Leis dos Estados Unidos revelam fracasso da “guerra às drogas”

(Infográfico: Arthur Aleixo)

No início de novembro, os eleitores dos estados norte-americanos de Oregon, Alasca e da capital federal Washington DC decidiram legalizar o uso recreativo da maconha. Apesar de não serem esses os primeiros estados do país a aprovarem tal medida, ativistas favoráveis à regulamentação da droga esperam que essas sejam vitórias cruciais para um fortalecimento do antiproibicionismo nos Estados Unidos.

No ano de 1971, o então presidente Richard Nixon declarou que “o inimigo público número um dos EUA é o abuso das drogas”, propondo que se estabelecesse uma política repressiva à produção, tráfico e ao uso de certas substâncias. Quarenta e três anos depois da declaração de “guerra às drogas” tal proposta é colocada em cheque, e a legalização da maconha no local onde foi arquitetada é uma evidência da necessidade de sua revisão.
Segundo o jornalista e ativista político Maurício Moraes “a legalização da maconha em Washington (DC) faz parte de um processo que já vinha acontecendo nos EUA e em outros lugares do mundo (…) mas é correto pensar que do local de onde parte toda a política proibicionista ocorre uma reversão dessa ótica, e é de lá, dos EUA, onde se nota os maiores avanços”.

Dentre os estados que têm legalizada a maconha para fins recreativos (em 23 deles o uso é permitido para fins medicinais) há diferenças notáveis entre os modelos de produção e comercialização. No distrito de Columbia, ao contrário de Colorado, Oregon, Alasca e Washington, não é permitida a venda da droga em varejo, apenas a o porte de 57 gramas e o cultivo de até seis plantas. Apesar de aprovada em referendo, a decisão no distrito federal dos EUA pode ser revista pelo Congresso, que possui jurisdição sobre a legislação da capital do país.

LEGISLAÇÃO E O TRÁFICO

A relação social brasileira com o proibicionismo vai muito além da discussão acerca do número de mortes causadas pelo uso de drogas. Grupos de ativismo favoráveis a legalização defendem que essa é uma alternativa para o estabelecimento de uma política de segurança pública baseada na garantia dos direitos humanos.

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, entre 2006 e 2010, 96,2% das 40.692 mortes causadas pelo uso de drogas foram acarretadas por substâncias lícitas: o abuso de álcool (84,9%), e o tabaco (11,3%). A maconha não foi citada nesse relatório, apesar de também ser causa de muitas mortes. No entanto, não é o uso da cannabis que mata, mas sua proibição. De acordo com o relatório produzido pelos jornalistas Willian Ferraz, Hugo Bross, Kaio Diniz e Vanderson Freizer, 56% dos assassinatos no Brasil têm ligação direta com o tráfico, isso representa aproximadamente 30 mil mortes por ano.

Em 2006 foi instituido o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), uma política anti-drogas que provocou um aumento significativo na população carcerária brasileira, sendo que o número de prisões motivadas pelo tráfico aumentou em 220%, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional. A falta de uma distinção clara entre traficante e usuário pelo Sisnad colabora amplamente para a composição desses dados.

O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo (apenas atrás de China e EUA, respectivamente), com 715.655 presos. Segundo o Ministério da Justiça, em dezembro de 2012, a maioria desses presidiários é jovem (52% tem entre 18 e 29 anos), negro ou pardo (58%), e 24% preso por crimes relacionados ao tráfico de drogas. Maurício Moraes ressalta que há uma estimativa que entre 80 a 90% dos presos por esse tipo de crime são indivíduos que carregavam quantidades pequenas de substâncias ilícitas.

A legalização no Brasil Em março de 2014, o Deputado Federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) protocolou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 7270/2014, que, primariamente, propõe a anistia daqueles condenados, processados ou indiciados pelo tráfico de maconha, não incluindo aqueles condenados por outros crimes, ou policiais e agentes públicos envolvidos no tráfico. Além disso, outro ponto central do PL7270, é a legalização da droga, estabelecendo mercado de produção e comércio, além da possibilidade de cultivo da planta.
Para o deputado, o objetivo da anistia, uma consequência lógica da descriminalização do comércio de maconha, é liberar aqueles que tenham sido presos ou acusados apenas por vender a droga. “A maioria é composta por vapores, aviões, pequenos assalariados do tráfico, jovens e adolescentes que moram nas periferias e que entraram no tráfico por uma evidente carência de oportunidades”.

Através do projeto de lei, Jean ainda propõe a inserção à legalidade – por um tempo determinado – daqueles que praticam o comércio da maconha,  com o objetivo de que o dono da  “boca” seja estimulado, por meio de um registro, a abandonar as armas e a violência. Diferentemente do modelo uruguaio, por exemplo, o Estado não teria o total controle da produção, distribuição e comércio da droga, fator que, para muitos ativistas, limita a capacidade de acabar com o estigma acerca da droga e com o tráfico residual (aquele que se mantém mesmo após a legalização).

Além do projeto de lei protocolado por Jean Wyllys, desde fevereiro de 2014 o Senado Federal discute uma outra proposta que regulamenta o uso recreativo, medicinal e os parâmetros produtivos da maconha. A articulação online foi feita pelo carioca André de Oliveira Kiepper, no Portal e-Cidadania do Senado. Em oito dias a proposta recebeu mais de 20 mil assinaturas, o que é suficiente para que seja enviada à Comissão de Direitos Humanos.

Esse segundo Projeto de Lei tem como redator o Senador Cristovam Buarque (PDT-DF). Em pronunciamento o parlamentar propôs que fossem feitos estudos dos possíveis impactos da regulamentação do uso da droga cientificamente e em relação à diminuição dos índices de violência nos centros urbanos. No entanto, ressaltou a relevância do tema e o fato desse ter sido uma iniciativa da população, não do Congresso.

O panorama de legalização da droga (para fins recreativos ou medicinais) nos próximos anos é confuso. Apesar do evidente ganho de espaço da pauta nos meios de comunicação, o cenário político posto para os próximos quatro anos não deve tornar a discussão tão simples. Bancadas como a da Bala e a Evangélica se colocam amplamente contrárias a essa possibilidade.

Para Maurício Moraes, portanto, as ações devem surgir da organização social dos ativistas. “Não me pergunto se a maconha vai ser legalizada, mas me questiono sobre quando e como. É um caminho sem volta, o apoio vem crescendo. A questão da maconha medicinal, por exemplo, além de contar com a aprovação de mais de 50% da população, tem o lobby da indústria farmacêutica.”

O ativista diz que a discussão tende a se intensificar, dando força ao debate sobre uma regulamentação mais ampla. “A questão do proibicionismo está ligada às opressões, é sobretudo um processo de esclarecimento da população”, diz.

por THIAGO NEVES