Por trás da alvura dos jalecos

Coletivos feministas se organizam em resposta às denúncias de constantes casos de abuso na FMUSP (Foto: Rafael Bahia)

Os portões verde-escuros da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) desapareciam por trás de camisetas, cartazes e faixas… Tudo de uma só cor: o roxo, que representa o combate à violência contra a mulher. Às 11h daquele fim de manhã, quem passasse pela Avenida Doutor Arnaldo ou saísse do metrô Clínicas se depararia com cerca de vinte manifestantes, quase todas mulheres, empunhando canetões e latas de tinta em spray. Ao redor delas, aproximadamente o dobro de jornalistas.

“Dia 25 de novembro é o Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher. O ato foi organizado nessa data para dar visibilidade ao tema, denunciar casos de opressão aqui na faculdade e, também, para promover um abaixo-assinado exigindo uma série de medidas da reitoria”, diz a estudante Leticia Pinho.

O documento, entre outros itens, solicita a criação de uma ouvidoria para casos de opressão, a instalação de centros de referência para apoio às vítimas, um novo plano alternativo de segurança e o aumento do efetivo feminino nos serviços universitários (fazendo menção à Guarda Universitária, cuja única integrante mulher nas rondas foi entrevistada pelo Jornal do Campus na última edição).

“A lista será entregue à reitoria no começo do ano que vem”, falou a estudante Júlia Forbes, colhendo assinaturas e puxando o coro que cantava: “Machismo contra a mulher, não é a USP que a gente que quer!”.

A campanha daquele dia foi tirada em reuniões do coletivo Mulheres em Luta dentro da USP, grupo do qual Leticia e Júlia fazem parte. Além dele, havia participação expressiva do movimento RUA — Juventude Anticapitalista, movimento militante em causas sociais. Nos cartazes feitos à mão, lia-se protestos não só antimachistas, mas também relacionados aos abusos da terceirização.

FORÇAS PROPULSORAS

No fim de 2013, após uma jovem denunciar seu estupro durante uma festa e ser desencorajada por diversas vias institucionais (inclusive a Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz, da FMUSP), estudantes sentiram a necessidade da existência de um espaço onde a opressão pudesse ser debatida. Nessa conjuntura, foi fundado o Coletivo Feminista Geni.

O grupo tem estado presente nas reuniões da Congregação da Faculdade e avalia como positivo o relatório apresentado pela chamada Comissão da Violência (instância que investiga as denúncias), cujo teor abarca temas como abuso moral, racismo e violência sexual e de gênero.

A pedido deste repórter, as integrantes se reuniram para a emissão de uma opinião coletiva. Sobre a recente proibição de festas no campus, em Pinheiros, elas expressam: “Lamentamos que a tensão do momento possa ter colaborado para medidas de cunho proibicionista, as quais cremos que não abordam o problema em seu cerne.”
Em relação à criação dos centros para auxílio às vítimas, o coletivo frisou a importância de que esses núcleos sejam articulados com grupos externos, de especialistas inclusive, e que sejam transparentes e acessíveis. “Estivemos em contato frequente com a Frente Feminista da USP e vemos problemas semelhantes entre os grupos. Na Cidade Universitária, a coesão é ainda mais difícil, visto que muitas integrantes estão dispersas entre cursos, e a Frente apresenta ainda situações mais complexas, como as condições das mulheres que vivem no Conjunto Residencial”.

Além do coletivo, há investigações abertas no Ministério Público. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito também está sendo conduzida na Assembleia Legislativa do Estado para apurar violações dos Direitos Humanos em universidades que recebem verbas públicas.

HISTÓRICO DE OPRESSÃO

Desde março deste ano, a ouvidoria da Universidade não recebeu nenhuma denúncia de estupro ou trote vexatório. Sem poder averiguar na ausência de notificações, o órgão se diz satisfeito pelo fato dos casos terem sido trazidos à tona. Na procuradoria, os últimos casos de expulsão são relacionados à ocupação da reitoria em greves passadas.

Em seu artigo 5°, o Código de Ética da USP especifica que a comunidade universitária deve “prestar colaboração ao Estado e à sociedade no esclarecimento e na busca de soluções em questões relacionadas com o bem-estar do ser humano”.

O reitor Zago parece ir na contramão dessa máxima, dizendo que os casos de violência são reflexos da sociedade. Já o diretor da FMUSP nos proporciona uma afirmação no mínimo irônica ao pedir que as vítimas de estupro tenham, por favor, a “hombridade” de relatarem seus casos.

por RAFAEL BAHIA