Pássaro, passarinho, passaralho…

Em meio a demissões em massa, jornalismo vê na inovação uma resposta para a crise

1084 demissões em cerca de 50 veículos de mídia tradicionais nos últimos quase três anos. Esses são os dados que Sérgio Spagnuolo traz em “A conta dos passaralhos”, publicado no site Medium.

De alguns anos para cá, as redações dos grandes veículos de comunicação estão cada vez mais vazias. O prédio do Grupo Abril que o diga. Se antes era considerada uma das empresas de mídia mais influentes e poderosas do país, hoje está no topo do número de demissões em massa: já foram 446 funcionários despedidos desde 2012, segundo dados do Volt.

Ainda segundo o site, a Folha de S.Paulo, e O Estado de S. Paulo, os maiores jornais da metrópole paulistana, já demitiram respectivamente 161 e 92 funcionários desde 2013. Esses são os famosos “passaralhos”, apelido dado para as demissões em massa. Segundo a Pública, passaralho é algo que “remete a pássaros, revoadas de algo que destrói tudo por onde passa.”

“Hoje em dia não basta ter marca e leitores fiéis, é preciso também inovar. Inovar no conteúdo, no formato e, claro, no modelo de negócios.”
— Sérgio Spagnuolo, editor do Volt

O cerne desse quadro de instabilidade costuma ser creditado à retirada de capital publicitário dos veículos. “O modelo atual de jornalismo, principalmente quando se fala dos grandes veículos, está em descompasso com o momento em que vivemos. Esse modelo, que durou muito tempo, foi o que proporcionou um jornalismo isento, independente, de qualidade, mas que não funciona da mesma maneira hoje. Muitas empresas pagavam para colocar anúncios nos veículos de comunicação e isso fazia com que os meios tivesse um financiamento vasto e contínuo, que permitia desenvolver suas atividades”, explica o jornalista Tiago Mali.

No entanto, com a migração para os meios digitais, mecanismos mais inteligentes de publicidade começaram a surgir, e o dinheiro que antes era dos meios de comunicação, agora está na mão de empresas como o Facebook e o Google.

Spagnuolo também reconhece a dependência da venda de publicidade direta como um modelo de negócios ultrapassado, mas acredita que o problema que está acontecendo hoje vem muito mais de uma má gestão dos grupos.

“Eu acho que muitas das empresas jornalísticas tradicionais sofrem com uma cabeça antiga, elas não entendem bem como ganhar dinheiro com a Internet. Por mais que seus gestores sejam financeiramente ou até jornalisticamente bastante capazes, eles não conseguem capitalizar tão bem nas plataformas digitais, continuam vendo a Internet como viam o modelo de negócios da mídia impressa.”

Emergência de novos negócios

Sérgio Spagnuolo, que trabalhou em redação há quase 10 anos, tendo passado por empresas como a Reuters e o Yahoo! Brasil, hoje é editor do Volt, empreendimento independente e sem fins lucrativos de jornalismo de dados.

Sua nova empresa, assim como a Jota ++, do jornalista Tiago Mali, a Pública, inaugurada por Natália Viana, e tantos outros novos empreendimentos que vêm surgindo são sinais dos tempos. Não apenas um sinal de que o jornalismo dos grandes grupos de comunicação vem perdendo força – e dinheiro para se manter -, como um sinal de que o jornalismo pode ir além da cobertura tradicional.

Spagnuolo explica que teve a ideia do Volt após ficar afastado das redações: “passei a ver uma série de coisas novas que eu não conseguia enxergar quando estava no dia a dia de coberturas jornalísticas. Ficar um tempo fora (acho que foram 10 meses) me deu uma perspectiva nova do negócio. Veio daí a vontade de trabalhar com jornalismo voltado para dados, e, subsequentemente, nasceu o Volt.”

Mali já viu no jornalismo de dados, que também é a área de operação da Jota ++, um campo de enorme atuação. “O jornalismo de dados é uma das áreas de maior vanguarda hoje. Com uma abertura muito grande desde 2009, quando o governo Obama resolveu colocar todos os dados não classificados como confidenciais na rede, e todos os outros governos foram seguindo isso, você tem, cada vez mais, uma possibilidade de fazer esse tipo jornalismo”, afirma. Ele também explica que com o corte orçamentário dos grandes grupos, a saída para fazer matérias mais abrangentes e apuradas com dados é contratar empresas terceirizadas – caso da Jota ++.

A Pública, diferente dos outros dois, é um empreendimento voltado ao jornalismo investigativo. A coordenadora de comunicação, Marina Dias, acredita ser importante hoje em dia que os veículos apostem em formas inovadoras de contar histórias para manter sua relevância. “É nesse modelo que a Pública aposta desde o início. Inovar é fundamental para o nosso trabalho.”

Infográfico: Stella Bonici. (Clique para ampliar)
Infográfico: Stella Bonici. (Clique para ampliar)
Inovação

Spagnuolo aponta que uma falha que muitas empresas cometem é achar que o on-line serve para simples reprodução do que foi publicado no impresso.

“Hoje em dia não basta ter marca e leitores fiéis, é preciso também inovar. Inovar no conteúdo, no formato e, claro, no modelo de negócios. Como o New York Times ou o Guardian, que investem em novos tipos de tecnologia e formatos, com aplicativos móveis excelentes. Ou a NPR, que apostou em podcasts e deu certo. Ou como a ProPublica e o Projeto Marshall, que buscam parcerias para aumentar o escopo e distribuição de reportagens.”

Sobre as novas alternativas de renda, o editor aponta a publicidade nativa, textos patrocinados voltados a um nicho específico de leitores, e o crowdfunding, – iniciativa, inclusive, na qual a Pública aposta e afirma que funciona – como novos modelos possíveis.

A última alternativa, menos aceita pelo público leitor, é de se pagar pelo conteúdo consumido. “O consumidor paga pela revista e pelo jornal impressos, paga pela TV por assinatura, mas não costuma abrir o bolso pela informação que consome online.”

Em meio a esse cenário de incertezas e experimentações, basta apenas esperar que o jornalismo encontre uma, ou várias saídas, para se recuperar dos tempos sombrios.

Por Stella Bonici