Brasiliana ainda intriga comunidade universitária

Dois anos após inauguração, um dos mais novos espaços da USP não tem público expressivo
“Há todo um desenho de ocupação proposto que não se concretizou", diz Rodrigo Mindlin Loeb, um dos arquitetos responsáveis pelo projeto do prédio. (Foto: Bianca Caballero)
“Há todo um desenho de ocupação proposto que não se concretizou”, diz Rodrigo Mindlin Loeb, um dos arquitetos responsáveis pelo projeto do prédio. (Foto: Bianca Caballero)

Há pouco mais de dois anos, este jornal noticiava a elogiada inauguração, na Cidade Universitária, da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. Através de pinceladas de história, falou-se das conquistas, mas também das perspectivas e possibilidades que a materialização desse projeto representava. “Uma oportunidade de reunir pessoas para produzir conhecimento, pesquisas e ativar a cultura”, especulou em entrevista Pedro Puntoni, então diretor da unidade. Tanto a reunião de pessoas quanto a “ativação” da cultura, no entanto, até hoje não parecem se concretizar dentro do edifício. Apesar do complexo já fazer, há dois anos, parte da vista cotidiana de quem circula na USP, muita gente ainda não conhece suas instalações, e não sabe, inclusive, que ele não abriga apenas a Brasiliana.

Quem entra no prédio hoje pode se deixar intimidar rapidamente, pela pompa, altura do pé direito e escassez de gente. Antes mesmo de estar lá dentro, porém, o que intimida mais ainda é a presença de bloqueios, nos dois únicos acessos ao saguão central. “Ali não é lugar apropriado para ciclismo ou skate”, esclarece a atual diretora, a professora da FFLCH Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos. Passado esse estranhamento inicial, quem segue seu caminho no edifício geralmente o faz por saber o que procura. Se vai para o lado esquerdo, provavelmente não o encontra: o acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), previsto no projeto, ainda não está lá. Isso traz a esse lado da construção pouquíssimos visitantes e muitos escritórios improvisados, em salas pensadas originalmente para exposições. Segundo Jaime Oliva, professor do instituto, para que a transferência do acervo se realize são necessárias diversas licitações, visto que sua preservação requer o uso de um mobiliário especial.

Biblioteca Brasiliana (José Mindlin)
Imagem panorâmica dos quatro andares da Biblioteca. Clique para ampliar. (Foto: Bianca Caballero)

Rodrigo Mindlin Loeb, um dos arquitetos responsáveis pelo projeto do prédio, lamenta a baixa circulação de visitantes. “Há todo um desenho de ocupação proposto que não se concretizou”, conta ele. “Pode e deve se concretizar. Tem um belíssimo conjunto de salas de aula, pode ser um espaço repleto de gente”. O professor Oliva completa: “Com as condições atuais de acondicionamento do acervo [em outro prédio da USP] e a falta de recursos e funcionários, a acessibilidade ao material não é óbvia”, conta. “Com a transferência, isso terá que mudar, a acessibilidade terá que ser outra”.

Se, por outro lado, o visitante segue para a direita, em busca de uma obra específica na Biblioteca Mindlin, também corre o risco de não encontrar o que veio procurar. Quando se solicita por um título na BBM, o que se recebe primeiro é um aviso do computador: “Para requisições de consulta na mesma data, haverá um período de espera de até 60 minutos”. Nesse meio tempo, é possível ainda que o livro não seja sequer encontrado. “Nossa biblioteca contém um acervo de obras raras”, procura explicar a diretora, “o que já justificaria essa espera”. Ela frisa que, além disso, um processo de reorganização de todos os cerca de 60 mil volumes está acontecendo, desde a inauguração, ainda sem previsão exata de término. “Temos quatro bibliotecárias, para essa reorganização e também para atender quem sobe à procura de um título”, continua. “A ideia é que, ao longo do tempo, essa demora se reduza à metade, ou muito menos”. Como alternativa à espera, a professora menciona a possibilidade de agendamento. “Se você não quer esperar, manda um e-mail, e o exemplar vai estar à sua disposição sem nenhum momento de espera”.

