota na justiça, a USP implantou provas de mudança de curso para todas as unidades e Rosangela conseguiu passar na prova, entrando no curso de desejo.

O INIMIGO MORA AO LADO

O ano é 2009. Tudo corria bem, apesar dos altos e baixos. Rosangela seguia sua vida normalmente no curso de Gestão Ambiental. De repente, uma pequena alergia começou a surgir e aos poucos se espalhou pelo organismo.

Demorou alguns meses, e muitos exames, para Rosangela descobrir a contaminação por Ascarel. Nesse meio tempo, Rosangela perdeu totalmente as sobrancelhas e parte do cabelo, além de perceber uma debilitação constante de sua situação de saúde: “a contaminação ocorreu pelo solo. Eu costumava estudar sentada na grama. Comer meu lanche sentada no chão. Acho que já dá pra deduzir como isso ocorreu, não é mesmo?”
Quando o caso da contaminação da EACH estourou na mídia foi chamada para depor na CPI, em vigor até hoje. “Também entrei na justiça processando a EACH. Eu sofro muito bullying pela minha situação. Alguns me acusam de querer acabar com o campus, mas não é verdade. Aquele lugar é perigoso, e ainda tem problemas! Imagine o que pode acontecer com quem frequenta o local?”.

A Escola ficou interditada durante um tempo em razão dos riscos oferecidos aos frequentadores. O retorno normal das atividades em agosto deste ano foi cercado de incertezas sobre as reais condições do local em manter a integridade dos estudantes. Em nota oficial, o reitor Marco Antônio Zago admitiu a necessidade de uma manutenção constante de medidas ambientais: “Importante ressaltar que medidas continuarão em andamento para resolver o passivo ambiental, de modo a fazer do campus da USP Leste um modelo de ocupação segura e sustentável, em uma área que estaria, de outro modo, inutilizada para ocupação humana”.

Procurada pelo Jornal do Campus, a direção da EACH alega a inexistência de laudos médicos capazes de provar a contaminação de Rosangela por Ascarel. Segundo nota enviada, “A EACH entrou em contato com a Superintendência de Saúde da USP, que colocou o Hospital Universitário à disposição da aluna para que ela realizasse uma série de exames. No entanto, até a presente data, a aluna não compareceu ao hospital e, portanto, não realizou nenhum exame”.

Rosangela não foi a única pessoa contaminada pelo solo do local. Segundo ela, há muitos outros casos parecidos mas que evitam se expor com medo de serem estigmatizados pela comunidade. A Universidade se defende, afirmando seguir todas as normas impostas pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb).

Se os informes oficiais da reitoria indicam normalidade, especialistas indicam o contrário. O professor do instituto de física, Alberto Tufaile, pesquisador da questão há algum tempo, contra-argumenta: “Tudo continua da mesma forma, a mesma contaminação trazida de caminhão de 2011 e ninguém foi responsabilizado”.

A contaminação citada pelo professor Tufaile ocorreu devido a um despejo irregular de terra contaminada de origem desconhecida. Durante a ebulição das denúncias, cogitou-se que a terra tivesse vindo da construção do Templo de Salomão, localizado na região do Brás. Calcula-se uma quantidade despejada de cerca de 600 m³. A justiça ainda não chegou a resultados concretos sobre essa situação.

“Ir para a EACH se tornou uma luta diária para mim. Não sinto mais vontade de ir para aquele lugar. Estou à beira de ser jubilada mas não posso entrar naquele lugar por questões de saúde atestadas em laudo médico. Eu apenas quero estudar. O diploma se tornou um pesadelo”.

Quem está a amparando na questão dos processos contra a universidade é o núcleo de direitos humanos da defensoria pública. Os principais envolvidos são os advogados Rafael Lessa, diretor do núcleo, e Leonardo Scofanno.

“Em breve vamos propor uma inicial na justiça. Infelizmente a universidade tem sido omissa e não tem dado nenhum tipo de resposta quanto a reparação”, afirma Lessa. Com informações sob sigilo de justiça, Scofanno não pode ceder entrevista para o Jornal do Campus.

Hoje, Rosangela pensa em tentar transferência para algum curso no campus da Cidade Universitária, no Butantã, e recomeçar a vida de estudos. A escolha deve-se não apenas a uma questão de saúde, mas também de afastamento das lembranças ruins dos últimos cinco anos. Apesar de tudo, ela ainda é capaz de rir de alegria com a vida: “Meu filho passou no vestibular da EACH. Vocês conhecem alguma outra costureira de periferia que está na USP e estuda junto com o filho?”.

por GABRIEL LELLIS