“Os casais homoafetivos passam a ter mais visibilidade na hora de adotar”

Isabel Gomes fala sobre as novas configurações familiares, o processo de adoção por casais homoafetivos e a impotância de se quebrar preconceitos

De 11 a 15 de maio, foi realizada no Instituto de Psicologia da USP a Semana de Psicologia USP 2015. Entre diversos mini-curso apresentados no evento estava “A Adoção e suas Vicissitudes”, proposto pela docente Isabel Gomes.

(Foto: Daniel Muñoz)

Formada no Instituto de Psicologia, atualmente Isabel é professora titular do IP e coordenadora do Laboratório de Casal e Família. Nele, realiza pesquisas com a clínica e estudos psicossociais, que abordam as mudanças na família ao longo do tempo.

Em entrevista ao Jornal do Campus, ela falou sobre o que esses estudos vêm mostrando em relação às novas configurações familiares, e abordou também o tema da adoção, processe essencial para a formação dessas novas famílias.

O que os estudos têm mostrado a respeito dos novos modelos familiares?

Então, você tem o grande modelo tradicional de família, que é o que imperou no passado e que ainda existe hoje, ao lado das novas configurações familiares. Dentro das novas configurações familiares, a gente tem as famílias reconstituídas a partir da possibilidade do divórcio, que já não são tão novas assim, porque existem faz muito tempo. A gente tem também o que os meus orientandos vêm estudando mais recentemente, que são as famílias homoafetivas, tanto masculinas quanto femininas. A questão não só da conjugalidade homoafetiva, mas a construção da família homoafetiva mesmo, do ponto de vista da fertilização, principalmente se for uma família de mulheres, enquanto os homens em geral vão em busca da adoção.

O que as abordagens teóricas da psicologia estudadas por você colocam a respeito dessas novas configurações?

Do ponto de vista da psicologia clinica e do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento, vamos dizer assim, a grande questão, até dentro da psicanálise, era o que vai acontecer com uma criança que não vai viver a diferenciação sexual. Essa era a grande questão. Então a criança que vai crescer numa família assim, com modelos homossexuais, homoafetivos, será que isso não vai gerar nela comprometimentos, sintomas, ou até fazer com que ela também tenha uma orientação sexual homo?

Outra questão que aparecia, principalmente em relação aos casais homoafetivos masculinos, era que a gente sempre teve a questão do feminino associado ao cuidar, à maternagem. Enquanto o homem, dentro do modelo tradicional, sempre foi visto como o provedor, então dois homens para cuidarem de uma criança gerava um estranhamento muito grande.

E o que os estudos mostram a respeito dessas questões?

O que a gente vai percebendo, o que vão mostrando tanto as pesquisas relacionadas às crianças quanto aos casais, é que as crianças tem o mesmo desenvolvimento das crianças que vem da família hétero. Até porque a família hétero até hoje é a que gera problemas e sintomas psicológicos nos seus descendentes, então cai por terra essa justificativa. A família heterossexual é o modelo normativo até hoje, mas ela é a que gera as grandes patologias. As pesquisas já mostram que as crianças se desenvolvem da mesma forma e que não necessariamente elas vão ter a orientação sexual dos pais.

Então isso cada vez ta ficando mais presente e a partir do momento em que há um referendamento, digamos assim, eles passam a ter mais visibilidade porque também estão amparados pela lei, pelos direitos, direito de herança, direito de guarda da criança, direito de convênio médico.

Sobre a segunda questão, uma doutoranda minha vai na casa desses casais masculinos que acabaram de adotar, ela já entrevistou cinco casais e já conheceu essas cinco famílias. São casais que não faz muito tempo que adotaram, na medida em que adoção por casais é recente. E o que o trabalho dela está confirmando é que eles têm uma preocupação e uma necessidade muito grande de mostrar para a sociedade que eles são pais preocupados, engajados, e que eles acabam se estruturando dentro das funções de qualquer outra família. Então, por exemplo, um é mais provedor pro outro poder cuidar mais das crianças, não muda muito. Mesmo alguns deles buscam ajuda de uma mulher, seja da família mais extensa, seja uma empregada, e com isso eles dizem reconhecer que algumas coisas são do feminino, então buscam essa ajuda. É uma preocupação muito grande da parte deles mostrar que as adoções estão sim caminhando bem.

