Espaços públicos e esportes na USP

Como a prática esportiva dentro do Campus se relaciona com a ocupação da cidade

A Cidade Universitária é bastante utilizada para a prática de esportes, principalmente aos sábados. Por se tratar de um espaço público, uma de suas características é a de ser um espaço coletivo, de patrimônio comum, com o objetivo de integrar as pessoas para práticas de lazer. Nesse contexto, existem diversas assessorias de esporte que ajudam nessa tarefa e utilizam o ambiente universitário. Há também diversos eventos patrocinados que são feitos no local, como o “Run the Night 10k”, acontecido no dia 30 de maio, inclusive interditando avenidas. A questão que surge é: como se dá essa relação de espaço público com assessorias esportivas e eventos privados?

 

(Foto: Ana Paula Machado)
(Foto: Ana Paula Machado)
Corrida na USP

Diversas pessoas vêm por conta própria praticar esportes na USP, como corrida e ciclismo. O JC conversou com algumas que contaram as vantagens e desvantagens da Universidade. Os amigos Sidnei, Josimar e Reginaldo, ambos de 54 anos, disseram que correm há mais de quinze anos na USP. O motivo principal para usufruírem o local, além de morarem perto, é a existência de ruas compridas, o que ocasiona em fazer trajetos sem rodeios. “Se você vai para qualquer outro lugar tem que dar muitas voltas, como o Ibirapuera, que se correr 15 km tem que dar umas cinco”, disse Sidnei. Com relação aos carros, disseram que nos últimos anos aumentou bastante o número dos que transitam pela USP nos finais de semana, e que foi parte de um processo. “A gente foi se habituando com esse crescimento. Temos que andar moderadamente e com cuidado”, relatou Sidnei. O JC conversou também com pessoas que, ao invés de irem por conta própria, decidem fazer uso das assessorias de esportes que utilizam a USP para práticas de exercícios físicos. Para Cristiane Augusto, que corre há dez anos na universidade, a consultoria é boa, pois você paga uma mensalidade e recebe planilhas com horários de treinos, além de ter uma equipe para ajudar. Ela também prefere a USP pois tem mais espaço, já que outros lugares são mais apertados. Porém enxerga como desvantagem a questão dos assaltos. “Eu nunca fui [assaltada], mas conheço gente que foi. Por isso nunca mais corri perto do HU, só vou até a Biologia”, comentou. Octavio Fernandes, que se exercita há quatro anos na USP, e além de sábado vai às terças e quintas, também utiliza os serviços de assessorias, para poder treinar e competir como amador.  Segundo ele, durante a semana “vem só o pessoal que treina ciclismo, já aos sábados vem pessoal que treina outros esportes, que vem a passeio, logo é bem diferente a frequência”. Octavio relatou que chega muito cedo pois assim pega pouco trânsito, já que “veículos usam a USP como via de acesso, para cortar caminho”, o que aumenta a quantidade de carros na região. Segundo ele, os espaços da USP são melhores que as estradas, além de ser de fácil acesso, mas argumentou que a manutenção não é muito boa. “Tem muitos buracos, o campus não é feito para quem pratica esporte, a gente que acaba se adaptando”, disse. Para os colegas Marcela, Kátia e Caio, a USP é uma das únicas opções que existem na cidade para a boa prática de esportes, além de algumas ciclovias. Disseram usar o serviço de consultorias esportivas pois há uma maior evolução nos exercícios. “Fica mais direcionado, o desempenho melhora bastante, eles fazem treinos específicos, passam a planilha com todos os dias da semana, aí depende do objetivo de cada um”, completou.

