Conselho Regional de Educação Física notifica Cepe

Segundo a entidade, foram encontradas irregularidades em alguns treinos e na sala de musculação
Alunos da EEFE veem no esporte universitário uma forma de preparação para
o mercado de trabalho/Autor: Amanda Manara

Na primeira terça-feira do mês (07), o Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp) recebeu uma visita inesperada: fiscais do Conselho Regional de Educação Física (CREF/SP), que foram fazer uma análise dos procedimentos adotados pelo Centro e verificar as condições dos treinos que acontecem no Cepeusp.

O CREF/SP entende que só podem exercer a função de técnico, mesmo quando de times universitários, aqueles que fazem parte do seu quadro de associados. Para poder ter seu registro no órgão é preciso ser formado em Educação Física ou possuir bacharelado em Esportes.

No dia que realizaram a visita, os fiscais se passaram por alunos interessados em treinar, procurando pelos técnicos. Tudo isso aconteceu na hora do almoço, portanto não haviam muitos treinos sendo realizados, já que a maioria costuma ocorrer no fim da tarde ou durante a noite. Mesmo assim, eles chegaram a falar com dois treinadores – um de atletismo da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) e outro de rugby da Escola Politécnica – e ambos foram notificados pelo órgão.

Segundo o coordenador do departamento de fiscalização do CREF/SP, Valdir Fregolon, “foram encontradas irregularidades na pista de atletismo e na modalidade de Rugby onde foram constatadas pessoas orientando atividades próprias do profissional de Educação Física sem a devida habilitação para tal função, caracterizando exercício ilegal da profissão. Foi constatada também irregularidade na sala de musculação, onde não havia profissional habilitado para orientar as atividades, caracterizando ausência de profissional.”

As punições não foram apenas direcionadas aos treinadores, e por conivência, o Cepeusp também foi notificado. Um de seus diretores, Emilio Antonio Miranda, que faz parte do quadro de associados do CREF/SP teve dez dias para apresentar sua defesa e também recebeu uma notificação do Conselho.

Os técnicos que são autuados pelo CREF/SP podem ainda sofrer punições mais severas, como serem suspensos da profissão por até dois anos após se formarem. Diante de um possível quadro em que as medidas orientadas pelo Conselho sejam de fato cumpridas, quais as consequências para o esporte universitário e todos os envolvidos no caso (Cepeusp, associações atléticas e técnicos)?

Situação das atléticas

Se os alunos da graduação forem impedidos de atuarem como técnicos dos times universitários, quem vai ter que encontrar algum meio de treinar seus atletas são as associações atléticas.

Não é de hoje que as Atléticas da USP enfrentam dificuldades para se manterem financeiramente, e a crise financeira que a universidade está passando dificulta ainda mais o financiamento do esporte universitário em seus campi. Diferente de outros países, como nos Estados Unidos, onde a grande maioria dos atletas são formados nas instituições de ensino e as ligas são completamente profissionais e atraem grande público, o nosso esporte universitário tem uma estrutura abaixo do nível profissional e é praticado como hobby, não como (futura) profissão. Nesse cenário, como as associações atléticas terão condições de se adequar às convenções do CREF/SP?

A grande maioria das atléticas hoje fazem uma espécie de troca de favores com os alunos da graduação de Educação Física: em troca da experiência, os estudantes aceitam salários bem abaixo do que o Sindicato dos Profissionais de Educação Física de São Paulo (Sinfepesp) define, R$ 1,7 mil. O pagamento dos técnicos universitários normalmente não é regularizado e a forma de arrecadação é geralmente por doação dos atletas de cada modalidade.

Ao mesmo tempo que a profissionalização do esporte universitário se mostra urgente, não há como as associações atléticas acompanharem os pedidos do CREF/SP, sem que haja mais financiamento direcionado às atléticas universitárias.

Enquanto isso não ocorre, o melhor caminho tanto para os estudantes que não encontram outra forma de pôr em prática tudo aquilo que aprendem em sala de aula, quanto para as atléticas que possuem pouquíssimo ou nenhum recurso é manter essa espécie de convênio no qual todos saem “perdendo menos”.

A National Collegiate Athletic Association (NCAA), entidade que regulamenta o esporte universitário americano, pode dar algum norte para o esporte brasileiro. No ano fiscal de 2014, a NCAA teve uma receita de US$ 989 milhões, o equivalente a quase R$ 3 bilhões. Obviamente que tanto dinheiro também traz inúmeros problemas para o esporte e não é desse montante que o esporte universitário brasileiro precisa. A grande questão é de onde vem esse dinheiro.

Segundo dados da própria organização, 81% de toda arrecadação vem dos direitos televisivos de suas ligas. Em 1982, o contrato televisivo da NCAA era de US$ 50 milhões em três anos; nove anos depois, o contrato atingiu o valor de US$ 1 bilhão para sete anos.

Ainda conforme os dados divulgados pela entidade, 11% da renda total vem das bilheterias. Em resumo, 92% de todo dinheiro arrecadado pela NCAA vem de audiência, de público. Falta, no Brasil, uma identificação com as entidades universitárias e um plano de maior exposição de nossas ligas. Muita coisa ainda precisa ser acertada antes de cobrarem profissionalismo das Associações Atléticas.