O que é importante falar sobre a adoção, tema do seu mini-curso, e a relação dela com essas novas configurações familiares?

Então, a família adotiva não é algo das novas configurações familiares, a adoção existe desde sempre. O que a gente teve a partir da década de 90, com o surgimento do estatuto da criança e do adolescente, é também legislar sobre a possibilidade de adotar. Então hoje você tem um cadastro nacional de pretendentes à adoção, hoje é crime aquilo que a gente costumava chamar da “adoção à brasileira”, quando um casal pegava um bebê porque a mãe não queria ficar com ele e registrava como filho deles, filho biológico. Além disso, hoje essa legislação toda prioriza a criança, não é uma criança para um casal ou para uma pessoa sozinha, a gente busca uma família para a criança.

Então porque que a adoção entrou de novo nessa questão das novas configurações familiares, na medida em que ela é uma coisa muito antiga? Por conta de uma procura maior dos casais homoafetivos de bancarem adotar enquanto casal. Isso também faz com que você tenha que quebrar preconceitos no outro lado, no lado jurídico, para mostrar para os que estão envolvidos com isso que eles podem. Porque o que acabava acontecendo é que eles eram preteridos na fila. Além disso, por eles também já se colocarem nesse lugar de serem estigmatizados, o que acabava acontecendo, e ainda acontece, é que eles acabam tendo uma disponibilidade maior para adotar um perfil de crianças que os casais hétero não adotam, a criança mais velha, grupos de irmãos, crianças com alguma deficiência ou doença.

Os estudos relacionados ao tema podem ajudar na quebra do preconceito que ainda existe com esses novos grupos familiares?

Eu acho que a gente tem que construir conhecimento, principalmente a gente que é da área da psicologia, da psicanálise, para ajudá-los a quebrar com os estigmas.

Numa possibilidade de interface com os profissionais da área do direito a gente pode ir mostrando para eles as novas famílias, os novos arranjos que estão ai, para que eles não olhem com essa carga de preconceito.

Eu acho que essa é a finalidade da pesquisa na área acadêmica, por isso que a gente tem que publicar, por isso que a gente faz parcerias. Esse trabalho de adoção que eu estou fazendo e que a gente apresentou na semana, é fruto de uma parceria do meu laboratório com a vara da infância e da adolescência de Osasco. Além de escrever artigos para a área jurídica, a proposta é a gente trabalhar com os pretendentes e trabalhar com as psicólogas e as assistentes sociais da vara para quebrar esses preconceitos.

Como funciona o trabalho de vocês com a vara?

Quando a vara começa o grupo informativo, primeiro momento em que reúnem os pretendentes para passar como vai ser todo o processo, a gente pega um espaço para fazer o que chamamamos de grupo reflexivo. Nós discutimos com os pretendentes o que é adotar, quem é a criança que vai ser adotada, tentamos entender um pouquinho qual é a motivação das pessoas para adotar e buscamos quebrar com os estigmas relacionados à história da criança. É importante eles entenderem um pouco como é o estabelecimento do vinculo com a criança, permitindo que ela mantenha a história dela, porque muitas vezes  os pais querem negar tudo que aconteceu antes. É essencial eles entenderem os outros laços, a história da criança, pra gente quebrar os estigmas, porque muitas vezes eles ficam sabendo da historia da criança e isso marca ela.

Então, nesse primeiro encontro que a vara tem com os pretendentes, as minhas alunas entram na segunda parte e começam um trabalho reflexivo que envolve mais um encontro. Essa é uma parte, a outra parte é atender lá na nossa clinica escola no Instituto de Psicologia crianças que foram devolvidas e prepará-las para uma nova adoção. É um trabalho terapêutico, mas que deve ocorrer no prazo mais curto possível, porque a ideia é fazer com que essa criança possa ser inserida rapidamente em uma outra família.

Nos dois casos que a gente atendeu ano passado, conseguimos trabalhar nas duas pontas, preparar as crianças e, quando apareceram os pretendentes, preparar os pretendentes antes deles conhecerem as crianças. Assim, eles acabavam sabendo um pouco da dinâmica de funcionamento delas emocionalmente, qual seria a melhor forma de lidar com elas, fomos preparando para as dificuldade que poderiam surgir.  E acabou que as duas adoções feitas desse jeito estão dando certo.

Por Bianca Caballero