Assessorias Esportivas

Segundo Caio Vinícius de Souza, 29, professor de educação física da empresa Marcos Paulo Reis Assessoria Esportiva S/S, não é só ensinado questões básicas de treinos, mas também características “técnicas, de bicicleta, fatores fisiológicos e fatores biomecânicos”. Ele disse que assessorias utilizam a USP para orientar os alunos pois há mais espaço e consequentemente mais foco no ritmo para treinar melhor. Caio contou que, quando entrou há oito anos na empresa, existia cerca de 80 assessorias que utilizavam a USP para treinos, mas o número aumentou substancialmente: “hoje, se eu falar que tem 190 assessorias é pouco”. Para ele, ao mesmo tempo que essa concorrência causa certas “brigas” por territórios, elas se dão de forma saudável e compartilhada, pois “ninguém quer tirar ninguém daqui”. Além disso, levantou a questão de ser mais seguro um local com maior número de pessoas, como nas terças e quintas à noite. “Como seria a USP, principalmente à noite, sem isso? É bom para preencher o espaço, atualmente tem muitas pessoas correndo, pedalando, e consequentemente tem maior fiscalização e segurança”. Sobre o uso de espaço público para os exercícios, Caio disse que as assessorias esportivas não são associadas com a USP, mas que tem toda uma organização de estrutura e autorização para as práticas físicas. “Parece que a genteestá usando, né? Mas estamos usando o espaço que temos, que são ruas. Se minha rua fosse larga assim eu usava”, completou. Por fim, Caio comentou que antigamente as pessoas faziam exercícios nas ruas, mas que hoje elas procuram lugares mais adequados para tais atividades, como academias. Assim, o envolvimento com assessorias cresceu na mesma medida, pois para ele “as provas são fatores motivacionais, por exemplo”, aumentando o envolvimento com o esporte.

Espaços Públicos

Segundo o professor da FAU, Euler Sandeville, não existe cidade sem espaço público, pois são justamente esses espaços que definem sua estrutura e conectam as pessoas. “Os espaços públicos definem as formas da cidade, participam do modo como as pessoas se relacionam, fazem parte da vida delas. A importância é total, pois é um espaço onde se encontram”. Ele aponta que os espaços públicos vêm sendo usados para diversas finalidades, como usos para lazer, simbólicos ou políticos. “Há uma infinidade de possibilidades da forma de se apropriar dos espaços”, comenta. Com isso, mostra como esses espaços fazem parte do cotidiano das pessoas.

Em relação ao uso desses espaços por terceiros, como em eventos fechados e patrocinados, Euler foi específico. “Quem faz essa mediação é a prefeitura, eles têm autorização e penso que na medida em que seja uma atividade lucrativa, a USP deveria deixar uma contrapartida discutida na universidade, como a ampliação do acesso de pessoas de mais baixa renda”, demonstrando que considera aceitável esses acordos, desde que exista uma compensação. Euler também considera que se há uso econômico, com concessão, deveria se conciliar os diversos usos que devem ocorrer nesse espaço, com acordos e regras de como se usar o espaço, respeitando os demais usuários. “Penso que uma universidade, sendo um espaço educativo e de formação de conhecimento, as pessoas que fossem usar esse espaço deveriam ter compromisso com esses valores, seguir uma orientação da universidade, com a importância de partilhar o espaço com os outros”, completa. Ademais, disse que o problema só existe quando se perde a finalidade pública do espaço, o compromisso com a educação. “Se forem preservados esses princípios está tudo bem, mas quando há distorção não, pois o acesso deveria ser aberto a todas as pessoas para que pudessem usar os espaços”. Euler enxerga, portanto, como boas medidas a existência de programas especiais, ou um transporte público mais capacitado para acesso das comunidades para chegar a USP. Para a também professora da FAU, Vera Pallamin, a importância dos espaços públicos está vinculada, desde o início na Grécia Antiga, “à configuração de um espaço da palavra, o discurso político, que se abre ao debate em comum e ao enfrentamento das desavenças inevitáveis que integram este comum”. Outro ponto importante abordado por ela diz respeito à acepção usual do termo “espaços públicos” atualmente, referindo-se aos espaços urbanos tais como ruas, praças, largos, alamedas, pois mostram o quanto esses espaços estão voltados para a mobilidade urbana. “Isso indica mudanças significativas processadas historicamente, pois na cidade contemporânea testemunhamos uma incisiva funcionalização de espaços urbanos tradicionalmente devotados ao encontro e à reunião coletiva, aberta”, explica. Segundo ela, essa funcionalização está em parte ligada às crescentes esferas de privatização da vida urbana alimentadas pelo capitalismo. Porém, lembra que quando as lutas políticas tomam corpo social e densidade, é “nos espaços públicos que se manifestam, a exemplo das jornadas de junho de 2013, e essa presença ali é insubstituível, a despeito de todos os demais meios eletrônicos e comunicacionais disponíveis”. Assim, ela comenta que após séculos de mudanças, “a relação entre política e espaço aberto da cidade permanece”.

