“A corrupção no Chile tem estado muito bem escondida”

Crise política coloca em xeque reputação do país apontado como o menos corrupto do continente
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Palácio de La Moneda. Foto: André Spigariol

No começo do mês foi dado o pontapé inicial para a Copa América 2015, no Chile. Foi a centelha para a juventude, que aproveitou a ocasião e foi às ruas. Os manifestantes barrados pela polícia nos arredores do Estádio Nacional queriam chamar a atenção para os problemas do país, que vive uma crise política sem precedentes, desencadeada por sucessivos escândalos de corrupção que atingem toda a classe política, de todos os partidos, incluindo ministros de estado e parlamentares.
Tudo isso em um país que, em 2014, foi apontado como o 21º país com menor percepção de corrupção do mundo em um estudo da Transparência Internacional, o primeiro na América do Sul. Em especial, a presidenta Michelle Bachelet se vê em maus lençóis: seu nome foi envolvido diretamente no caso de corrupção Caval, revelado pela revista Qué Pasa em fevereiro, que fez explodir a bomba da crise política no Palácio de La Moneda, sede do governo.

No escândalo, Sebastián Dávalos – filho da mandatária – é acusado de tráfico de influências para favorecer sua esposa em um negócio de especulação imobiliária. Ele havia sido apontado pela presidenta como diretor da Área Sociocultural da Presidência da República. “Eu acredito que há uma crise que tem a ver com uma profunda desconfiança nos partidos políticos e na liderança presidencial por parte da opinião pública”, analisa Alfredo Rehren, professor do Instituto de Ciência Política da Pontifícia Universidade Católica do Chile, especialista no estudo da corrupção na América Latina.

O envolvimento de Bachelet no escândalo foi a gota d’água para fazer cair sua popularidade, que conta com a aprovação de apenas 24% da população, segundo a pesquisa Cadem de 15 de junho. É um contraste sem precedentes, em comparação com o término do seu primeiro mandato, em 2010, quando somava 84% da aprovação popular. Ao mesmo tempo, as principais reformas impulsadas pelo governo encontram rejeição, como é o caso da educação, desaprovada por 63% dos chilenos, segundo a pesquisa mais recente do instituto Cadem.
“Os partidos políticos, por parte do governo, levaram adiante uma agenda muito ambiciosa e pouco realista, talvez. Por outro lado, casos recentes de corrupção tocaram toda a classe política em geral e a presidência da república. Se juntamos esses eventos, no contexto de uma economia relativamente estancada, temos uma mistura bastante explosiva”, diagnostica Rehren. “As pessoas não acreditam que o governo está resolvendo os problemas mais importantes do país e que se propôs a resolver, como a violência, educação e saúde”, diz.

Três casos

Apesar de culminante, o Caval não foi o único escândalo, nem sequer o maior desta crise. Ela começou com o Caso Penta, uma fraude bilionária ao fisco chileno empreendida por empresários do conglomerado Penta em conluio com funcionários do Serviço de Impostos Internos, revelado ainda em agosto de 2014. O dinheiro era usado também para o financiamento irregular de campanhas de políticos da direita chilena, subornos, propinas e lavagem.

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Evolução da bandeira chilena. Foto: André Spigariol

Logo depois do estouro do Caval, veio em março o Caso SQM, das empresas Soquimich. O que era uma aresta da investigação do caso Penta revelou um esquema muito maior de fraude ao Fisco e financiamento irregular de campanhas eleitorais – não limitados a um só partido, mas afetando a políticos de diferentes matizes ideológicos e partidários, muitos deles envolvidos no gabinete ministerial e na coligação governista do congresso (Nova Maioria). Entre os casos Penta e SQM, um estudo do SII indica que o prejuízo fiscal chega a mais de R$ 19 bilhões. Foi depois disso que Bachelet pediu a renúncia de todos os ministros e apresentou uma nova equipe de governo, em maio, uma medida inédita desde o fim da ditadura militar (1990).

“Sempre se falou que os casos de corrupção eram algo dos partidos da centro-direita, por sua vinculação com o âmbito empresarial. Mas a verdade é que outros casos que se conheceram tomaram também a centro-esquerda e ao governo da Nova Maioria e essa investigação ainda está em curso”, aponta Rehren. “Esse foi um duro golpe, além da vinculação do filho da presidenta no caso Caval. Tudo isso deixou a presidenta em uma posição muito desamparada frente à opinião pública”, opina o acadêmico.

Para Rehren, o que sucede é que “a corrupção no Chile tem estado muito bem escondida até agora”. “A corrupção é sofisticada e pouco a pouco se está revelando. Em minha opinião, o Chile deveria estar em uma posição muito mais baixa nos rankings internacionais do que está”, critica.

Resposta lenta

A réplica mais concreta por parte de La Moneda veio na forma de um pacote de medidas encomendadas ao Conselho Assessor Presidencial contra Conflitos de Interesse, Tráficos de Influências e Corrupção, instância especial interpartidária e com participação de especialistas encarregada de propor reformas políticas para o combate aos delitos. O resultado foi entregue em abril deste ano e conta com 305 propostas.

Após a entrega do relatório da comissão, Bachelet prometeu em cadeia nacional, “um conjunto de planos administrativos e projetos de lei que impulsarão uma reforma ampla e integral para erradicar as más práticas na política, nos negócios e na relação entre ambos”.

Rehren avalia que a classe política como um todo reagiu de forma muito lenta à crise. “A resposta de Bachelet foi tardia e isso lhe afetou enormemente. Depois dos casos de corrupção, as pesquisas de opinião pública mostram uma queda do apego e apoio das pessoas à classe política, às instituições e ao congresso. O governo, ou mesmo os políticos e o Congresso foram lentos em responder à cidadania”.

“Eu vejo que existe um contraste muito grande entre o primeiro governo da presidenta Bachelet (2006-2010) e o atual govern, iniciado em 2014o. Choca bastante a diferença entre a sua capacidade no primeiro mandato com a sua falta de capacidade de enfrentar problemas nesta segunda administração”, sinaliza o professor.
Dentre as proposições do Conselho Assessor está uma reformulação do sistema de financiamento da política, aumentando a participação do dinheiro público, proibindo doações de empresas e anônimos e estabelecendo um teto para doações de pessoas físicas. Além diss,o passa pelo informo, dentre outros pontos, a sanção penal de corruptos, fiscalização mais rigorosa sobre lobbys e eventuais conflitos de interess de agentes públicos.

A presidenta quer ligar esta reforma política a uma de suas promessas de campanha: a redação de uma nova constituição democrática. A atual, com emendas feitas após 1990, é uma herança da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Segundo a chefe de estado, os detalhes do processo constitucional serão entregues em setembro, com plena participação cidadã, porém a baixa popularidade do atual governo pode impedir o projeto. “Em um momento de questionamento da população, não acredito que Bachelet consiga reverter essa imagem e levar adiante a reforma constitucional em curto ou médio prazo”, acrescenta Rehren.

Por André Spigariol