Vivemos um “caos” produtivo ou alienante?

Posturas conflitantes diante da perspectiva de crise vão do desejo de mudança ao fatalismo
Momento atual marca grande circulação de ideias e discursos, os quais revelam posicionamentos diante da imagem de crise que variam — e, muitas vezes, se contrapõem
Momento atual marca grande circulação de ideias e discursos, os quais revelam posicionamentos diante da imagem de crise que variam — e, muitas vezes, se contrapõem

Quase todos conhecemos a “teoria do caos” (ou ouvimos algo sobre ela) por conta de sua proposição mais famosa: o “efeito borboleta”. Simplificando bastante, a ideia é a de que uma mudança no início de um evento – que pode ser simples como o bater das asas de uma borboleta em um canto do mundo – pode levar a consequências desastrosas e inimagináveis – como um furacão em outro ponto do planeta. Justamente devido à imprevisibilidade inerente à vida e aos rumos que ela pode tomar é que se tem a ideia do caos.
Para algumas pessoas, neste momento de “crise”, vivemos dias caóticos. E a dúvida parece ser exatamente: como lidar com a imprevisibilidade das coisas? É possível? Muita gente se diz com medo, pois foi pega “de surpresa”: crise hídrica, escândalos políticos, instabilidade econômica, ebola, instrumentalização da violência, discursos de retrocesso, ideias de restrição da liberdade em nome de uma pretensa paz, falta de consciência ecológica, insegurança, distorções sociais, precarização da vida, impunidade, intolerância – poderíamos continuar exaustivamente.
Apesar de longa, essa lista de problemas e temas que circundam nossos dias não traz exatamente novidades. Essas questões vêm sendo sinalizadas há décadas. Mas o sentimento parece ser o de que, neste momento, elas se somam e se agigantam, o que gera temor, insegurança, medo e até uma certa histeria em alguns.
O tema da crise, afinal, está em pauta. Debruçando-se sobre ele, de especialistas a leigos, muitos tentam entender esse cenário tão complexo e que suscita tanto furor. Não é fácil diagnosticá-lo. E as tentativas são inúmeras.
Construir uma reflexão ponderada, crítica e ampla das coisas nem sempre é fácil. Demanda escutar diferentes perspectivas, informar-se, construir ideias e buscar caminhos para enfrentar os dilemas do contexto atual. Algumas pessoas parecem engajar-se firmemente e empenhar-se em prol dessa construção. Por outro lado, há quem permaneça alheio às questões do mundo, descrente do seu papel na construção da sociedade ou atomizado em meio a tantos problemas.
Diante de todas essas coisas, parece ser fundamental não perder a dimensão da importância deste momento, nem se eximir de refletir sobre ele – o que poderia engessar as perspectivas de transformação. Uma insatisfação alienante, sem proposições, sem reflexão crítica sobre a realidade, também não é suficiente. Alguns discursos com essa tônica fomentam o medo e aumentam, paradoxalmente, a sensação de caos. Apenas gritar e esperar que, talvez, esse som produza alguma mudança miraculosa também não parece eficaz. Fazer-se ouvir funciona, mas uma mudança depende muito da consistência das ações e das ideias.
Feliz ou infelizmente, possibilidades de caminhos, soluções ou respostas não cairão em nosso colo. Também não chegarão com o bater das asas de uma borboleta, nem com um tufão em um canto qualquer do mundo. Mas isso não significa que um movimento que comece hoje não possa ser desencadeador de profundas transformações. Pode! Mas o enfrentamento deste “caos” demanda informação, reflexão, atitude, organização. Talvez assim essa crise terá algo de produtivo e promoverá algo que durará.

por QUÉFREN DE MOURA