Creches não abrem novas vagas

Sem expansão de matrículas nas creches da USP, mães levam seus filhos para as aulas
(Infográfico: Marina Yukawa)
(Infográfico: Marina Yukawa)

Diversas salas de aulas da USP estão recebendo visitantes atípicos. Crianças estão andando pelas classes, frequentemente entediadas e irritadas, procurando algo para fazer em meio àquele mundo adulto. As respectivas mães, desviando constantemente o olhar do professor para seu filho, mal conseguem se concentrar no conteúdo exposto pelo docente, sendo tão prejudicadas quanto os pequenos pela falta de vagas nas creches universitárias.
Ao menos 140 vagas foram suspensas das creches da capital e do interior, reflexo do Plano de Demissão Voluntária (PIDV) implementado pelo reitor Marco Antonio Zago no final de 2014. Segundo Adriana Cruz, assessora de imprensa da USP, 19 funcionários das creches aderiram ao PIDV, além de outros 10 demissionários em 2013. “Não se pode falar em corte ou falta de vagas nas creches. Em 2015, não foram abertas vagas para novos alunos, mas as crianças que já estavam matriculadas continuam frequentando normalmente”, comenta. As instituições acolhem crianças de quatro a seis meses até os seis anos de idade.
As mães, no entanto, já contavam com novas vagas. “O que está acontecendo com as mães que se inscreveram no processo seletivo desse ano é que elas fizeram os procedimentos exigidos e estavam aguardando o resultado do processo quando foram comunicadas por e-mail que as vagas foram suspensas. Isso tudo faltando poucos dias para o prazo dado pela SAS (Superintendência de Assistência Social) para divulgação da lista das crianças selecionadas, quando já não era possível conseguir vagas nas creches da rede pública”, conta Leticia Pinho, que faz parte do Movimento Mulheres em Luta e da frente feminista da USP.
Foi o caso de Anna Letycia, estudante de saúde pública e mãe de Tarsilia, de um ano e três meses: “O meu caso foi excepcional, a demanda na creche da Saúde é baixa e a minha era a única para pais estudantes com filhos nascidos em 2013. Havia exatamente uma vaga disponível, ou seja, era 100% garantido que Tarsila entraria na creche”. A estudante conta também que no final de janeiro recebeu um o mesmo e-mail da SAS. “Este e-mail pegou todos de surpresa: os pais que esperavam vaga e até mesmo funcionários da SAS e das creches”, relata.
Daniele Santana, estudante de filosofia e mãe de um menino de dois anos e meio conta que chegou a visitar cerca de 30 pré-escolas, tanto particulares quanto públicas, antes de fazer a escolha. “De tantas pré-escolas virei praticamente especialista nisso. Porém, a maioria era horrível, o contrário de tudo que acredito e do que as pesquisas recomendam”, comenta a estudante. A creche da USP encantou Daniele, tanto pelos horários flexíveis, quanto pela estrutura e o projeto. “É a combinação do que há de melhor nas CEIs e EMEIs. Gratuita, ao lado de onde eu estaria, com horário de atendimento compatível com minhas aulas, projeto pedagógico, espaço, postura, profissionais e valores”, conta. Infelizmente, Daniele não conseguiu a matrícula.
A rotina das mães prejudicadas por essa limitação transformou-se radicalmente. O que antes eram horas reservadas para o estudo, agora são destinadas ao exercício constante da maternidade. “Para mim é horrível levar a Tarsilia às aulas. Ela anda de um lado pro outro e tenho sempre que ficar de olho e a proibir de arrancar folhas do caderno dos colegas ou correr com uma caneta na mão. Fico super cansada no final do dia e não tenho tempo pra estudar. Fico tão exausta que esses dias esqueci de verificar a fralda dela durante a aula e ela ficou com assaduras. Além de ser degastante para mim, também é para ela, que deveria estar se desenvolvendo com crianças de sua idade e com atividades direcionadas para seu aprendizado”, relata Anna Letycia.
Para Daniele, a situação está igualmente complicada. A aluna diz que passa mais tempo fora da sala de aula, cuidando do filho que tenta ir embora do local. “Por mais que ele seja incrivelmente tranquilo, existe um limite óbvio. Muitos dias, chora quando chegamos perto das salas de aula dizendo ‘eu não quero entrar’. Dia desses assisti metade da aula sentada no chão, ao lado da porta, brincando com legos para mantê-lo calmo e ouvir o mínimo. Mas tem sido esse o meu aproveitamento – o mínimo necessário. Pouco consigo debater, conversar”, conta Daniele. Além disso, a dupla enfrenta rotinas desgastantes no trânsito: duas horas de ônibus para chegar até a universidade, assistir às aulas, almoçar no “bandejão” e depois mais duas horas de ônibus para voltar. “Muitas vezes ele chega em casa tão cansado e irritado que mama e dorme, sem sequer jantar ou tomar banho. Apesar do meu cansaço, a rotina que está sendo destruída é a dele”, relata a aluna.
Para tentar contornar a situação, diversos movimentos estão sendo realizados, principalmente por frentes feministas. Os atos começaram na primeira semana de aula, além de um específico em frente à reunião do conselho universitário (CO) e, no dia 17, ocorreram debates na ECA, FFLCH e Odontologia. “O fechamento dessas 141 vagas é o primeiro passo para acabar com as creches da USP e isso não podemos permitir. Com luta e mobilização elas foram conquistadas há 30 anos e é com luta e mobilização que vamos defendê-las agora”, afirma Leticia.

por MARIANA MIRANDA