“Qual outra alternativa a não ser ocupar?”

Ocupações continuarão enquanto reitoria se negar a discutir a questão na universidade
Ocupação do Conselho Universitário da USP
Estudantes da USP protestam para que cotas sejam debatidas no Conselho Universitário. (Foto: Jornalismo Júnior)

Os acontecimentos de 14 de abril escancaram a crise política pela qual passa a universidade. Tanto as pautas trazidas pelos estudantes e funcionários na paralisação, quanto a questão das cotas raciais, levada pelos representantes da Ocupação Preta (OP) como forma de ampliar o ingresso de pessoas negras na universidade, vieram à tona através da ocupação no prédio do Ipen, onde ocorria a reunião do Conselho Universitário. Entre os representantes dos discentes, dos trabalhadores e dos membros da OP, presentes na reunião, é unânime que a ocupação só ocorreu pela falta de abertura ao diálogo por parte da reitoria.

Para B.F, representante da OP, “o movimento negro está organizado há muitos anos na universidade, como no Núcleo de Consciência Negra, e nunca foi convidado pela reitoria para discutir cotas. Protocolamos um ofício que exigia a participação de quatro membros da Ocupação para participar da reunião do CO e mesmo assim não incluíram nossa pauta. Qual outra alternativa, a não ser ocupar?”.

Questionada sobre quem seriam as “pessoas estranhas à universidade”, apontadas pelo documento da reitoria em repúdio à “implosão” do CO, B.F. diz enxergar uma “obviedade” na acusação: “É muito claro que as pessoas estranhas à Universidade são as pessoas negras. Ele mesmo questionou se as pessoas que estiveram protestando no CO do dia 07 eram estudantes de escola pública, já que é explicito em nossa sociedade que negros não tem lugar na Universidade. Mas contra isso, continuaremos ocupando enquanto a USP não pautar cotas e enquanto não houver discussão sobre o tema com a população negra. A gente não quer apenas uma política de inclusão, a gente quer cotas”, finaliza.

Segundo Marcela Carbone, estudante de Artes Cênicas e representante discente no órgão máximo de deliberação da USP, o debate em relação às formas de ingresso na universidade vem sendo feito desde 2014, através da pauta da reforma do Estatuto da USP, mas a reitoria nunca inclui as cotas para serem apresentadas para o conjunto da universidade: “uma [assembleia] Estatuinte livre, soberana, democrática e feita de forma paritária, proporciona à própria comunidade o apontamento das questões de seus interesses, e nisto estão cotas”, defende.

Assim como a representante da OP, Carbone vê nas intervenções a única resposta possível para um movimento que constantemente vem sendo ignorado e aponta a própria universidade como responsável pelas ações mais radicais dos reivindicantes.

Paralisação nacional do dia 14 de abril
Alunos negros, que ainda são minoria na universidade, estiveram presentes na reunião do CO. (Foto: Jornalismo Júnior)

“Já tínhamos sido ignorados pelo Zago no CO do dia 07, e naquele dia, as negras e negros ocuparam a reunião devido à recusa do Conselho em pautar as cotas; e no dia 14 não poderia ter sido diferente. Não foram estudantes e nem trabalhadores que implodiram o CO, foi a própria universidade que o fez, com seu caráter elitista e antidemocrático”.

Intitulado “Violência contra o Conselho Universitário”, o informe da reitoria sobre a ocupação do dia 14 é contestado por Bruno Gilga, representante dos funcionários e presente na reunião. Segundo o servidor, não existiu nenhuma ameaça à integridade física e moral dos participantes do CO por parte dos ocupantes. Ele ainda considera a nota da reitoria, em si, repressiva, já que responsabiliza o SINTUSP pela ação. “A reitoria falsifica a história porque sabe que tanto a comunidade universitária quanto a opinião pública reconheceriam a legitimidade da reivindicação por cotas, se o documento realmente dissesse o que aconteceu e sabendo que a USP sempre se negou a discutir a questão. Ninguém naquela reunião foi ameaçado moral ou fisicamente. A sala onde acontecia a reunião do Conselho Universitário foi ocupada legitimamente para que seja pautada a questão das cotas e automaticamente o racismo institucional da universidade”, assevera.

O funcionário sustenta que o próprio caráter da USP e a forma como ela foi concebida só contempla os interesses de uma minúscula parcela da população: “desde sua fundação, a universidade foi pensada para a ‘elite branca’. Um projeto que se aprofundou com a ditadura militar e que a atual burocracia universitária quer manter”.

No mesmo dia em que a reitoria divulgou o informe, a Ocupação Preta lançou em sua página no Facebook uma carta em resposta, na qual afirma que Zago se utiliza de “argumentação falaciosa, expressões semânticas tendenciosas em seu favor” e se exime da responsabilidade em relação ao cancelamento da reunião. Além disso, declara-se que o reitor instrumentaliza os meios de comunicação da universidade para atendimento de interesses políticos próprios, enquanto deveriam existir “para atender às demandas da comunidade, e não as do grupo que ocupa os espaços institucionais de poder”.

Em 16 de abril foi realizada uma assembleia geral dos estudantes cujo tema central foi cotas. Entre os encaminhamentos, estão duas paralisações — uma no dia 30 de abril e uma no dia da próxima reunião do Conselho Universitário, em 16 de junho — e a proposta do movimento estudantil coletar assinaturas para um abaixo-assinado da Ocupação Preta. A intenção é reunir 1% de assinaturas da comunidade universitária, para encaminhar a pauta das cotas para reunião do Conselho de Graduação (CoG), órgão central da administração universitária. A próxima assembleia de estudantes está marcada para o dia 6 de maio.

Por Marcelo Grava e Vinícius Crevilari