Quando os “até 60 minutos” acabam ou chega o dia marcado em seu agendamento, o acesso aos livros da Brasiliana acontece no segundo andar do prédio. Com entrada bastante restrita, por conta da delicadeza do acervo, esse piso comporta uma sala pensada especialmente para consulta. No caminho até lá, uma outra sala, vazia e inacessível, chama atenção do visitante. O cheiro de pó contrasta com os aparelhos eliminadores de ácaros, acoplados a quase todas as paredes para preservar a rara coleção. “Esse espaço em particular é aberto só para pesquisadores”, explica a diretora, “desde que eles desenvolvam uma pesquisa na Biblioteca Mindlin, que trabalhem conosco em colaboração”. Atualmente, há editais selecionando os pesquisadores que poderão ocupar esta sala – mas, por enquanto, só aqueles que já têm doutorado podem participar.

Segundo andar da Biblioteca Brasiliana
Imagem o segundo andar da Biblioteca Brasiliana. A entrada é restrita devido à delicadeza do acervo. (Foto: Bianca Cabellero)

No primeiro andar da Brasiliana, há uma circulação de pessoas maior que a do IEB. Logo após o almoço, no entanto, uma grande parte delas pode ser encontrada dormindo, em algum dos macios sofás espalhados pelo espaço. Também há, claro, visitantes que vêm para estudar, a qualquer hora do dia. De frente ao balcão central da BBM, é imediata a percepção de que a sala de estudos situada à direita é o cômodo mais movimentado das redondezas. Já o espaço à esquerda, semelhante a esse, encontra-se majoritariamente vazio, com exceção do piano que ocupa um dos cantos. Até cerca de um mês atrás, ali ficava a exposição “Não Faço Nada Sem Alegria”, que conta a história de José e Guita Mindlin e que teve de ser diminuída e adaptada ao espaço entre as duas salas. Junto com o que sobrou da exibição, estão justamente os sofás que alguns aproveitam para descansar.

Tendo assumido o cargo de diretora em setembro de 2014, a professora Sandra presencia estas cenas diariamente, e tem procurado mudar a situação. “Quando eu resolvi assumir, não foi simplesmente para administrar a BBM”, ela conta. “Quero transformá-la num centro vivo de pesquisa sobre o Brasil”. Além de lembrar as palavras de Puntoni quando da inauguração do prédio, a fala da professora remete também à noção de biblioteca como organismo vivo. Defendida tanto pelo arquiteto do projeto quanto por seu avô, o próprio José Mindlin, essa ideia é o que justifica outra questão que salta aos olhos do visitante: a presença de espaços vazios em determinados pontos das estantes. Esse aparente problema, porém, consiste apenas no planejamento de um futuro aumento no número de livros. É o que Mindlin desejava, novas ideias podendo conviver e dialogar com as antigas.

Também em prol da “ativação” da cultura, vêm sendo organizados colóquios, palestras, os próprios editais e até mesmo recitais de música dentro do complexo – a sala de piano do primeiro andar assim se justifica. “O acervo do IEB estava para mudar para cá, quando bateu a crise na USP”, conta a professora. “Quando ele for transferido, isso aqui vai ficar o sonho de qualquer pesquisador”. Conforme afirma o neto de Mindlin, no projeto do prédio também constavam outros atrativos para os visitantes, como a presença de um café e de um paisagismo especial, que devem ser levados adiante em breve. Passados dois anos de Complexo Brasiliana na USP, a situação ainda está longe do ideal, mas as perspectivas e possibilidades se mostram, mais uma vez, interessantes. Resta agora nos perguntarmos o que o JC vai poder relatar, daqui a mais dois.

Por Giovana Feix