Sobre a questão da utilização por assessorias esportivas do espaço público, ela disse desconhecer o tipo de autorização realizado entre as partes, e que seria necessário sua publicação. “Esse tema coloca em debate o grau de vascularização do campus com a cidade, o que é aceitável ou não, debate este que é complexo e exige o desvio de posições binárias”, explica. Ao argumentar que a lógica social dominante tem sido a de “ampliar a esfera privada e enfraquecer aquela pública, e isso tem ocorrido de forma cada vez mais drástica, atingindo também a universidade pública”, Vera aponta que a mercantilização da cultura atual tem entre seus componentes “a produção incessante de eventos de todos os tipos, uma vez que estes se integram à perfeição no estímulo ao consumo e aos ganhos rápidos envolvidos nessas atividades”. E, por fim, ressalta que o patrimônio espacial e paisagístico da universidade, “conquistado e mantido com orçamentos que estão muito aquém de suas necessidades, como é de amplo conhecimento, não deve ser apropriado por esta lógica comercial e seus interesses privados”.

Após o fechamento da edição impressa, a Prefeitura do Campus respondeu `as perguntas do JC:

JC: Como se dá o relacionamento entre a USP e as diversas assessorias esportivas (consultorias) que utilizam o espaço para promover treinos e práticas de esporte, principalmente durante o sábado?
PUSP-C: A Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira (CUASO) se destina e foi projetada para abrigar atividades de ensino, pesquisa e extensão da Universidade de São Paulo (USP). Os serviços prestados nela favorecem não só seus alunos, professores e funcionários, como também a comunidade junto à qual atua e, de forma mais ampla, toda a sociedade. Dessa forma, o uso do espaço da CUASO prioriza as atividades condizentes com a missão da Universidade sem, contudo, deixar de colaborar para regulamentação de uso do espaço para práticas esportivas, criando condições seguras de uso para seus frequentadores e de forma harmônica ao funcionamento de um campus universitário. Ao longo dos anos a CUASO tem sido procurada pelas pessoas, de maneira geral, para desfrutar desse ambiente devido ao trato especial e conservação. Com o aumento do uso da infraestrutura da Cidade Universitária por automóveis, bicicletas e mesmo por pedestres que se utilizam do leito carroçável para correr, algumas regras estão em elaboração para conciliar até o limite da capacidade da Cidade Universitária o uso do espaço que dispõe. Neste sentido, a Prefeitura do Campus USP da Capital (PUSP-C) realizou três testes envolvendo corrida e ciclismo que subsidiarão a elaboração de uma proposta de uso do Campus para práticas esportivas, disciplinando e conferindo maior segurança a seus usuários. A proposta tem contado com o apoio do Ministério Público, que inclusive acionou a USP no sentido de tratar deste público, evitando mais acidentes, e deverá organizar não apenas os esportistas independentes, mas um número limitado de assessorias esportivas, inclusive definindo locais específicos para sua montagem e maneiras de garantir contrapartidas à USP. Vale salientar que a implantação de qualquer medida desta natureza envolverá, necessariamente, maior articulação com a Prefeitura da Cidade de São Paulo, entidades voltadas ao esporte e demais parceiros.

JC: Há autorização para eventos esportivos patrocinados, como a corrida “Run the Night 10k”, que foi realizana na Cidade Universitária e inclusive interditou algumas avenidas para a maratona? Existe algum limite para os eventos? Como se dão os acordos?

PUSP-C: A PUSP-C torna pública, anualmente, a abertura de calendário para a seleção de propostas de eventos esportivos a serem realizados na CUASO e organizados por entidades sem vínculo com a Universidade de São Paulo por meio de seu site. As propostas devem considerar o funcionamento da USP, que é de 24hs/dia com atividades que variam entre aulas, pesquisas em laboratórios e biotérios, atendimento hospitalar e comunitário, serviços essenciais de infraestrutura e manutenção do Campus, moradia estudantil, museus e transporte coletivo. A missão da Universidade sempre deve ser priorizada e as propostas devem assegurar a minimização dos impactos e conflitos gerados na realização das atividades, além da possibilidade de abrigar e apoiar pesquisas e projetos de cultura e extensão universitária e de gestão da USP. Assim, uma vez enviadas, avaliadas e autorizadas de acordo com o regulamento, as propostas de realização de eventos esportivos compõem um calendário, também disponível no site. Além desses, há os eventos que passam pela CUASO mas que compõem o calendário da Secretaria Municipal de Esportes (SME). Para estes, a PUSP-C procura se manter minimamente informada, buscando interagir em sua organização, a fim de que a comunidade uspiana possa ser informada da realização e interdições nas vias do Campus. Estes eventos são realizados a partir de uma articulação entre SME, Polícia Militar, SPTrans, CET e a Universidade, através da PUSP-C e Superintendência de Segurança.

Por: Luís Viviani