Impacto para os técnicos

A maioria dos cursos de graduação exigem que os alunos façam estágio. Naqueles em que não há essa exigência, os estudantes também acabam fazendo somente para poder colocar em prática aquilo que aprendem nos cursos. Na EEFE não é diferente. Essa experiência que os alunos buscam no esporte universitário é muito importante para a formação deles como profissionais. “Quem não consegue entrar em clube enquanto está estudando – o que acredito que seja a grande maioria dos estudantes da EEFE – tem no Cepeusp a oportunidade de colocar em prática o que aprende no curso. E isso é muito importante porque eu, por exemplo, acabei esquecendo muitas coisas que aprendi e não coloquei em prática.”, explica Gustavo*, aluno do quarto ano do curso de Esporte, e auxiliar técnico do time de futebol do Instituto de Física.

Alexandre Moreira, presidente da comissão de graduação da Escola de Educação Física e Esporte, alega que o instituto não possui relação com os acontecimentos no Cepeusp e que nenhuma medida está sendo tomada por parte da diretoria ou da comissão de graduação. “Não estamos falando de reconhecimento do curso, avaliação dos cursos oferecidos na EEFE, estrutura curricular, processos de ensino-aprendizagem ou problemas relacionados aos estágios. Não há, portanto, nenhuma medida a ser tomada.”

No entanto, o aluno Gustavo explica que os estudantes vêem nesses treinos com os times da USP, acima de tudo, uma fonte de aprendizado na universidade. Os estudantes dessa área encontram algumas dificuldades de se inserir no mercado de trabalho enquanto ainda estão na faculdade, devido a alguns fatores, entre eles, a falta de “contatos” no meio do esporte. “Em outras instituições de ensino, como a Universidade do Porto, onde fiz intercâmbio, há programas que facilitam a inserção de alunos em clubes, e o mesmo não ocorre na EEFE. Aqui é muito difícil você entrar em um clube enquanto está fazendo a graduação, mesmo na condição de estagiário, porque o esporte é uma área muito fechada e você precisa desses contatos”, explica.

Além disso, os cursos da EEFE, tanto Educação Física, como Esporte, possuem grade curricular integral, o que atrapalha muito a possibilidade dos alunos exercerem estágio com carga horária fixa. “Os horários do esporte universitário são muito mais flexíveis e adaptáveis à disponibilidade do aluno da EEFE, até porque muitas faculdades também possuem grade integral e só conseguem treinar nos nossos horários livres”, explica Gustavo. Portanto, com as dificuldades muitas vezes impostas pelo próprio curso, os treinos no esporte universitário acabam se tornando, para muitos, uma forma de se adaptar e aprender a lidar com as condições de treinamento dos clubes e do mercado de trabalho do mundo do esporte.

Sobre os treinos em si, Gustavo explica que não vê grandes problemas, uma vez que, na maioria das vezes, o estudante já possui base suficiente para exercer tal função. “Nos treinos de modalidades esportivas, se você não dosar o volume e a intensidade dos exercícios, existe o risco de danos à integridade física dos atletas. Mas eu acredito que um aluno a partir do terceiro ano na EEFE, com todo o aprendizado que já teve, tem totais condições de aplicar e controlar as sessões de treino, de modo que minimize esses riscos, como se deve fazer em qualquer outro lugar.”

Situação do Cepeusp
 Já a situação do Cepeusp é um pouco mais delicada. Quem explica melhor toda a questão envolvendo a visita do CREF/SP e a repercussão disso tudo é o diretor do Cepeusp, Emílio Antonio Miranda, que foi notificado pelo Conselho.

Ele começa explicando qual é a relação entre as Atléticas e o Cepeusp. “As Atléticas são entidades com atividades livres. O Cepeusp, enquanto órgão, tem que proporcionar às atléticas lugares para exercerem suas atividades, é isso que a gente faz”, explica Emílio. Ele ainda citou um exemplo para ilustrar melhor a situação “embaraçosa” entre os técnicos e o órgão. “Se a Poli for lá e contratar alguém para ser técnico do time de vôlei, o Cepeusp não tem nenhuma ingerência nisso. Quem faz o pedido da reserva é a Poli. Se é alguém da Escola de Educação Física, nós não vamos pedir nada. Se eles forem trazer alguém de fora, aí muda de figura: a gente exige que ele seja formado, que ele tenha registro no CREF/SP. Até porque ele não vai entrar aqui [no Cepeusp], tem que ter uma autorização”.

Ele também informou de maneira mais detalhada os resultados da visita e conta que além das notificações, foram feitos relatórios sobre a situação do local. “Não é que eles autuaram a gente, eles notificaram. Nós temos dez dias para dar a resposta para eles e nós vamos dar”, disse Emílio.

Há ainda dúvidas sobre até onde o CREF/SP pode ou não interferir nas atividades praticadas dentro do Cepeusp. Vale lembrar que o Cepeusp não é apenas um espaço físico, mas também um órgão da reitoria onde ocorrem aulas e bolsas de extensão.

O caso ainda caminha para uma definição, o que significa que qualquer solução ainda vai demorar para aparecer, de qualquer um dos lados.

Por Amanda Manara e Gabriel Carvalho