“Direito de escolher a droga é fundamental”

Movimento estudantil antiproibicionista debate descriminalização das drogas em evento

Nos dias 11 a 15 de maio, houve na FFLCH a quinta edição da Semana Antiproibicionista da USP, realizada pelo coletivo Frente Universitária de Mobilização Antiproibicionista (FUMA), organização que visa promover a discussão sobre a legalização das drogas. O objetivo principal do evento foi justamente tentar trazer para a universidade a importância do debate acerca da descriminalização e as questões paralelas envolvidas com a proibição de certas substâncias psicoativas. A Semana acontece de modo tradicional em Maio, no mesmo mês das mobilizações da Marcha da Maconha em São Paulo e em outras cidades do mundo.

(Foto: Stella Bonici)

Segundo uma das organizadoras do evento, Fernanda Cimino, o FUMA foi criado em 2011 após confusão no estacionamento do prédio da História e Geografia entre policiais militares e estudantes, com o intuito de colocar a questão das proibições em debate na USP, já que o Movimento Estudantil (ME) não pautava essa temática. “Apesar do estopim da greve ter sido relacionado ao uso de drogas na universidade, a questão proibicionista não foi colocada em debate pelo ME naquele momento. Alguns alunos se incomodaram com essa postura, pois essa pauta sempre ficou em segundo plano”, explica Fernanda.
Além disso, para ela, o evento teve também a finalidade de transcender o debate das drogas na universidade e alcançar novos temas, explicando os problemas advindos da atual política pública em relação aos psicoativos. “Buscamos fazer mesas que interseccionem as mais diversas pautas, como a de opressões, a questão do uso entre povos indígenas, o debate dos cultivadores, a luta antimanicomial, a luta do abolicionismo penal e o uso recreativo, entre outros”, aponta. Com a presença de diversos pesquisadores da área, professores e militantes da causa, a semana se caracterizou também por rodas de conversas, debates, oficinas e filmes.

Atraso do Brasil

Para Maurício Fiori, pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP), já há uma certa mobilização como alternativa de luta para a legalização, porém os movimentos sociais precisam crescer para o legislativo e o executivo perceberem sua importância. Fiori comentou que o movimento antiproibicionista deve englobar novos públicos para ganhar maior notoriedade. “Temos que abrir a discussão para perspectivas políticas que não são aquelas tradicionais de esquerda, acho que há setores abertos a discutir a política de drogas, mas que não se engajam. Temos que ser flexíveis e entender que esse movimento dificilmente vai prosperar se não transcender aquilo que chamo de ‘campo da esquerda’”, comenta.
Entretanto, Fiore enxerga um descompasso entre a discussão no Brasil e em outras partes do mundo. “Vários ativistas internacionais e especialistas olham para o Brasil e ficam decepcionados com relação ao nosso avanço em relação aos vizinhos, não só ao avanço concreto, em termos de lei e política pública, mas ao avanço da discussão”, analisa. Esse descompasso se relaciona com o pouco engajamento, por exemplo demonstrado em pesquisas de opinião, nos quais os índices no Brasil são baixos. “Temos cerca de 80% da população que responde não quando se comenta sobre da massa é muito baixa”, completa Fiore. Para ele, também é necessário articular o tema com outros movimentos sociais, como sindicatos e o movimento negro. “Penso que a narrativa de crítica ao proibicionismo precisa compor suas vítimas, aquelas que são as populações mais vulneráveis das consequências negativas da proibição”.
Maiores vítimas Nesse âmbito, a jornalista e militante feminista e anti racista Luka Franca apontou quem são os principais atingidos por essa política de drogas. Tratam-se dos negros e, principalmente, das mulheres negras da periferia. “Segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o assassinato de jovens negros aumenta 70% com as entradas em morros por conta do tráfico; as incursões policiais dentro das favelas e de comunidades dizendo que estão desbaratando, são os casos das UPPs no Rio de Janeiro, e aqui no Jardim Rosana ou no Rio Pequeno, o discurso é o mesmo”, diz.
Para ela, existe um “amplo processo de criminalização do povo preto e das mulheres”, decorrente da violência policial. “Precisamos compreender que os assuntos se imbricam, o Estado brasileiro está em guerra contra as drogas, mas essa guerra é também contra os negros, contra as mulheres. É preciso lutar contra esse processo de ‘higienização’ tão visível”, explica Luka, mostrando que 65% das mulheres presas entre 2007 e 2012 foram ligadas ao tráfico de drogas, pois o “sistema penal se associa com essa lógica proibicionista que o capital necessita”.

Movimento de massas

Um ponto importante tratado foi em relação ao direito do indivíduo de ter autonomia sobre o seu próprio corpo. Segundo o historiador Henrique Carneiro, professor do Departamento de História da FFLCH, deveria haver uma regulamentação para uso, porém “o direito de escolher a droga que será ingerida é um direito humano tão fundamental quanto a religião ou o livro que escolhemos, pois essa perspectiva diz respeito a um conceito central do modelo de liberdade que devemos estabelecer como fundamento societário”.

(Foto: Stella Bonici)

Além disso, Carneiro discorreu sobre como apenas com muito ativismo de massas é que as políticas de drogas podem mudar, pois para ele prevalece hoje “um modelo internacional de um bloco reacionário fundamentalista que impede que até no UNGASS de 2016 [Assembleia da ONU que tratará sobre a questão das drogas] não tenhamos esperança”.
Assim, segundo o historiador, a única possibilidade de acontecer alguma mudança na situação política é, além da legalização já em curso nos EUA, que o movimento de massas cresça nos outros países. “Nos últimos anos, o movimento da legalização da maconha é um dos mais ascendentes da história mundial. No dia 2 de maio teve mais de 100 cidades no mundo com marchas, em Buenos Aires 150 mil pessoas saíram às ruas”, comenta Carneiro, revelando não ter nenhuma ilusão quanto ao Congresso determinar mudanças nas políticas.

Por Luís Viviani