Discussão sobre feminicídio na universidade

Feminicidio
O debate foi levantado após a morte de Geiza Martinez, funcionária da seção de alunos da FFLCH. (Foto: Nina Turin)

A ato “Somos todas Geiza!” aconteceu no dia 26 de março na FFLCH. Ele foi organizado pela Secretaria de Mulheres do Sintusp e homenageou a funcionária da Seção de Alunos da Faculdade de Letras Geiza Martinez, que foi encontrada morta na manhã do dia 20 de março, sexta-feira.

Com as palavras de ordem “Geiza, não vai passar, a sua morte não vamos aceitar!” e faixas com as frases “somos todas Geiza” e “não foi a primeira, mas exigimos que seja a última”, o ato teve início às 17h e reuniu cerca de 200 pessoas. Familiares, amigos, colegas de trabalho e estudantes da Faculdade deram depoimentos sobre ela. Emocionado, Claudio de Souza, funcionário da Seção de Alunos da Letras, contou a trajetória da colega e afirmou: “devemos passar a encarar a morte de Geiza como compromisso de não aceitar mais o machismo”.

Diana Assunção, diretora do Sintusp e responsável pela Secretaria de Mulheres da USP, resumiu o posicionamento da Secretaria: “o posicionamento oficial foi em primeiro lugar, de solidariedade à família; em segundo lugar, de repúdio ao assassinato e em terceiro lugar, de exigência de justiça e que a gente continue lutando contra essa violência”.

Diana também comentou: “recebemos a notícia com muita revolta, mas com uma vontade muito grande de transformar esse ódio em uma força militante que possa levar adiante uma forte campanha de combate à violência contra as mulheres”.

Debate sobre feminicídio
A morte de Geiza, assim como o ato em sua homenagem, suscitaram na Universidade o debate sobre o feminícidio pelo fato do principal suspeito do caso ser seu namorado. Esse tipo de crime foi tipificado como hediondo no dia 9 de março, pouco tempo antes do assassinato da funcionária ocorrer. O Brasil é o 16º país da América Latina a fazer essa classificação.

A Lei 13.104/2015 é resultado dos trabalhos desenvolvidos na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência Contra a Mulher, concluídos em 2013. Ela é na verdade uma circunstância qualificadora para o crime de homicídio, previsto no art. 121 do Código Penal.

São considerados como feminicídio apenas crimes que envolvam violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

As principais mudanças que essa lei traz, além de classificar esse tipo de crime como hediondo, é aumentar a pena de um terço até metade em casos que os assassinatos sejam cometidos durante a gravidez ou até três meses após o parto, diante de familiares da vítima. Também são considerados agravantes se a vítima tiver menos de 14 anos ou mais de 60, ou for uma pessoa com deficiência.

Gislaine Caresia, Secretária da Comissão Especial da Mulher Advogada do Conselho Federal da OAB, explica o porquê de a Lei ter sido criada: “embora se afirme que um homicídio motivado por razões de ódio à mulher, menosprezo, discriminação de gênero poderia ser qualificado em razão da motivação torpe, fútil, o meio insidioso ou cruel, entre outros previstos na lei, a intenção do legislador em estabelecer uma nova circunstância qualificadora, foi dar-se maior abrangência e facilitar a sua caracterização”.

Sobre a lei criada, ela também comentou: “é necessário reconhecer o avanço da legislação, porém é preciso lembrar que a violência contra a mulher se combate não apenas com leis, mas pela aplicação rigorosa das normas existentes e pela mudança cultural da sociedade.”

Mulheres que morrem por causas violentas - estatísticas

O que sabemos sobre o caso de Geiza

Geiza Aparecida Medeiros Martinez, funcionária da seção de alunos da Faculdade de Letras, da FFLCH, foi encontrada morta na manhã do dia 20 de março, sexta-feira, na Estrada Velha de Itapevi a Itu, que fica próxima à Rodovia Castelo Branco.

Seu carro estava a quatro quilômetros de distância do local, no quilômetro 44 da Rodovia Castelo Branco, em Araçariguama. Dentro do carro haviam luvas de limpeza e abraçadeiras de nylon, mais conhecidas como enforca gato, que servem de lacre para caixas. Esse material foi utilizado para amarrar Geiza, que foi encontrada com as mãos ainda presas e com marcas de dois tiros, um na região da cabeça e outro no abdômen. As balas foram recolhidas e a chave ainda estava no contato do carro. O único item levado foi o celular da funcionária, que seria crucial para a resolução do caso.

Por esses motivos, policiais descartam a possibilidade de latrocínio e acreditam que o assassinato foi premeditado. A polícia também encontrou diferentes impressões digitais e pegadas envolta do carro, o que indica que mais de uma pessoa participou do crime.

O principal suspeito é o namorado de Geiza, Benedito Araujo Pontes, que é pedreiro e mora em Santana de Parnaíba. Além do lugar onde ele trabalha ficar próximo ao local do crime, a filha da funcionária, Talita Martinez, afirmou que a mãe avisou que iria encontrá-lo após o término de seu expediente. Ela trabalhava das 14h às 22h e deu carona para um colega e seu filho, última vez em que foi vista com vida.

Geiza e sua família conheciam Benedito como Fernando Araujo Pontes, nome pelo qual ele se apresentava para ela. O suspeito é casado e tem uma família. Também foram encontrados dois perfis seus na rede social Facebook, na qual a funcionária aparece como sua amiga em apenas no que ele se identifica como Fernando.

Claudio de Souza, funcionário da Seção de Alunos da Letras e colega de trabalho de Geiza afirmou: “Para a ela, ele era determinada pessoa e depois viemos a saber que não era”.

Mas quem era a Geiza?
Geiza era descrita por seus familiares e colegas de trabalho como uma pessoa reservada e amável, que sempre estava disposta a ajudar. “Ela era uma pessoa sempre disponível para qualquer emergência que acontecesse. Então ela era uma pessoa muito participativa, colaborativa e pró-ativa”, conta Claudio, seu colega.

Ele também acrescenta: “A vida particular dela, os problemas pessoais, ela tratava separado, ia para o corredor, falava no celular e não misturava as coisas, então era uma boa companheira de trabalho”.

Geiza criou sua filha Talita sozinha e ajudou a criar sua sobrinha Nicole Martinez. Ela também ajudava sua mãe, que tem mais de 80 anos e planejava trazê-la para sua casa. Ela estava matriculada em curso de gestão, que teria início em abril, e tinha alugado uma casa maior recentemente com o objetivo de morar com a sua mãe.

Claudio comenta: “ela sempre foi muito prestativa em socorrer as pessoas que precisavam e isso tem um preço, que foi seu desgaste pessoal”. Geiza desenvolveu doenças como depressão, anemia e problemas gástricos.

O funcionário ainda afirmou: “ela era personagem de uma história e não de um crime. Para mim é muito importante tirar a Geiza da cena do crime e voltar para a cena da vida dela. Para ser lembrada assim: como uma pessoa solidária, fraterna e preocupada com o bem-estar de sua família e amigos”.

por NINA TURIN