Professoras criam rede de apoio a vítimas de violência sexual na USP

O grupo Quem Cala Consente pretende acolher alunas e desenvolver campanhas educativas sobre violência de gênero dentro da universidade

Cerca de oitenta professoras e pesquisadoras da USP se reuniram no dia 23 de abril para discutir a criação de uma rede de apoio às vítimas de violência sexual na universidade. O encontro, que aconteceu no auditório da Faculdade de Medicina, foi inicialmente articulado por seis professoras – Ana Flavia D’Oliveira, Márcia Couto e Maria Fernanda Peres, da Faculdade de Medicina, Vera Paiva, do Instituto de Psicologia, Heloisa Buarque de Almeida, da FFLCH, e Elisabete Franco, da EACH – e convocado por meio de um manifesto-convite divulgado entre docentes pelas redes sociais e por e-mail.

O grupo, nomeado nesta primeira reunião como Quem Cala Consente, surge como resposta às denúncias de violência sexual e de gênero apresentados ao longo dos últimos meses na CPI que investigou violações de direitos humanos dentro da universidade, como o caso do aluno da Faculdade de Medicina que, acusado de envolvimento em três casos de estupro, foi suspenso por 180 dias em razão de “infrações disciplinares”.

(Crédito: Márcia Couto).

Além disso, a rede é vista como forma de oficializar o apoio que muitas docentes já prestavam de maneira individual às denúncias que recebiam de alunas. “Muitos dos casos de violência de gênero e de violência sexual chegavam até nós, professoras, e, conversando, pensamos que deveríamos fazer uma resposta mais propositiva e fugir da mera denúncia”, explicou, em entrevista ao JC, a professora Márcia Couto, definindo a criação do grupo como uma forma de demonstrar que “as professoras da USP não se calam nem consentem mais diante das situações de violência de gênero na universidade”.

Formada apenas por professoras e pesquisadoras, a rede não inclui alunas ou funcionárias em seus grupos de discussão, ponto que foi alvo de questionamentos durante a primeira reunião. A docente de Medicina defendeu o modelo citando o fato de que as professoras têm papel mais estável na universidade, o que possibilitaria maior acesso à discussão institucional das questões – “são pessoas que passam vinte, trinta anos de suas vidas dentro da universidade e têm uma outra visão da instituição que não aquela do aluno” -, mas não descarta a parceria com coletivos feministas já existentes.

Em sua primeira reunião, foi definido que a organização das ações da rede se dará por meio de quatro grupos de trabalho diferentes. O primeiro deles ocupa-se do planejamento e da execução de campanhas educativas relacionadas à prevenção e ao enfrentamento da violência sexual e de gênero no espaço universitário, e também da criação de mecanismos que facilitem a comunicação entre as participantes do grupo e a divulgação das discussões e processos desenvolvidos. O grupo diz esperar que as campanhas, apesar de voltadas ao ambiente da universidade, “tenham eco para sociedade como um todo” e sirvam como forma de demonstrar que a USP “não é apenas alvo de denúncias, mas também tem se mobilizado para fazer o enfrentamento interno das questões”.

O segundo grupo é responsável pelo que é considerado o objetivo prioritário da rede: o desenvolvimento de métodos mais eficazes de acolhimento às vítimas, que seriam usados em capacitações de docentes e serviços de amparo já existentes, promovendo o que se classifica como “uma escuta mais qualificada” das questões de violência de gênero que possam ser enfrentadas pelas alunas, funcionárias ou mesmo professoras dentro do espaço universitário.

Já o terceiro grupo é responsável por avaliar e pensar formas de aperfeiçoamento dos meios institucionais já existentes que lidam com os casos de violência e se encarregam da apuração das denúncias e da responsabilização dos agressores. “Uma das questões que nos angustiava muito era a morosidade e a ineficiência dos mecanismos de apuração e punição dos casos já divulgados”, diz Márcia, ao defender a revisão dos regulamentos e códigos de ética vigentes.

O quarto e último grupo de trabalho é responsável pelo intercâmbio entre as diferentes unidades da USP e reúne representantes de diversos institutos com a proposta de troca de informações sobre as atividades realizadas.

Por volta de 150 outras docentes além das presentes na reunião inicial também se manifestaram de forma favorável à criação do grupo, que agora conta com apoio em 23 institutos da universidade. As reuniões seguintes serão sediadas de forma revezada entre as unidades representadas na rede. A próxima delas, que debaterá as propostas levadas pelos grupos de trabalho, acontecerá no dia 27 de maio, às 18h, na Faculdade de Saúde Pública. Como o grupo se encontra em fase de estruturação, os meios de contato para denúncias e acolhimento ainda não foram definidos.

Por Laura Viana