Cabelos brancos e vontade de aprender

A terceira idade que frequenta a universidade, acompanha disciplinas e quebra estereótipos

Após os 60 anos é compreensível que não se queira mais aprender, que falte disposição para participar de aulas ou cursos regulares. Com a idade chega o cansaço, não é possível acompanhar disciplinas teóricas ou realizar exercícios físicos frequentes. Esse discurso é bastante presente entre, vejam só, não-idosos. Teresinha Violi Correia, aluna da EACH (Escola de Artes e Ciências Humanas), discorda: “Não é porque estou com 75 anos que não posso fazer uma atividade ou sair sozinha. Saio com cuidado, é claro, mas saio sim – e acho muito bom”.
Há 22 anos a USP lançava o Universidade Aberta à Terceira Idade, disponibilizando vagas para idosos em disciplinas regulares e em atividades complementares como ciclos de palestras, oficinas ou aulas práticas, divididas em didático-culturais ou físico-esportivas. Mantido pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária, o programa visa proporcionar a experiência de universidade a pessoas que, após completar 60 anos, continuam dando importância ao aprendizado ou àquelas que não puderam ter acesso a um curso superior durante a juventude e que não estão dispostas a desperdiçar a nova oportunidade.
Este é o caso de Terezinha, que teve que esperar até os 9 anos de idade pela primeira escola pública de seu bairro, na Zona Leste de São Paulo. Com mais três irmãos e uma mãe com a saúde debilitada, precisou começar a trabalhar logo e não pôde se dedicar a uma graduação. Hoje, com filhos e netos criados, se envolve com várias ocupações durante a semana. Na EACH, faz aulas de teatro e dança sênior, disciplina com atividades físicas de forma lúdica, favorecendo a socialização, lazer e saúde dos alunos.
Gilberto Neves é formado em ciências econômicas com especialização em contabilidade. Assim que atingiu a idade mínima para matrícula, 60 anos, começou a participar do Universidade Aberta à Terceira Idade, buscando se atualizar. Nos últimos dez anos cursou, aproximadamente, quarenta disciplinas. “Eu faço cerca de duas aulas a cada semestre. Às vezes até repetida. Agora mesmo, estou fazendo ciência política novamente. Fiz há uns sete anos, estou retornando porque naquela ocasião era outro enfoque, vale a pena refazer”, afirma.
Aulas na área de sua graduação, a economia, o idoso prefere evitar, diz gostar de “coisas novas”. Começou fazendo matérias do MAC (Museu de Arte Contemporânea) e ultimamente tem gostado bastante das disciplinas oferecidas na ECA (Escola de Comunicações e Artes). Quando questionado sobre o curso preferido até o momento, fica sem jeito “Agora você me pegou. Gostei muito dos dois semestres de Música Popular Brasileira, com o professor Ivan Vilela. Estudei cinema também no IEE (Instituto de Estudos Avançados), foi muito interessante. Uma preferida mesmo é difícil, eu fiz muitas”.
As matérias regulares, como as que Gilberto cursa, são semestrais e com atividades integradas à graduação. As inscrições são abertas, normalmente, nas primeiras semanas de fevereiro e nas últimas de julho. Já as complementares não possuem data fixa para abertura e são lançadas individualmente pelas unidades, de acordo com uma programação interna. Nestes casos, o ideal é que o idoso acompanhe o site da unidade responsável por atividades que o atraiam. Na grande maioria das matérias, não há pré-requisitos para matrícula, apenas a disposição para aprender.
Leda Losso voltou a ser aluna USP com 75 anos. Formada em odontologia na FO (Faculdade de Odontologia), sequer estudou no campus Butantã. Concluiu sua graduação na R. Três Rios, primeira sede do instituto que foi um dos primeiros a formar a universidade. Apesar de exercer ainda a profissão de cirurgiã-dentista, prefere aulas em outras áreas: “Eu quero conhecer outros pensamentos, gente nova, um lado da vida que não seja apenas a ortodontia. Quero sair da técnica e aprender coisas novas”, explica. Depois de pegar algumas indicações de disciplinas comigo, Leda ainda afirmou “Pretendo fazer mais cursos sim, fiquei muito na biologia, física e química por conta da profissão. Quero conhecer o que mais tem de interessante do outro lado”.
Programas como o Universidade aberta à Terceira Idade se tornam cada vez mais comuns. No dia-a-dia, o espaço garantido a este público tem crescido gradualmente e pode ser notado em pequenos fatores como o aumento de bancos reservados no transporte público ou a obrigatoriedade de filas preferenciais em estabelecimentos comerciais. Isso é o reflexo de uma sociedade composta por idosos ativos e, sobretudo, em maior número.
Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam que em 1991, a expectativa de vida era de 66 anos. A última pesquisa, divulgada em dezembro de 2014, revela um novo valor: 74,9 anos. O aumento é bastante significativo e assim sendo, impacta a sociedade brasileira como um todo. A mensagem é clara, a terceira idade constitui uma parcela relevante da população e já não se acomoda no estereótipo comum estabelecido de que idosos devem levar uma vida tranquila e abdicar de atividades regulares como aulas ou exercícios físicos.
Apenas neste ano, o programa já disponibilizou mais de quatro mil vagas em mais de quinhentas disciplinas diferentes. Para acompanhar a abertura das inscrições, acesse: www.prceu.usp.br/nucleodosdireitos/usp3idade/.

(Fotos: Jullyanna Salles e Stella Bonici. Ilustração: Marina Yukawa)

Por Jullyanna Salles