Projeto de Lei propõe regularizar prostituição

Proposta busca permissão para casas de prostituição e garantia de direitos trabalhistas, porém mercantilização do corpo ainda é conflito (Foto: Júlia Pellizon)

Gabriela Leite morreu há pouco mais de um ano, porém o seu nome ainda permanece vivo nas discussões políticas do país. Prostituta por opção, ela se firmou como símbolo do ativismo em prol dos direitos dos profissionais do sexo e causou polêmica ao apresentar um lado diferente da profissão. Como militante, Gabriela criou a grife Daspu – que faz alusão à luxuosa Daslu – e foi responsável pela Organização Não-Governamental (ONG) Dadiva, associação em apoio aos que trabalham com a prostituição.

Em 2012, o deputado estadual Jean Wyllys (PSOL/RJ) apresentou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei que leva o nome de Gabriela Leite, o PL4.211, que propõe a regulamentação da atividade dos profissionais do sexo. Antes dessa proposta, os ex-deputados Fernando Gabeira e Eduardo Valverde empreenderam em causas semelhantes, entretanto nenhum dos dois avançou. No caso de Gabeira, arquivou-se o Projeto de Lei; já no de Valverde, o próprio deputado pediu a retirada legal antes que o processo de aprovação fosse desenvolvido.

Agora, mais estruturado, o Projeto de Lei Gabriela Leite defende a desmarginalização da profissão. Um dos argumentos mais intensos se direciona aos direitos trabalhistas que os profissionais conquistariam com a situação regularizada de seus locais de trabalho. Além disso, há a defesa de que o controle do Estado sob o serviço, ao fiscalizar casas de prostituição, seja eficaz contra a exploração sexual, tanto adulta quanto infanto-juvenil. Se o PL4.211 entrar em vigor só poderá exercer a profissão quem tiver idade acima dos 18 anos e a praticar espontaneamente, sendo obrigatório o pagamento de quem se utilizar dos serviços sexuais oferecidos.

Entraves Apesar de ser reconhecido como avanço frente à descaracterização do tema como tabu, ainda há divergências de opiniões. Em artigo para a revista Carta Capital, publicado em dezembro de 2013, com título de “As prostituitas também são mulheres trabalhadoras”, Jean Wyllys defende que a regularização dos profissionais do sexo não intensifica a mercantilização do corpo do profissional, mas sim imprime autonomia a ele.
Atualmente no Brasil, o “profissional do sexo” consta na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), desde o ano de 2002. Desse modo, o governo reconhece a prostituição como atividade integrante ao mercado de trabalho do país, sendo possível a aposentadoria pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) para os que exercem funções na área, entretanto ainda são poucos os que conhecem seus direitos. O Código Penal Brasileiro expressa como crime somente os estabelecimentos e agenciadores dos profissionais do sexo, principalmente na questão da exploração sexual. O Gabriela Leite, então, se encaixaria como regularizador das casas que abrigam o ofício desses profissionais, garantindo melhores condições e um suporte legal, para assegurar os seus direitos trabalhistas.

Para Letícia Pinho, estudante do curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e integrante da executiva nacional do Movimento Mulheres em Luta (MML), analisar o perfil dos indivíduos – principalmente das mulheres – que vivem da prostituição é um passo a ser pensado antes de se posicionar sobre o PL 4.211. “Nosso país é muito desigual e uma parcela gigantesca da população se encontra aleijada de direitos básicos como moradia, trabalho, educação. Entre estes estão mulheres que na sua grande maioria são pobres, negras e moradoras das periferias que, para lutar pela sua sobrevivência, recorrem à prostituição”, constata a aluna.

Ao se defrontar com esse cenário, Letícia ressalta: “essas mulheres sofrem desde a violência do Estado que ao não garantir os seus direitos as obriga a recorrer a essa prática, como também a violência dos cafetões, dos aliciadores, dos ‘clientes’”. De encontro ao que Jean Wyllys apoia em seu projeto de lei, o MML acredita que a mulher é quem comanda seu corpo, porém, o sistema em que se encontram na situação de profissionais do sexo as oprime e explora.

TRÂMITES LEGAIS

O Gabriela Leite foi proposto em 2012 e está no caminho jurídico comum antes da validação. “Um projeto de lei deve passar pelas comissões permanentes ou especiais das duas casas do Congresso antes de ser aprovada”, explica o professor de direitos humanos Vitor Blotta. Proposto na Câmara dos Deputados, o PL em questão precisa ser avaliado pela própria instituição e, se permitido, é dirigido ao Senado. Se aceito, o projeto vai à Presidência da República para sancionar; quando o Senado propõe mudanças, ele volta à Câmara para novamente ser discutido.

No entanto, o projeto defendido pelo deputado Jean Wyllys não tem previsão de entrar em vigor: “Não há prazo específico para um projeto ser aprovado, somente alguns para votação e sanção ou veto do Presidente, ou no caso de o Presidente propor Projeto de Lei com urgência”, esclarece Blotta.

Falta de diálogo Seja a favor ou contra esse PL, uma das questões-chave é a falta de debate sobre a prostituição no Brasil. A profissão precisa de espaço na mídia para entendimento e para tratar a profissão sem preconceitos ou machismo. Para Blotta, “mais do que um reconhecimento legal e político, a lei deve organizar essa rede de proteção que articule diversos órgãos que já fazem o tratamento de casos de violência contra homens ou mulheres que praticam sexo como forma de trabalho”.

por JÚLIA PELLIZON